quinta-feira, 28 de julho de 2022

Míriam Leitão - A Rússia vence a guerra econômica?

O Globo

Europa paga o preço pela dependência do gás russo, mas a Rússia corre risco de virar um país de segunda classe no comércio mundial

Essa é a grande pergunta que tem sido feita a respeito da guerra da Ucrânia. A resposta parece sim, porque afinal a Europa pode entrar em recessão, e alguns países se preparam para racionar energia quando chegar o inverno. Mas não é isso que pensa um grande especialista no tema, o economista Jeffrey Schott, pesquisador sênior do Peterson Institute. Olhando além da conjuntura, ele acha que a Rússia terá problemas duradouros por causa da guerra. Se por um lado os europeus podem entrar em recessão no curto prazo, pelo aumento dos preços da energia, por outro, a economia da Rússia está sendo corroída por dentro e isso terá impacto de longo prazo sobre o futuro do país.

Schott trabalhava no governo Reagan quando tentou impedir que países europeus fechassem acordo para a construção do primeiro gasoduto ligando a União Soviética à Europa. Hoje, está num dos mais influentes think tanks americanos, em Washington, de onde conversou por videoconferência com o colunista Alvaro Gribel. Ele se lembra dos alertas que fez nos anos 1980 e diz que só agora os líderes europeus entenderam o erro da decisão. Mesmo assim, é enfático em negar que Putin esteja vencendo a guerra econômica, apesar de toda a aparência. O rublo está voltando a se valorizar e o Banco Central da Rússia já cortou os juros. Ao mesmo tempo, os europeus se debatem com o aumento da inflação e o risco de falta de gás, que pode levar o continente a uma severa restrição no próximo inverno. Por isso, o mercado tem dito que a Rússia está sim vencendo a guerra. Ele discorda.

— As sanções falharam em impedir o início e a escalada da guerra. Mas elas não têm apenas esse objetivo e estão causando danos severos à Rússia, principalmente pelo bloqueio a produtos de alta tecnologia que são produzidos apenas no Ocidente. Isso afeta todos os tipos de atividades da sociedade russa e da sua economia — explicou.

Schott é especialista em sanções econômicas. Ele não nega os impactos reversos sobre a Europa, mas pondera que os europeus estão fazendo uma mudança permanente na sua matriz energética e, mesmo que a guerra chegue ao fim, a decisão para diminuir a dependência da Rússia já está tomada.

A valorização do rublo tem pouquíssimo significado econômico, segundo o economista, porque, na prática, ninguém pode comprar ou vender a moeda russa no sistema financeiro. Ele elogia a condução do BC russo pela economista Elvira Nabiullina e diz que a Rússia executa um severo controle de capitais interno, ao mesmo tempo em que se beneficia das exportações de petróleo e gás.

— Sobre a valorização do rublo, a questão é o que você pode comprar. Algumas coisas, desde que esteja na Rússia e ache algo por lá. Se você não consegue comprar produtos no Ocidente, então não consegue investir. O que vai fazer? — questiona.

O economista Martin Chorzempa, também do Peterson, publicou artigo no site do instituto mostrando os efeitos das sanções sobre o comércio externo da Rússia. O que chama atenção é que o impacto é generalizado, ou seja, não está restrito a países que se comprometeram com as medidas e atinge também fortes parceiros comerciais, como a China. Desde o início da invasão, a queda das exportações para a Rússia de países que anunciaram as sanções chega a 60%. Entre países que não adotaram medidas formais, o recuo é de 40%, com queda de 38% da China, na comparação com o mesmo período do ano anterior.

Schott explica que a postura dos chineses é de total pragmatismo. No curto prazo, vão tirar proveito da fragilidade da Rússia para comprar óleo e gás com desconto, o que de fato estão fazendo. As importações da China vindas da Rússia atingiram recorde histórico e 80% dos produtos são da área de energia. Mas ele diz que a própria postura de Putin com os europeus já serve de alerta para que os chineses não queiram ficar dependentes no setor energético da Rússia.

— Os chineses não vão ficar dependentes da energia russa, como os europeus. Se estão comprando mais óleo agora é para se aproveitar dos preços com descontos, mas não vão substituir a Europa pela Rússia. A mesma coisa vale para a Índia — explicou Schott.

A Europa está pagando pelo erro de ter se tornado tão dependente do gás russo e pode entrar em recessão. Mas isso no curto prazo. A Rússia corre o risco mais permanente de se tornar um país de segunda classe no comércio internacional.

 

Um comentário:

  1. Até onde isso é verdade ou simplesmente wishful thinking só o futuro nos dirá. Mas se eu for aqui dar meu pitaco depois de tanta campanha anti Russia e da mesma se tornar o país mais sancionado do mundo e não ter sofrido economicamente como desejavam os especialistas de washington é que isso mais uma vez é balela e que a europa nunca vai trocar o gás russo por qualquer outro. A matemática é simples. Quem vai querer pagar mais caro e destruir a industria nacional dependente de gás para comprar e produzir produtos mais caros que outros paises. Na verdade a europa vai virar a América Latina se ficar sendo tão vassalo dos yankes.

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