quinta-feira, 14 de julho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

PEC Eleitoral reflete degradação institucional

O Globo

O enfraquecimento da democracia promovido pelo Congresso equivale a um 7 a 1 de Bolsonaro sobre o Brasil

A aprovação pela Câmara da Proposta de Emenda à Constituição 15/2022, a PEC Eleitoral, demonstrou de que lado está a maioria dos deputados. Assim como os senadores, eles não estão preocupados com o futuro do Brasil, mas sim interessados em garantir seus atuais empregos nas eleições de outubro, ainda que para isso tenham de enfraquecer as instituições democráticas.

É difícil exagerar o que a PEC Eleitoral representa em termos de deterioração dos mecanismos de controle institucional. Ao liberar o governo federal para distribuir benefícios em ano de eleição, ela subverte a regra que procura evitar o uso da máquina estatal em prol dos políticos em busca de reeleição. Embora valha apenas para 2022, a PEC abre um precedente inaceitável. É um passo na direção da degradação institucional que, em países como Venezuela e Hungria, descambou em regimes autocráticos.

Os congressistas podem argumentar que aumentar o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 era uma necessidade, dizer que caminhoneiros e taxistas estão sofrendo com os repetidos aumentos dos combustíveis ou afirmar que famílias voltaram a cozinhar a lenha por não ter dinheiro para pagar o gás. Mesmo que tudo isso possa ser até verdade, a justificativa não passa de cortina de fumaça.

Se quisessem ajudar os mais pobres, poderiam ter agido dentro do período legal, adotando políticas dirigidas aos necessitados. Assim não contribuiriam para agravar a crise fiscal e para realimentar a inflação, que consumirá em pouco tempo boa parte das benesses concedidas. A PEC dá com uma mão o que ela mesma tira com a outra.

Faltaram ao governo e à sua base de apoio no Parlamento visão e competência — todos esbanjaram açodamento e demagogia. E não faltaram manobras heterodoxas do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), como a suspensão por 12 horas da sessão de terça-feira. Tudo para evitar uma derrota e garantir o reforço de dinheiro para a campanha de Jair Bolsonaro e de seus apoiadores no Congresso.

A oposição demonstrou uma apatia vergonhosa. Não teve a coragem de denunciar o atropelo da Lei Eleitoral nem a sagacidade para evitar a armadilha de “não poder” votar contra para não perder votos. No embate moral, ficaram indistintas as posições do Centrão bolsonarista e dos oposicionistas, com poucas exceções. Os dois lados perderam — mas a grande vítima de tudo foi, sem dúvida, o Brasil.

As sequelas serão graves. Além de abalar o equilíbrio na disputa pelo poder, a aprovação da PEC Eleitoral abre as portas do Tesouro para impulsionar a campanha governista. O rombo passa dos R$ 41 bilhões. Até parece que o país tem dinheiro sobrando e que não há demandas mais prioritárias do que doar recursos escassos da União a caminhoneiros ou taxistas.

Insatisfeitos em causar apenas todo esse estrago, os congressistas ainda tiveram a desfaçatez de, ao aprovar o estado de emergência, conceder um salvo-conduto para Bolsonaro poder escapar de incriminações futuras na Justiça. Sabe-se lá o que mais o presidente decidirá fazer sob um estado de emergência. Na verdade, o que se viu nesta semana foi o apito final de um 7 a 1. Bolsonaro e Congresso 7 x Brasil 1.

Operação da PF em sete estados é exemplo no combate ao tráfico

O Globo

Ação para desarticular quadrilha que exporta droga para a Europa mirou na fonte financeira do bando

A operação Maritimum, deflagrada ontem pela Polícia Federal (PF) em sete estados das regiões Sudeste, Nordeste e Norte, mostra que é possível combater o crime organizado com investigação, inteligência, planejamento e cooperação — em vez de promover guerras sangrentas altamente custosas, tanto em perda de vidas quanto em desperdício de tempo, dinheiro e energia.

O objetivo da operação, que contou com o apoio de polícias estaduais, era desarticular uma quadrilha que atua no tráfico internacional de drogas usando portos brasileiros. Segundo as investigações, iniciadas no fim do ano passado, o bando atua no transporte e armazenamento da droga vinda de países produtores da América do Sul. Para tentar despistar, a carga era escondida em contêineres de outras mercadorias e embarcada para portos da Europa.

Ao longo da investigação, foram apreendidas cerca de 8 toneladas de droga nos portos de Santos (SP), Salvador (BA), Natal (RN), Fortaleza (CE) e Barcarena (PA). Foram interceptados também carregamentos na Bélgica, na França e na Holanda. Um dos traficantes destinatários da droga foi preso recentemente na Hungria. A polícia cumpriu ontem 46 mandados de prisão e 90 de busca e apreensão nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Bahia, Pernambuco, Ceará e Pará.

De acordo com a PF, o dinheiro arrecadado pela quadrilha era lavado por meio de pessoas físicas e empresas, “criando uma rede estruturada de tráfico internacional de drogas por intermédio da exportação de mercadorias”. A Justiça determinou o bloqueio de R$ 170 milhões que pertencem aos investigados.

Operações desse tipo são essenciais. É sabido que o Brasil está na rota do tráfico internacional. Drogas e armas circulam pelas principais estradas do país, portos e aeroportos. Raramente são interceptadas pelas autoridades. Chegam também às quadrilhas entrincheiradas nas favelas dos grandes centros. Não é segredo ainda que as poderosas facções criminosas de São Paulo e Rio de Janeiro atuam nesse comércio ilícito, estendendo sua área de atuação para os países vizinhos, como o Paraguai.

Embora necessárias, as frequentes operações contra o tráfico nas favelas não costumam produzir resultados práticos. Não reduzem a violência e, por vezes, resultam na morte de inocentes atingidos por balas perdidas. Polícias estaduais gastam parcelas significativas do orçamento em investidas que equivalem a enxugar gelo. A operação da PF aponta um caminho mais eficaz, porque atua para desarticular a rede criminosa e secar sua fonte de financiamento. Ela demonstra que investigação, inteligência e tecnologia costumam ser mais eficientes na luta contra o crime que saraivadas de tiros e bombas.

A PEC da reeleição

Folha de S. Paulo

Congresso aprova gastos de R$ 41,2 bilhões para tentar turbinar as chances de Jair Bolsonaro

O Congresso aprovou na noite de quarta (13) mais um ataque descarado às leis de controle do gasto público, à moralidade da disputa política e a princípios da administração. Comandada por Arthur Lira (PP-AL), a Câmara atropelou regras regimentais e votou em segundo turno a Proposta de Emenda à Constituição 15, a PEC "Kamikaze" ou "dos Bilhões".

Na terça (12), o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse no Senado que se tratava de uma PEC "virtuosa das bondades". A emenda eleva o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e prevê ajudas para caminhoneiros autônomos, taxistas, consumidores pobres de gás, transporte público e agricultura familiar. O gasto previsto é de ao menos R$ 41,2 bilhões. Os benefícios expiram em dezembro.

Para tais despesas, não se aplicam as leis de controle de gasto público, casuísmo em tese fundamentado em outro cambalacho, um "estado de emergência" devido à crise mundial de energia —a alta da inflação, que causa mais miséria, está aí faz ano e meio.

Tal artimanha terá a virtude de desmoralizar ainda mais as normas de limitação do endividamento federal, descrédito que começou em fins do ano passado, com a alteração do teto de gastos.

Ainda que se recrie um sistema crível de controle de gasto e dívida, a credibilidade política de uma nova norma fiscal será, ao menos de início, mais baixa, dada a facilidade oportunista com que se altera mesmo a Constituição. Assim, haverá mais pressão sobre taxas de juros e de câmbio, outro empecilho à retomada do crescimento.

A desmoralização vai além. Mais e mais se normaliza o vale-tudo no mundo da política, tendência muito agravada pela razia institucional promovida por Jair Bolsonaro, abraçada pelo Congresso. A oposição, sem estratégia ou coragem para lidar com o estelionato eleitoral, embarcou no trem para a terra do descalabro republicano.

Apesar de ter prazo de validade, a PEC cria mais dificuldades para o próximo governo, que dificilmente cancelará os benefícios assim que tomar posse, o que aumentará a lista de gastos extras agendados para 2023.

Mais do que isso, amplia um programa social de má qualidade: o Auxílio Brasil distribui valores iguais para famílias de tamanhos e condições diferentes, sendo, pois, injusto, entre outros problemas.

A única virtude da PEC foi a de evitar a criação de mais e iníquos subsídios para combustíveis. Até o governo percebeu que era do seu interesse eleitoral aprovar uma PEC menos inepta e injusta. O remendo, contudo, não salva o soneto, mais uma grande obra da arquitetura da destruição bolsonarista da República.

Descrença na segurança

Folha de S. Paulo

Nos estados mais populosos do país, maioria teme a polícia e apoia o uso de câmera pelos agentes

Pesquisas recentes do Datafolha revelam o que a população dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro pensa sobre a segurança pública e a atuação da polícia: ela teme o crime, mas também aqueles que deveriam protegê-la.

De um lado, o levantamento mostra que os moradores estão com medo, mas por razões diferentes. Em São Paulo, temem mais os crimes contra o patrimônio (87% da população); no Rio e em Minas, prevalece o pavor de ser atingido ou ter parentes vítimas de bala perdida (91% e 83%, respectivamente).

O alto índice de sensação de insegurança, comum nos três estados, revela o quanto está espalhado na sociedade o medo de ser vítima de crimes. Em si, isto já é uma falha da política de segurança pública. É plausível supor, no entanto, que a percepção de insegurança, por ser multifatorial, não necessariamente corresponda de forma precisa à realidade em determinada região.

O fato de o medo de bala perdida ser elevado em Minas, apesar de esse tipo de ocorrência ser menos comum do que no Rio, ou o medo de ser assassinado em São Paulo, a despeito das quedas dos índices de homicídio no estado na última década, revelam o descompasso entre sensação e realidade.

Mas não é só o crime que causa apreensão. A maioria nos três estados tem medo de ser vítima de violência praticada pela Polícia Militar (74% no Rio, 68% em São Paulo e 64% em Minas). Entre os paulistas, quem mais teme a polícia são os pretos (77%) e aqueles que ganham até dois salários mínimos (73%) —grupos que costumam ser alvos da letalidade dos agentes.

Para funcionar, a polícia precisa da confiança da população. Mas os altos índices de mortes por agentes e a baixa elucidação de crimes formam um quadro desalentador.

Há soluções possíveis, contudo. Mais de 90% da população dos três estados é a favor das câmeras nos uniformes policiais e, apesar de a experiência internacional revelar que não se trata de uma panaceia, resultados como a redução expressiva da letalidade policial em SP após a implantação destes dispositivos apontam caminhos.

Mesmo que às vezes a sensação de insegurança esteja em descompasso com a realidade, a própria amplitude deste temor não deve ser desprezada. Pois corre-se o risco de o medo ser capitaneado por um populismo punitivo, quando a própria população já aponta querer o caminho de melhores políticas de segurança —e não mais medo.

A conta da demagogia será salgada

O Estado de S. Paulo

Com renúncias fiscais sem critério e gastança generalizada, governo Bolsonaro deixará como herança para o próximo presidente um inevitável aumento da carga tributária

O preço de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que rasga regras fiscais, eleitorais e constitucionais já começou a ser embutido pelo mercado financeiro na curva futura de juros e na cotação do dólar. Há, no entanto, uma conta que precisará ser paga pela sociedade em 2023 e que muito provavelmente demandará medidas duras por parte de uma equipe econômica que tenha o mínimo de responsabilidade, algo ausente na atual administração. Por meio da PEC Camicase, o governo quer ampliar o universo de contemplados no criticado Auxílio Brasil de 18 milhões para 20 milhões de famílias, segundo reportagem do Estadão. Essa inclusão, somada ao reajuste do piso do benefício de R$ 400 para R$ 600, deve fazer com que o custo do programa suba para até R$ 150 bilhões em 2023, ante quase R$ 90 bilhões neste ano. Ainda que o aumento do benefício seja válido até 31 de dezembro, é improvável que o futuro presidente da República, seja quem for o escolhido, esteja disposto a anunciar um corte nos pagamentos ainda nos primeiros dias de seu mandato.

Encontrar novas fontes de custeio para esta e outras despesas da União será uma das primeiras e mais urgentes tarefas do governo. Algo que já seria desafiador em qualquer situação se torna cada dia mais necessário, considerando a disposição da atual gestão de abrir mão de receitas – como se o País estivesse registrando um superávit nominal capaz de reduzir a dívida pública, e não um déficit que deve atingir 6,7% do PIB neste ano, segundo o mais recente boletim Focus. Somente o terraplanismo econômico e o desespero eleitoral explicam o fato de que o Executivo, depois de reduzir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sem qualquer efeito nos preços das mercadorias e de zerar os tributos sobre diesel e gás de cozinha, ainda acredite haver espaço fiscal para lançar um pacote de incentivos para a indústria neste momento.

Como revelou o Estadão, está em análise a publicação de um decreto que reduz, de 20 para 1 ano, o prazo de depreciação na compra de máquinas e equipamentos pela indústria. Sabe-se que não é o tempo de depreciação que contém o ímpeto de investimentos da indústria, mas uma combinação de baixa produtividade, juros elevados e crescimento econômico pífio, razão pela qual é seguro inferir que o objetivo da medida é outro: uma tentativa de comprar o apoio político de parte da indústria nacional. Em termos práticos, no entanto, será mais uma renúncia fiscal bilionária em um país dono de um Orçamento engessado por despesas obrigatórias e saqueado por emendas de relator, e que, a despeito de toda a gastança promovida pelo governo com o apoio da oposição e da dita “terceira via”, é incapaz de garantir um prato de comida por dia para 15,4 milhões de pessoas.

Eis a herança maldita de Jair Bolsonaro para seu sucessor. Se os três anos de governo foram ruins, não há outro termo para definir a versão turbinada do presidente, agora em modo reeleição. A combinação de renúncias e gastos irresponsáveis à revelia do teto de gastos, aliada a uma inflação elevada e que promete causar um estrago na arrecadação de 2023, deixará um cenário deteriorado em termos fiscais, tributários e sociais para a União. Ainda nem entraram nessa conta as consequências nefastas da chantagem sobre os Estados, punidos pela imposição de um teto no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de bens essenciais, principal fonte de receitas. A chance de que mais governadores precisem recorrer ao socorro federal para pagar suas contas não é nada desprezível – e quem garante esses financiamentos é justamente o Tesouro Nacional. Não é por acaso que o mercado reduziu as projeções para o crescimento da economia para 0,50% em 2023, e já há até quem preveja uma recessão. É nesse cenário tenebroso que o novo governo terá que formar consensos políticos e encarar discussões adiadas há 30 anos, como uma reforma tributária que, tudo indica, exigirá mais do que uma desejável simplificação, mas também um impopular e inevitável aumento da carga de impostos.

Povo perde, Tesouro ganha com inflação

O Estado de S. Paulo

Sem corrigir a tabela do IR para compensar inflação, governo arranca mais dinheiro de quem ganha menos, justamente os que são mais prejudicados pela alta do custo de vida

Mais que qualquer especulador, o governo continua ganhando com a inflação, enquanto o trabalhador pobre é duplamente prejudicado pelo aumento do custo de vida. No dia a dia, o consumidor de baixa renda vê seu ganho mensal, já muito baixo, ser corroído pela alta de preços dos bens e serviços indispensáveis à sua sobrevivência e ao sustento de sua família. Mas como comprador ele ainda tem algum espaço de manobra. Pode pechinchar na feira e buscar, lá mesmo ou nos vários pontos de comércio, os preços mais suportáveis. Com o Tesouro o jogo é muito mais duro. Não dá para regatear nem para evitar o impacto inflacionário quando o governo deixa de corrigir a tabela do Imposto de Renda (IR). No próximo ano, esse tributo incidirá sobre quem receber 1,5 salário mínimo por mês, se a tabela continuar desatualizada, como tem estado há muito tempo.

O salário básico chegará a R$ 1.294 em 2023, segundo previsão incluída na recém-aprovada Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Como o limite de isenção do IR está congelado em R$ 1.903, valor fixado em 2015, quem ganhar R$ 1.941 terá seu rendimento sujeito ao tributo direto. Mas o desajuste da tabela começou antes de 2015. O teto de isenção seria R$ 4.465,34, se o governo tivesse atualizado o limite corretamente para compensar a inflação acumulada a partir de 1996. O cálculo, citado em reportagem do Estadão, é da Associação Nacional dos Auditores da Receita Federal (Unafisco).

Ao congelar o limite, o governo realiza o aparente milagre de converter pobreza em riqueza e com isso engorda sua receita. Neste ano, cerca de 32 milhões de contribuintes deveriam ter apresentado declarações de renda, segundo estimativa da Unafisco, mas o número efetivo ficou em torno de 36 milhões. Os mais distraídos poderiam ver nisso um sinal de prosperidade, embora tanto se fale em estagnação econômica e em desemprego. Mas a história é bem mais feia do que pode parecer.

A recuperação, em 2021, foi pouco mais que suficiente para reverter a queda ocorrida em 2020, e as condições de trabalho continuaram muito ruins. Se houve mais contribuintes, foi porque os ganhos nominais aumentaram e o limite de isenção foi mantido. E o aumento nominal dos ganhos – detalhe importante – foi insuficiente, em muitos casos, para compensar a corrosão inflacionária. Mas a tributação atingiu mais pessoas, agravando suas perdas, e o Tesouro de novo ganhou com a inflação.

Ao manter desatualizado o limite de isenção do IR, o poder central agrava os defeitos de um sistema já muito injusto. A receita fiscal depende excessivamente, no Brasil, dos tributos indiretos. Isso é bem visível no caso dos governos subnacionais. O tributo estadual mais importante é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), incidente na maior parte das despesas familiares. Parte dessa receita é passada aos municípios. Na área federal, o IR proporciona cerca de metade da arrecadação tributária, mas pode-se discutir se as suas alíquotas são suficientemente progressivas.

A inflação tem aumentado a arrecadação do IR e também a dos tributos indiretos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). As finanças federais vêm sendo favorecidas, claramente, pela alta de preços e, portanto, pela erosão dos ganhos da maior parte da população. O encarecimento de bens e serviços essenciais, aqueles de maior peso no orçamento familiar e na composição dos índices de preços, contribui para o reforço das contas públicas, tornando menos necessários, do ponto de vista contábil, o controle dos gastos e a arrecadação mais eficiente.

As injustiças tributárias seriam parcialmente compensadas se as políticas públicas propiciassem crescimento, emprego e boas perspectivas sociais. Mas o poder federal tem produzido, no mandato do presidente Jair Bolsonaro, estagnação, inflação, desemprego e devastação da educação e da saúde, num ambiente propício a aberrações como o orçamento secreto. Nesse ambiente, é mais seguro adiar iniciativas de reforma tributária, para evitar desastres maiores.

O mau exemplo vem de cima

O Estado de S. Paulo

Se o próprio presidente desrespeita a Constituição, militares que recebem acima do teto não têm com o que se preocupar

No governo do presidente Jair Bolsonaro, os militares ganharam projeção inaudita desde a redemocratização do País. Nas mais diferentes áreas da administração pública federal, da Saúde ao Meio Ambiente, da Educação à Ciência e Tecnologia, da Cultura à Justiça e Segurança Pública, constata-se a presença de mais militares ocupando cargos e exercendo funções civis do que já houve em todos os governos eleitos a partir de 1989. De acordo com um levantamento recente do Tribunal de Contas da União (TCU), hoje há 6.157 militares, da ativa e da reserva, atuando no governo federal.

Há muitos reparos que devem ser feitos à entrega de cargos e funções essencialmente civis a membros das Forças Armadas, cuja proximidade institucional com a Presidência da República Bolsonaro instrumentaliza por interesses particulares. Mas há previsão legal para essas designações. O problema é que todo esse prestígio que as Três Armas, sobretudo o Exército, obtiveram no atual governo tem servido de subterfúgio para que alguns militares engordem seus holerites em desabrida afronta às leis, à Constituição e ao próprio “espírito militar”. Militares de corpo e alma são bastante ciosos da obediência aos comandos da Constituição.

O Estadão teve acesso ao relatório de uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) que identificou uma série de casos de acúmulo de funções militares e civis sem qualquer tipo de amparo legal. Em muitos casos (729), a soma das remunerações desses militares ultrapassa o teto constitucional de R$ 39.293,22 por mês, equivalente ao salário pago aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Se todos esses pagamentos ilegais fossem restituídos, R$ 5,14 milhões teriam de voltar aos cofres públicos.

A CGU constatou que, daquele total de militares que atuam no governo federal, 2.327 (incluindo seus pensionistas) estão em “situação irregular”. Destes, 558 ocupam ilegalmente cargos militares da ativa e cargos civis, ou seja, estão exercendo funções estritamente vedadas aos fardados. A CGU apurou ainda que 930 militares se enquadram nos casos legais de acúmulo de funções, mas extrapolaram o prazo-limite. Por lei, militares da ativa podem ser designados para cargos de natureza civil, mas pelo prazo máximo de dois anos. 

De acordo com a CGU, o problema pode ter como causa “a eventual má-fé dos militares ao permanecerem como requisitados para atividades civis federais por tempo prolongado, nos casos em que estejam cientes da irregularidade”. A Constituição é claríssima: o vínculo civil de militares é autorizado por período máximo de dois anos, devendo o militar ser transferido para a reserva caso a situação do vínculo temporário persista.

Alguns militares, no entanto, podem se sentir autorizados a descumprir as leis e a Constituição porque, no topo da hierarquia, há um comandante em chefe das Forças Armadas que é useiro e vezeiro em afrontar o ordenamento jurídico do País. Até um dos mais notáveis traços da natureza militar – a força do exemplo – Bolsonaro parece empenhado em dilapidar.

Processar ou não Trump será uma decisão vital nos EUA

Valor Econômico

Se conseguirem reforçar a sua democracia, os EUA darão um exemplo ao mundo

Em algumas semanas o Congresso e o governo dos EUA terão de tomar uma decisão muito importante e difícil: se irão ou não denunciar criminalmente o ex-presidente Donald Trump. Essa decisão deverá ter um amplo impacto na vida social e política do país. E poderá reverberar no exterior, até no Brasil, pois trata de processar um ex-líder que tentou se manter no cargo por meios ilícitos.

A atuação de Trump nos eventos que levaram à invasão, por manifestantes, do Congresso dos EUA, em 6 de janeiro de 2021, vem sendo investigada há um ano por uma comissão de inquérito da Câmara dos Deputados. A comissão está na fase final de tomada de depoimentos. Em agosto deverá publicar um relatório preliminar com suas conclusões. O relatório completo sairá em setembro.

A comissão é formada por sete democratas (partido com maioria na Câmara) e dois republicanos. O Partido Republicano se opôs à investigação e repreendeu os deputados que aceitaram participar da comissão: Liz Cheney e Adam Kinzinger, opositores de Trump.

As investigações apontam que Trump, logo após as eleições de 3 de novembro de 2020, iniciou uma campanha para tentar reverter sua derrota para Joe Biden. Segundo a apuração, Trump foi informado por assessores de que fora legitimamente derrotado nas urnas, mas ainda começou a espalhar notícias falsas sobre fraude eleitoral que teria impedido a sua vitória. Em seguida, ele trocou o secretário de Justiça, que não queria cooperar com a campanha. Passou então a pressionar autoridades de sete Estados governados por republicanos para que alterassem os resultados eleitorais. Pressionou também o vice-presidente, Mike Pence, para não certificar a vitória de Biden na sessão do Congresso em 6 de janeiro, Diante da recusa de Pence, Trump mobilizou apoiadores para a manifestação em frente ao Congresso e incitou a violência, como forma de pressionar Pence a subverter a eleição.

Quase todas as evidências na investigação foram proporcionadas por pessoas que atuavam em governos estaduais republicanos ou no governo federal, até na Casa Branca.

Segundo já adiantaram membros da comissão, o relatório provavelmente pedirá uma denúncia formal contra o ex-presidente, que deverá ser acusado de vários crimes, como obstrução de uma sessão oficial do Congresso, conspiração contra os EUA, insurreição (a acusação mais grave), fraude na captação de recursos, obstrução de Justiça. A pena poderia superar 20 anos de prisão. Se a denúncia for aceita pelo Judiciário, Trump se tornará réu. Até hoje, nenhum ex-presidente americano foi processado por crimes cometidos no mandato.

O ex-presidente continua repetindo que só perdeu a eleição por causa de fraude e diz que não convocou a manifestação de 6 de janeiro e nem estimulou a sua conclusão violenta.

A apuração da comissão sugere que Trump tentou dar um golpe, que foi frustrado porque as instituições do país funcionaram. Se isso for provado, é vital para a democracia americana que Trump seja responsabilizado.

O Partido Republicano sinaliza que deve votar, na Câmara, contra um pedido de indiciamento. O partido livrou Trump de dois processos de impeachment, absolvendo-o no Senado. É possível que essa complacência tenha estimulado o ex-presidente a fazer o que fez. O partido, no entanto, parece estar ainda capturado pelo ex-presidente.

Mas o relatório deverá ainda assim ser aprovado, pois os democratas têm maioria na Câmara. A batata quente passará então para o Departamento de Justiça, que terá de decidir se apresenta ou não a denúncia contra Trump.

Isso tudo deverá ocorrer em meio à campanha para as eleições legislativas de novembro (na qual os democratas correm o risco de perder uma ou até as duas casas do Congresso) e num ambiente econômico conturbado, com ameaça de recessão e inflação no maior nível em mais de 40 anos.

A aprovação de Biden está abaixo da que Trump tinha após a invasão do Congresso. O ex-presidente vai denunciar perseguição política, o que pode mobilizar seu eleitorado em novembro. E uma denúncia mal feita ou uma nova absolvição pode impulsionar a sua eventual candidatura à Presidência em 2024. Trump ficaria novamente em evidência.

Deixar, porém, uma tentativa de golpe sem punição poderá estimular novos ataques à democracia. E poderá desestimular aquelas pessoas e instituições que a defenderam em 2021. Como mostra a história, a democracia acaba quando faltam pessoas dispostas a defendê-la. Se conseguirem reforçar a sua democracia, os EUA darão um exemplo ao mundo. Senão, vão favorecer líderes dispostos a qualquer coisa para continuar no poder.

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