terça-feira, 12 de julho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Missão cumprida

Folha de S. Paulo

Ao mandar "fuzilar a petralhada", Bolsonaro estimula a violência política e colhe o que plantou

Definindo-se em redes sociais como conservador e cristão e exibindo foto ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o policial penal Jorge José da Rocha Guaranho matou na noite de sábado (9), em Foz do Iguaçu, o militante petista Marcelo de Arruda.

A vítima, que atuava como guarda municipal, comemorava seu aniversário de 50 anos em festa temática do PT, do qual era tesoureiro. Antes de morrer, Arruda feriu seu agressor. Segundo relatos à polícia, Guaranho havia passado antes de carro pelo local da festa gritando "Aqui é Bolsonaro" e "Lula ladrão".

O chocante assassinato de um petista por um ferrenho bolsonarista cumpre, em certo sentido, missão dada diretamente pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que já incentivou seus simpatizantes a "fuzilar a petralhada". Foi exatamente isso o que aconteceu no sábado.

O presidente sequer disfarçou a hipocrisia ao comentar a morte de Arruda. Depois de escrever em rede social que dispensa o apoio de quem pratica violência contra opositores, emendou: "A esse tipo de gente, peço que por coerência mude de lado e apoie a esquerda, que acumula um histórico inegável de episódios violentos".

Bolsonaro qualificou o assassinato como "uma briga de duas pessoas lá em Foz do Iguaçu" e disse que "ninguém fala que o Adélio é filiado ao PSOL", como se os dois episódios fossem equivalentes.

Adélio Bispo, autor da facada no presidente na campanha de 2018, de fato foi filiado ao partido de esquerda. Todavia, segundo as investigações, foi considerado inimputável por sofrer de uma doença mental e concebeu, planejou e executou sozinho o atentado.

Desde que assumiu, Bolsonaro abusa de linguajar vulgar e violento e acumula episódios de desprezo incivilizado contra adversários políticos, além de escárnio em relação aos demais brasileiros. Seu infame "E daí?", ao comentar as primeiras milhares de mortes na pandemia, revela o que passa, sem filtros, pela cabeça do mandatário.

Partidário de armar a população e se exibindo frequentemente atirando ou fazendo o gesto da "arminha" com as mãos, Bolsonaro estimula o comportamento violento, sobretudo de seus simpatizantes.

Caberá agora às autoridades investigar as motivações do crime e, daqui para frente, tomar precauções no entorno dos principais candidatos à Presidência. Além do assassinato de Arruda, eventos recentes e perturbadores sugerem um período perigoso à frente.

No mesmo sábado da tragédia, o ex-presidente Lula fizera elogios a militante do PT que quase matou um opositor político durante agressão em 2018. Mais do que nunca, será preciso cuidado extremo com as palavras nessa campanha.

Novo mundo

Folha de S. Paulo

Colapso de moedas digitais não deve interromper onda de inovações tecnológicas e comerciais na área

Uma das vítimas mais notórias da alta dos juros internacionais são as moedas digitais, cujo valor de mercado colapsou. Do recorde de US$ 2 trilhões atingidos no final do ano passado, cerca de 10 mil moedas criadas em poucos anos caíram 50% em termos agregados, retornando ao valor do início de 2018.
Como em toda inovação tecnológica, há a euforia que atrai novos entrantes e capital. Segue-se a fase de decepção, que seca o dinheiro novo por algum tempo, propicia uma bem-vinda filtragem e abre espaço para que os sobreviventes capturem os lucros da inovação.

Foi assim nas etapas da revolução industrial e, na virada do milênio, com a popularização da internet. Dos escombros emergiram empresas como Google, Amazon e Facebook, com valor de mercado de centenas de bilhões de dólares.

É provável que a derrocada atual leve ao florescimento dos vitoriosos no mundo das moedas digitais, cuja proposta mais abrangente é a de reduzir o poder de intermediários e abrir espaço para maior inovação, barateamento e democratização das finanças e de transações em geral.

A tecnologia de fundo, baseada em registros descentralizados para validação de transações, sugere uma evolução da própria internet, que se transformaria numa plataforma em que o controle de dados e atributos pessoais estaria sob poder dos usuários.

A chamada tokenização (a transformação de ativos indivisíveis), no contexto da validação descentralizada das transações, abriria espaço para novos modelos de negócio.

Na prática, o estágio evolucionário ainda não permite discernir como se dará a realização de tamanha ambição. Não é claro, para começar, que as moedas digitais consigam prover melhor alguns atributos essenciais de um sistema monetário, como segurança, estabilidade, eficiência, baixo custo e inclusão.

É arriscado apostar no mundo digital descentralizado e fragmentado como reserva de valor; e as transações ainda são ineficientes, caras e sem regulação que garanta segurança para o público amplo.

Além disso, os governos não abrirão mão de suas prerrogativas de emissores e garantidores, como demonstra o esforço dos principais bancos centrais do mundo em criar moedas digitais oficiais.

Trata-se, contudo, de um mundo monetário novo e fascinante, cujo potencial de inovação não será desacreditado pelo estresse atual.

Barbárie é ativo político de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Em vez de pedir paz e tolerância, presidente aproveitou crime de Foz do Iguaçu para escalar a provocação com a esquerda. É o vale-tudo do bolsonarismo para manter o País sob tensão

Aos gritos de “aqui é Bolsonaro!”, um agente penitenciário federal bolsonarista invadiu, na noite de sábado, a festa de aniversário de Marcelo Arruda, um guarda municipal filiado ao PT e que concorreu a vice-prefeito de Foz do Iguaçu em 2020, e matou o aniversariante a tiros. Diante do ataque criminoso realizado pelo apoiador do bolsonarismo, o presidente Jair Bolsonaro tinha o dever cívico de solidarizar-se com a família da vítima e, muito especialmente, de condenar e desautorizar toda e qualquer forma de violência contra opositores políticos. 

No entanto, Jair Bolsonaro não fez nada disso. Em vez de promover a paz e defender a liberdade política de todos os cidadãos, como cabe a um presidente da República, preferiu aproveitar o episódio para escalar a provocação contra seus opositores políticos. No Twitter, em vez de condenar veementemente a violência praticada por seu apoiador, Bolsonaro acusou a esquerda de acumular “um histórico inegável de episódios violentos”.

Eis a degradação moral do bolsonarismo. O presidente da República vale-se até mesmo da repercussão causada pelo assassinato de um opositor político para promover sua política eleitoral, num macabro vale-tudo. Não manifestou consternação. Não expressou nenhuma solidariedade com os familiares da vítima. Para Jair Bolsonaro, o crime cometido em Foz do Iguaçu por seu apoiador declarado serviu de ocasião para lembrar que a esquerda é o lado “que dá facada, que cospe, que destrói patrimônio, que solta rojão em cinegrafista, que protege terroristas internacionais, que desumaniza pessoas com rótulos e pede fogo nelas, que invade fazendas e mata animais, que empurra um senhor num caminhão em movimento”.

Ninguém nega que pessoas e grupos de esquerda já recorreram à violência, violando leis e desrespeitando direitos humanos. O ponto é outro. Jair Bolsonaro não dedicou um segundo do seu tempo em distensionar o ambiente, em reconhecer a humanidade de seus opositores políticos, em promover um ambiente eleitoral de paz e de respeito mútuo. E isso é inaceitável. É desumano. É barbárie.

Jair Bolsonaro nega ao outro lado o respeito que seus opositores políticos, todos eles, manifestaram quando foi esfaqueado em setembro de 2018. Nenhum candidato tripudiou sobre a violência sofrida pelo então candidato do PSL. Nenhuma liderança política aproveitou a ocasião para alavancar a candidatura própria. Houve solidariedade. Nenhum partido achou que devia relativizar a gravidade do ataque “lembrando” as atitudes violentas de Jair Bolsonaro ao longo de sua carreira política.

A reação de Jair Bolsonaro deve colocar o País em alerta. Há um presidente da República incapaz de compreender que toda violência é inaceitável. Há um presidente da República que não tem a hombridade de reconhecer um crime de um seu correligionário. Há um presidente da República que enxerga em tudo, até mesmo no assassinato de uma pessoa, uma ocasião adicional para escarnecer seus opositores políticos.

O crime de Foz do Iguaçu chocou o País. Foi a materialização explícita de que a retórica da violência bolsonarista produz consequências reais. Não é humano nem é do jogo democrático fazer política prontificando-se a “fuzilar a petralhada”, como fez Jair Bolsonaro na campanha de 2018. Agora, o presidente alegou que “frases descontextualizadas” não incentivam a violência. Ora, os fatos mostram o exato contrário. Seu discurso explícito de violência não são meras “frases descontextualizadas”. Ao longo de décadas, Jair Bolsonaro vem fazendo uma reiterada defesa do desrespeito agressivo a opositores políticos.

A omissão de Bolsonaro não foi casual. Está perfeitamente alinhada a seu objetivo de manter o País sob uma artificial tensão. Um ambiente de serenidade é prejudicial aos interesses políticos de Jair Bolsonaro. Não por acaso, seus discursos sempre se orientam para o conflito, para a raiva e para o ressentimento, campo onde o presidente se sente em casa, e não para questões de governo e de interesse da sociedade – que, para Bolsonaro, é terra estrangeira. Essa é a grande tragédia do bolsonarismo: para triunfar politicamente, tenta despertar o pior de cada um.

Empresa treina, Estado educa

O Estado de S. Paulo

Setor privado pode treinar e multiplicar capital humano, como já tem feito, mas isso não pode servir de pretexto para que se elimine ou reduza a responsabilidade estatal sobre a educação

Grandes empresas estão investindo em educação, e até criando faculdades e escolas técnicas, para contornar a escassez de mão de obra necessária às suas atividades. Iniciativas desse tipo têm sido desenvolvidas em vários setores. Grupos financeiros, da indústria e do setor de saúde estão entre exemplos citados em reportagem recente do Estadão. Levantamentos da Confederação Nacional da Indústria (CNI) têm mostrado carência de trabalhadores qualificados e – mais grave – também de pessoal qualificável, isto é, em condições de ser treinado no ambiente empresarial. Muito importante para as próprias companhias, para o mercado e para muitos jovens carentes de oportunidades, esse tipo de iniciativa deve ser, normalmente, um complemento da educação essencial oferecida a todos os brasileiros. Essencial, neste caso, é aquela formação indispensável, em cada fase histórica, à preparação do indivíduo para uma vida produtiva e decente. Essa formação é direito básico de cada pessoa e, portanto, responsabilidade do poder público.

Além de ser direito individual, a educação é componente necessário de qualquer política econômica de longo alcance, voltada para o crescimento, para a modernização produtiva, para a criação de oportunidades e para a melhora geral das condições de vida. Do ponto de vista da produção, essa política inclui a formação e a transformação do capital humano, cada vez mais importante no conjunto dos meios indispensáveis a todo tipo de atividade.

Brasileiros muito jovens talvez nem entendam essa linguagem. Afinal, o País em breve completará, no poder central, quatro anos sem política econômica de longo prazo, sem metas de crescimento e de modernização e, além disso, quatro anos de devastação da cultura, da política educacional e até do Ministério da Educação. Em vez desses valores, o Brasil teve pastores negociando com prefeitos a transferência de recursos ministeriais, funcionários da área cultural promovendo a difusão de armas e o deputado Daniel Silveira, orgulhoso de seu analfabetismo cívico, mimoseado com a Medalha da Ordem do Mérito do Livro da Biblioteca Nacional. A honraria também foi atribuída ao presidente Jair Bolsonaro, defensor de clubes de tiro em lugar de bibliotecas.

O presidente Bolsonaro certamente agravou – e muito – os problemas educacionais, mas o País já andava mal, nesse quesito, antes de ser hasteada em Brasília a bandeira da ignorância, da anticultura e da grosseria. Na última edição do Pisa, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, o Brasil ficou, mais uma vez, entre os últimos colocados. Jovens de 79 países participaram da prova. Os brasileiros ficaram em 57.º lugar em leitura e interpretação de texto, em 66.º em ciências e em 70.º em matemática, alcançando 413 pontos como nota média. A média obtida pelo conjunto dos estudantes de países-membros da OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, foi 487.

O analfabetismo continua assustador. Entre 2016 e 2017 a parcela de analfabetos com 15 anos ou mais diminuiu de 7,2% para 7%, permanecendo acima da meta (6,5%) fixada para 2015 pelo Plano Nacional de Educação. Mas há estatísticas mais feias. Segundo o Indicador de Analfabetismo Funcional divulgado em 2018, 29% dos brasileiros com idades entre 15 e 64 anos tinham dificuldade para interpretar textos, cumprir tarefas descritas em documentos simples e realizar operações matemáticas elementares.

Analfabetos funcionais sabem escrever seu nome e identificar letras e números, mas são incapazes de assumir tarefas acima dos níveis mais elementares de complexidade. Um país com esse quadro social dificilmente conseguirá avanços significativos e duradouros na economia e nos padrões de bem-estar. Cuidar dos níveis educacionais básico e fundamental é uma óbvia prioridade nacional, há muitos anos, mas as políticas federais têm passado longe dessa questão. Entidades privadas e organizações da sociedade civil podem atuar no enfrentamento do problema. Não há, no entanto, como negar ou disfarçar a responsabilidade pública nesse campo.

Inferno no Caribe

O Estado de S. Paulo

Um ano depois, as agruras que levaram os cubanos às ruas só se agravaram – e a truculência do regime também

Em julho de 2021, milhares de cubanos foram às ruas protestar contra as dificuldades econômicas e a falta de liberdade. A maior mobilização popular desde o início do regime, em 1959, foi pacífica e espontânea, mas a reação do governo foi tudo menos isso. Valendo-se de um aparato incrementado ao longo de décadas, ele asfixiou brutalmente a dissidência. Um ano depois, enquanto a economia e os serviços públicos se deterioraram, o governo ampliou a repressão. Aos descontentes, como diz o título de um relatório da Human Rights Watch, resta A Prisão ou o Exílio.

Na pandemia, o governo apostou em vacinas domésticas ineficazes, e o sistema de saúde, desprovido de medicamentos e equipamentos, foi sobrecarregado. A economia ainda está 11% menor do que em 2018. Oficialmente a inflação em 2021 foi de 70%, mas a Economist Intelligence Unit estima que bateu quase 300%.

Os registros de violações a direitos humanos, incluindo intimidações a familiares, detenções arbitrárias, processos viciados e tortura indicam uma concertação para obliterar novos protestos. Após os apagões da internet – cujo acesso foi concedido só em 2018 –, diversas organizações reportaram uma conectividade errática e restrições às redes sociais. Os tribunais condenaram mais de 380 manifestantes e testemunhas, incluindo diversos menores.

Críticos que não foram detidos foram proibidos de deixar suas casas por dias ou semanas. Mais de mil pessoas foram presas e centenas continuam detidas. Muitas ficaram incomunicáveis por semanas ou meses. Diversos julgamentos foram realizados por cortes marciais. As sentenças desproporcionais chegam a décadas de prisão por atos como insultar o presidente ou a polícia, ou cantar “pátria ou vida” – uma referência irônica à divisa castrista “pátria ou morte”.

O governo decretou dezenas de normas penais tão draconianas quanto vagas, criminalizando conteúdos “ofensivos” que “perturbem a ordem pública” ou “insultem” funcionários de alto escalão.

Milhares fugiram do país, num êxodo possivelmente sem precedentes. Só nos EUA, por exemplo, foram detidos 118 mil cubanos – um aumento dramático em relação aos 17 mil no mesmo período em 2021.

A incapacidade da comunidade internacional de implementar mecanismos de pressão multilateral eficientes só agrava esses horrores. Muitos governos latino-americanos, como México e Argentina, relutam em criticar o regime.

A perspectiva tende a piorar se Lula da Silva, um entusiasmado simpatizante da ditadura cubana, confirmar seu favoritismo e se eleger presidente do Brasil. Recorde-se que Lula relativizou as manifestações de cubanos, dizendo que também nos Estados Unidos e em países europeus há protestos – como se fossem a mesma coisa. Mas o cinismo não parou por aí: o demiurgo de Garanhuns ainda festejou o fato de que “graças a Deus existe a possibilidade de haver manifestação” em Cuba – uma mentira evidente, fartamente documentada pela Human Rights Watch.

Em democracias, protestos em massa pressionam os governos a buscar mudanças ou enfrentar a queda. Nas ditaduras eles servem de pretexto para ossificar o regime e galvanizar a repressão. O Partido Comunista cubano seguiu esse roteiro à risca.

É urgente deter escalada de violência na arena política

O Globo

Ódio e intolerância na campanha tendem a crescer após assassinato de petista em Foz do Iguaçu

É intolerável — embora fosse previsível — que a escalada de violência, ódio e intolerância na campanha política tenha resultado em morte. Era só questão de tempo. No sábado, o guarda municipal e tesoureiro petista Marcelo Aloizio de Arruda foi assassinado em Foz do Iguaçu (PR), durante a festa de seus 50 anos, cujo tema era a campanha do pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência. Os tiros foram disparados pelo policial penal federal Jorge Guaranho, simpatizante do presidente Jair Bolsonaro. “Aqui é Bolsonaro!”, gritou Guaranho, segundo relatos. Mesmo caído, antes de morrer o petista disparou contra ele, que continuava ontem em estado grave.

O episódio lamentável acontece na sequência de outros que, embora não letais, precisam ser condenados com a mesma veemência. Num comício de Lula no Centro do Rio, um artefato com fezes explodiu perto da multidão. A polícia agiu rápido e autuou em flagrante o responsável. Caso parecido aconteceu no mês passado em Uberlândia (MG). Apoiadores de Lula que aguardavam um comício foram atingidos por fezes lançadas de um drone.

O assassinato do petista, sob investigação da polícia do Paraná, foi repudiado pela classe política. Chamou a atenção a reação tíbia do presidente Jair Bolsonaro, ele próprio atingido gravemente por uma facada na campanha de 2018. Bolsonaro republicou uma mensagem afirmando que dispensa “apoio de quem pratica violência contra opositores”. Ontem citou o caso como “uma briga entre duas pessoas” e criticou quem se refere ao autor dos disparos como “bolsonarista”.

Bolsonaro deveria lembrar as vezes em que ele próprio insuflou a intolerância. Depois da invasão do Capitólio nos Estados Unidos, disse que poderia haver no Brasil baderna pior caso fosse derrotado. Na semana passada, em solenidade no interior de São Paulo, repetiu seu discurso beligerante e cobrou dos militares que se preparem para “agressões internas”. O bolsonarismo também não economiza esforços para facilitar o acesso a armas e munição, num incentivo tácito ao conflito. Horas antes do assassinato em Foz do Iguaçu, seu filho Eduardo Bolsonaro declarou num ato pró-armas: “A esquerdalha nunca imaginou que tantas pessoas pudessem vir às ruas para falar que, sim, eu quero estar armado”.

O próprio Lula, que enlutado condenou o assassinato, nem sempre se pauta por discurso que promova a tolerância. No sábado, teve o desplante de agradecer ao ex-vereador petista Manoel Eduardo Marinho, preso durante sete meses sob a acusação de tentativa de homicídio, pela agressão, em 2018, ao empresário Carlos Alberto Bettoni, que se manifestava contra o PT. Trata-se de comportamento inaceitável para qualquer um que aspire ao mais alto cargo da República.

Não adianta a classe política condenar o assassinato e depois insuflar o ódio em comícios ou nas redes sociais. A campanha política polarizada entre Lula e Bolsonaro é um terreno propício para a explosão dos ânimos. Com o episódio de Foz do Iguaçu, certamente a temperatura subirá mais. É óbvio que cabe à polícia agir nos casos em que a contenda ultrapassa as cordas do ringue. Mais que isso, é preciso que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e os políticos atuem de forma conjunta e responsável para apaziguar o clima e deter o descalabro. O pior cenário eleitoral é transformar uma disputa política acirrada num bangue-bangue.

É preciso desarmar a bomba previdenciária dos municípios

O Globo

Prazo para criar fundo complementar já expirou duas vezes, mas a adesão das prefeituras continua baixa

A reforma da Previdência promulgada em 2019 instituiu um sistema complementar de aposentadoria para servidores que recebem mais que o teto do INSS, atualmente pouco acima de R$ 7.000. Para evitar retirar do caixa dos municípios o valor além do teto, a lei previu que novos funcionários passassem a contribuir para um fundo complementar. Passados mais de dois anos, quase 1.900 dos 5.770 municípios ainda não cumpriram as regras, como revelou reportagem do GLOBO. Apenas 272 já criaram o tal fundo. É um completo descaso com a lei e as contas públicas.

É certo que a remuneração da maioria dos servidores municipais fica abaixo do teto do INSS. Mas a elite do funcionalismo tem tamanho nada desprezível, sobretudo nas grandes cidades: algo entre 350 mil e 400 mil, segundo dados da Secretaria da Previdência. É urgente estancar essa fonte de gastos. O déficit total dos municípios, impulsionado por servidores beneficiados pelas regras antigas e generosas, alcança R$ 906 bilhões, quando são trazidos a valor presente as despesas de um prazo de 75 anos.

Para desarmar essa bomba, o governo federal precisa atuar em duas frentes. Primeiro, tem de ser firme e punir os municípios atrasados na implementação do regime previdenciário complementar. Sem a ameaça de vedação das transferências voluntárias de recursos da União, a complacência tomará conta. Ao mesmo tempo, é preciso dar mais apoio para que os municípios menores consigam atingir a meta. Dada a complexidade de criar um fundo, sozinhas, muitas prefeituras não conseguirão avançar.

Assegurar o equilíbrio das aposentadorias e pensões no futuro é prioritário. O Brasil já avançou nesse campo. Até 1993, os servidores podiam se aposentar com proventos pagos pelo Erário, tendo ou não efetuado contribuições. Um descalabro. De lá para cá, várias mudanças na lei buscaram chegar ao equilíbrio das contas previdenciárias.

No caso dos municípios, falta cumprir o que foi acertado na reforma de 2019. Ela deu dois anos para que as prefeituras adotassem o regime complementar. O prazo expirou em novembro. Uma nova data foi marcada para março. Era o limite para os prefeitos aprovarem, pelo menos, o projeto da criação do regime. Cerca de 1.700 deram esse primeiro passo. Falta criarem o fundo.

Em sinal de que está cedendo a pressões políticas, o governo federal decidiu atenuar as penalidades para os atrasados. Só restringiu as transferências de recursos a prefeituras que contratem novos servidores com remuneração acima do teto do INSS. Ao fazer isso, criou mais um incentivo para que as mudanças aconteçam num ritmo lento.

É preciso desarmar com urgência a bomba previdenciária nos municípios. Ela transcende o interesse do funcionalismo. É fator crítico para os investimentos futuros das prefeituras espalhadas por todo o país.

Juros frustram expansão do mercado de capitais

Valor Econômico

Há dúvidas se o mercado de capitais continuará animado no segundo semestre

Dados divulgados na semana passada mostram os danos que os juros altos fizeram no mercado de capitais. Depois do recorde histórico de recursos captados em 2021, o fluxo de dinheiro para as empresas minguou neste ano e teria sido pior não fosse o interesse dos investidores pelos títulos de renda fixa bastante salgados. A inflação elevada com reflexo negativo nas vendas das empresas, a perspectiva de manutenção de juro nas alturas e o risco de recessão global, em cenário tumultuado pelo conflito no Leste Europeu, encarecem o custo do dinheiro.

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No ano passado, o mercado de capitais atingiu a marca recorde de R$ 596 bilhões levantados pelas empresas, volume 60% superior ao registrado em 2020, de acordo com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Desse total, R$ 128,1 bilhões foram captados com a venda de ações, metade dos quais com a aberturas de capital das empresas (IPO, na sigla em inglês), nível também recorde.

Havia a expectativa de que os juros não subiriam tanto e que a economia sairia bem da pandemia. No entanto, o cenário foi mudando no fim do ano e a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro, acelerou a inflação e os juros globalmente, e interrompeu a trajetória positiva. No primeiro semestre deste ano, as empresas levantaram R$ 233 bilhões no mercado de capitais, 12,1% a menos do que no mesmo período de 2021. Na renda variável, as emissões despencaram 75,1% para perto de R$ 19 bilhões. Mais de uma dezena de empresas que programavam abrir o capital desistiram.

A saída foi recorrer à renda fixa, mesmo pagando juros mais altos. As emissões de títulos de renda fixa aumentaram 25% para R$ 202 bilhões. O crescimento foi impulsionado pelas debêntures, que somaram R$ 133,8 bilhões, com expansão de 35,3% em comparação com o primeiro semestre e 2021. Os certificados de recebíveis do agronegócio (CRA) e imobiliário (CRI) também cresceram, 53,9% e 13,4%, respectivamente, captando R$ 16, bilhões e R$ 14,8 bilhões.

Pessoas físicas compraram mais debêntures no primeiro semestre, adquirindo 28,9% do total ofertado. Os bancos coordenadores das operações e outros intermediários ficaram com 32%, e os fundos de investimento, com 31%. Ao todo, foram 225 emissões no primeiro semestre, das quais 49 acima de R$ 1bilhão. As debêntures incentivadas, voltadas para infraestrutura e com prazos mais longos, somaram R$ 19,6 bilhões, em 47 ofertas.

O prazo médio das operações ficou em 6 anos, o menor em quatro anos. Em 2019 era de 6,4 anos, chegou a 6,9 em 2020, voltou a 6,4 anos em 2021 e agora encolheu mais. A maior parte dos recursos captados (36,7%) foi destinado a capital de giro. Parcela significativa de 23,6% para o refinanciamento de passivo, e 18,1% ao investimento em infraestrutura.

O mercado de capitais espelhou a migração dos investimentos no primeiro semestre, em resposta à elevação dos juros básicos, para 13,25%, e à queda nominal de 5,99% do Ibovespa. As empresas listadas na B3 perderam R$ 449 bilhões em valor de mercado no semestre e R$ 1,6 trilhão em 12 meses. Das 45 empresas que estrearam na Bolsa em 2021, apenas nove estão no azul.

Os fundos de renda fixa registraram captação líquida de R$ 88,8 bilhões. Já os de ações tiveram resgates de R$ 40,5 bilhões; e os multimercados, de R$ 61,8 bilhões. Houve forte interesse também pelos títulos de renda fixa isentos de Imposto de Renda (IR) e pelos títulos do Tesouro. No balanço geral, a captação dos fundos ficou positiva em apenas R$ 8 bilhões.

Além disso, houve a redução da poupança das famílias, já detectada pelo Centro de Estudos de Mercados de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Cemec-Fipe) no primeiro trimestre, levando em consideração a caderneta de poupança, fundos de investimentos, ações, depósitos bancários, títulos públicos e privados e captações bancárias, entre outros. Foi a primeira redução após sete trimestres de alta e pode estar vinculada ao aumento do consumo das pessoas, causado pela reabertura da economia, mas também à alta da inflação e redução da renda média.

Há dúvidas se o mercado de capitais continuará animado no segundo semestre, mesmo que concentrado nos títulos de renda fixa. Além de se esperar um impacto maior das restrições da política monetária na economia, em parte mitigadas pelas injeções de recursos que o governo está promovendo com os benefícios sociais, e da esperada aceleração da elevação dos juros no mercado externo, há a preocupação com o clima eleitoral, que deve acentuar a preocupação com o risco

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