sexta-feira, 22 de julho de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

À vista de todos

Folha de S. Paulo

Suspeitas na Codevasf e no FNDE são vazamento em duto de dinheiro que une Bolsonaro e o centrão

A Polícia Federal fez uma operação para buscar provas de crimes nos contratos entre a empresa Construservice, possíveis laranjas e a Codevasf. O valor dos negócios dessa empreiteira com o governo avançou como nunca no governo de Jair Bolsonaro. O valor da estatal para os negócios do centrão com o presidente da República também.

A Codevasf faz parte do acordo por meio do qual Bolsonaro entregou ao centrão parte maior do Orçamento, controle de estatais e fundos públicos em troca de proteção. Em tese uma estatal, é na prática uma agência governamental estruturada como uma companhia a fim de facilitar o repasse de recursos para obras de infraestrutura no interior pobre do país, pois sujeita a menos procedimentos burocráticos. E como facilita.

A empresa é um escoadouro de verbas para pequenas obras e compras de máquinas. O dinheiro escorre por meio de emendas parlamentares obscuras, determinadas sem critérios técnicos de prioridade e eficiência.

A Codevasf é controlada por União Brasil e o PP, assim como o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE, por PP, PR e PL —o centrão. O FNDE é a agência de repasse da maior parte do dinheiro do Ministério da Educação ao ensino básico, canalizado também por meio de sugestões de pastores indicados por Bolsonaro. Na Saúde, há esquema parecido.

Dadas a penúria federal, que impede investimento maior em obras, e a falta de oportunidades em estatais como a Petrobras, algo mais protegida por leis, ou como a Eletrobras, enfim privatizada, um pacote mais gordo de emendas e escoadouros adequados para esse dinheiro se tornou o centrão do acordo da política federal.

Desde 2020, quando começaram as tratativas de governo e centrão, foram enterradas as perspectivas de processo contra Bolsonaro. Na falta de governo, a agenda parlamentar do Planalto e decisões centrais ficaram a cargo de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, com apoio do colega Ciro Nogueira (PP-PI), ora ministro da Casa Civil.

São os regentes do sistema. Comandam desde a engorda das emendas e de fundos eleitorais ao desbaratamento das regras fiscais do país. Administram a aprovação de leis de baixa qualidade normativa ou recheadas de jabutis de interesse particularista. É um conluio que resulta em desmonte institucional, uso indevido de verbas e de tratoraços legais que vão do regimento legislativo à Constituição.

Os escândalos na Codevasf, no FNDE ou com recursos da Saúde são apenas o resultado da operação desse sistema "na ponta", o rompimento desse escoadouro de dinheiro que é o grande acordo de Jair Bolsonaro com o centrão.

Arranjo injusto

Folha de S. Paulo

Mudanças tributárias e a falta de correção da tabela do IR pesam mais sobre quem ganha menos

Diferentes rankings internacionais situam o Brasil como um dos países mais desiguais do mundo, com elevada concentração no topo da pirâmide de rendimentos.

Outros levantamentos mostram que a carga tributária brasileira é superior à de outros emergentes. Entre os motivos, concorre o fato de o Congresso pós-ditadura ter desenhado uma Constituição de ampla inclusão social baseada no aumento do gasto público —que financia, por exemplo, os sistemas universais de saúde e educação.

A escolha dos parlamentares na Carta de 1988, contudo, não foi acompanhada de taxas de crescimento econômico suficientes para elevar, por si só, as receitas do Estado. Assim, o aumento do gasto foi pago com mais impostos sobre a sociedade, que bancam ainda toda a sorte de desperdício na má gestão dos recursos públicos.

Nesse percurso, Executivo e Legislativo optaram quase sempre por tributar mais os pobres, sobretudo com impostos associados ao consumo —de alimentos, combustíveis e energia, entre outros. Como as alíquotas geralmente são iguais para todos, acabam pagando mais tributos, proporcionalmente à renda, os que ganham menos.

Segundo pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole, da USP, entre 1989 e 2020, os parlamentares propuseram ou analisaram 4.841 projetos, medidas provisórias ou propostas constitucionais na área tributária. Apenas 5% das proposições foram progressivas, no sentido de tributar mais os ricos e aliviar os pobres (isentando, por exemplo, produtos da cesta básica).

Nesta semana, estudo do Sindifisco Nacional, de auditores da Receita Federal, mostrou que a falta de correção da tabela do Imposto de Renda (IR) combinada ao aumento da inflação também têm gerado elevação histórica da tributação sobre os mais pobres.

Em uma simulação, quem recebe R$ 5.000, após deduções, paga atualmente R$ 505,64 de IR. Se toda a defasagem da tabela fosse corrigida, o valor cairia para R$ 24,73. Em caso de reajuste, só pessoas que ganham acima de R$ 4.670,23 ficariam obrigadas a pagar IR, isentando 12,7 milhões de brasileiros.

Em um cenário de emergência fiscal, é inimaginável que o governo atual ou o próximo venham a corrigir toda essa defasagem, que levaria a brutal perda na arrecadação. Parece inescapável, porém, a prioridade de perseguir uma reforma tributária que torne o sistema mais justo e descomplicado.

A culpa não é do teto de gastos

O Estado de S. Paulo

Governo Bolsonaro omitiu-se ao não realizar reformas estruturais para reduzir despesas obrigatórias e, agora, culpa limite constitucional de despesas pelos cortes no Orçamento

O drama se repete de dois em dois meses. A cada atualização do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, o governo precisa eleger os Ministérios que terão de pagar o preço pela bagunça que se tornou o Orçamento-Geral da União (OGU). No fim do mês de julho, o mesmo Executivo que acabou de destruir o arcabouço fiscal, legal, eleitoral e constitucional para abrir um rombo no teto de gastos e garantir competitividade à candidatura do presidente Jair Bolsonaro precisará, agora, encontrar espaço para cortar R$ 5 bilhões e corrigir desvios que impliquem o descumprimento do mesmo teto de gastos, além da meta do resultado primário – por sinal, deficitária. Pode parecer brincadeira de mau gosto, mas é assim que funciona a execução orçamentária no governo Jair Bolsonaro.

São dias de disputa ferrenha na Esplanada dos Ministérios, quando cada pasta usa as armas que tem à disposição para se defender da tesourada. Cultura e Ciência, dois dos alvos favoritos do presidente, desta vez estarão parcialmente livres do bloqueio em razão da derrubada de vetos que resgataram a Lei Paulo Gustavo e a proibição ao contingenciamento de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDTC). A mira, portanto, se volta para as despesas discricionárias, cuja execução, ao menos em tese, não é obrigatória e está sujeita à avaliação de oportunidade dos gestores. Representam, basicamente, o custeio da máquina pública e os investimentos.

Há ao menos dois problemas envolvendo as despesas discricionárias. O primeiro é que elas não passam de 5% do Orçamento, e o segundo é que grande parte delas não tem natureza opcional. Elas incluem, por exemplo, o pagamento de contas de energia, telecomunicações e água de edifícios públicos, sujeitas a corte em caso de inadimplência, além de serviços terceirizados de limpeza e segurança. Manutenção de universidades, conservação de rodovias federais e ações da Defesa Civil para prevenção de desastres também se inserem nessa rubrica. São funções inerentes ao Estado e que não podem ser consideradas dispensáveis, ainda mais quando há bilhões reservados para o fundão eleitoral e para as emendas de relator, base do “orçamento secreto”.

Longe de sinalizar algum compromisso com a austeridade fiscal, cada corte no Orçamento é a tradução da incapacidade do governo de fazer o mínimo que dele se espera. O erro começa na própria elaboração do documento, marcada por uma antiga tradição de superestimar receitas e subestimar despesas. A administração de Jair Bolsonaro, no entanto, promoveu o Orçamento a uma verdadeira obra de ficção quando decidiu mudar o período de apuração da inflação para o cálculo do teto de gastos. A manobra oportunista permitiu ao governo aumentar artificialmente o espaço para despesas em R$ 115 bilhões e dar um calote nos precatórios devidos pela União. Mas nem isso foi suficiente. Bastaram seis meses para que houvesse a fabricação do estado de emergência da PEC Kamikaze, que resultou na aprovação de R$ 41,2 bilhões a serem executados fora do teto.

Ficou fácil, para o governo, culpar o teto por essa balbúrdia orçamentária. Criado em 2016, ele foi fruto de uma emenda constitucional que instituiu um novo regime fiscal e simbolizou o resgate da responsabilidade em uma economia devastada por anos de gastança desenfreada durante o governo Dilma Rousseff. O dispositivo, no entanto, nunca foi um fim em si mesmo. Seu funcionamento sempre demandou ajustes adicionais, entre os quais a realização de reformas para reestruturar as despesas obrigatórias, como aposentadorias, salários do funcionalismo público e benefícios sociais. Sem reformas, era óbvio – e inclusive foi previsto à época de sua aprovação – que o teto passaria a estrangular o Orçamento. Ao trabalhar contra as reformas tributária e administrativa, o governo Bolsonaro fez uma escolha pela omissão. Desmoralizar o teto e rasgar o arcabouço fiscal, as leis e a Constituição são consequência dela. A guerra dos cortes no Orçamento é a ponta do iceberg.

A necessária valorização da segunda instância

O Estado de S. Paulo

O novo filtro para os recursos ao STJ é oportunidade de valorização da segunda instância, que passará a ser, para a imensa maioria dos casos, a última instância

Na reforma do Judiciário de 2004, criou-se um filtro para o recurso extraordinário. Para questionar perante o Supremo Tribunal Federal (STF) a constitucionalidade de uma decisão judicial, o autor do recurso passou a ter de demonstrar, a partir da Emenda Constitucional (EC) 45/2004, “a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso”. Já não bastava dizer, por exemplo, que o acórdão do tribunal tinha desrespeitado a Constituição. Para que o STF analisasse o caso, passou a ser preciso mostrar a existência de “questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo”, conforme dispõe o atual Código de Processo Civil.

O requisito trazido pela EC 45/2004 era uma medida essencial para o bom funcionamento do Judiciário. Sem o filtro da repercussão geral, atribuía-se a um único tribunal o papel de revisor da constitucionalidade de todas as ações judiciais do País. É simplesmente impossível que o STF atenda a tal demanda.

No entanto, a reforma do Judiciário de 2004 não criou um filtro similar para o recurso especial, instrumento que serve para questionar, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), decisão judicial que desrespeita lei federal ou que lhe dá uma interpretação divergente daquela atribuída por outro tribunal. Essa lacuna foi suprida agora, com a aprovação pelo Congresso da EC 125/2022: “No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo tribunal”.

Segundo a EC 125/2022, há relevância nas ações (i) penais, (ii) de improbidade administrativa, (iii) cujo valor da causa ultrapasse 500 salários mínimos e (iv) que possam gerar inelegibilidade, bem como nas “hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do STJ”. A definição da relevância no próprio texto constitucional foi fruto da participação da sociedade civil nos debates legislativos.

A EC 125/2002 “é uma saída contundente para a crise de congestionamento e para a avalanche de casos que chegam ao STJ”, avaliou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, lembrando que o tribunal recebe anualmente mais de 10 mil novos processos por ministro. De fato, era imprescindível limitar a quantidade de recursos. Tribunais afogados em processos não funcionam bem: dificulta-se a apreciação cuidadosa de cada caso e multiplica-se a prestação jurisdicional atrasada, fora de um prazo razoável.

Mas o filtro da repercussão geral (STF) e da relevância (STJ) tem uma função que vai muito além da questão quantitativa. Ele preserva a natureza institucional dos tribunais superiores, que não são meras instâncias revisoras. O papel do STF e do STJ não é produzir sucessivas análises de ações cujo objeto se restringe aos interesses das partes. As cortes superiores têm a chamada função nomofilácica: assegurar a estabilidade e a previsibilidade da jurisprudência.

A EC 125/2022 pode e deve, portanto, ser ocasião de fortalecimento da segunda instância – (i) maior qualidade da análise das questões de fato e direito e (ii) maior sintonia de suas decisões com a jurisprudência dos tribunais superiores –, uma vez que ela a partir de agora será, para a imensa maioria dos casos, a última instância. Essa dinâmica é benéfica para o funcionamento de todo o sistema. O Judiciário não cumpre sua finalidade de resolver, com justiça e dentro de um prazo razoável, os conflitos sociais se uma decisão, para produzir efeitos, precisa passar antes por três ou quatro instâncias judiciais. Vale lembrar que, num Estado Democrático de Direito, existe a garantia do duplo grau de jurisdição: o direito de uma instância rever a decisão originária. Mas não faz sentido ter uma série infindável de controle. Assim, o novo filtro para os recursos do STJ conduz a este outro movimento, igualmente necessário: qualificar e valorizar a primeira e a segunda instâncias.

Arrecadação vai bem; o Brasil, nem tanto

O Estado de S. Paulo

Ajudada por inflação, câmbio e juros, receita tem grande aumento, enquanto produção e consumo avançam lentamente

O governo continua lucrando com a inflação e aumentando sua receita, facilmente, enquanto a economia brasileira se move devagar e a pobreza aumenta. Em junho a União arrecadou R$ 181,04 bilhões. No primeiro semestre o Tesouro recolheu US$ 1,09 trilhão, com acréscimo “real” de 11% em relação ao valor de um ano antes. A variação “real”, nesse caso, é calculada com base na inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Mas como pode o volume de impostos e contribuições ter crescido tanto, se a atividade econômica, segundo os indicadores conhecidos, avançou moderadamente? No semestre, a produção industrial foi 3,11% menor que a de janeiro a junho do ano passado. As vendas de bens pelo comércio varejista foram apenas 0,10% maiores que as de 2021 no mesmo período. Seria possível explicar o aumento da receita principalmente pela expansão do setor de serviços – um crescimento de 9,59% no mesmo tipo de comparação?

O quadro geral inclui alguns fatos positivos, como a expansão de 23,83% da massa de salários, entre o primeiro semestre do ano passado e o primeiro deste ano. Mas parte dos R$ 90,43 bilhões cobrados sobre os rendimentos do trabalho só foi possível porque a tabela do Imposto de Renda continuou desatualizada. O limite de isenção foi corrigido pela última vez em abril de 2015.

Além disso, medir a variação “real” da receita fiscal com base no IPCA pode ocultar fatos importantes. Esse indicador é um número médio. A análise da arrecadação com base nas “divisões econômicas” mostra, por exemplo, aumento de 192,54% no valor recolhido no setor de combustíveis (de R$ 18,01 bilhões para R$ 52,88 bilhões a preços de junho deste ano). No setor de “atividades auxiliares do setor financeiro” o aumento foi de 27,20% – de R$ 23,89 bilhões para R$ 30,39 bilhões.

O Tesouro claramente ganhou com a inflação, com o dólar sobrevalorizado e com a alta dos juros, enquanto consumidores sofreram com a alta de preços e dos juros. Ao mesmo tempo, a economia ficou travada pelo encarecimento do crédito e pela contenção do consumo das famílias, empobrecidas pela inflação, endividadas e sobrecarregadas pelos financiamentos cada vez mais caros.

Segundo o relatório da Receita Federal, os números deste ano mostram “o melhor desempenho arrecadatório desde 2000, tanto para o mês de junho quanto para o semestre”. Seria uma excelente novidade se esse balanço indicasse uma economia com bom desempenho, isto é, com razoável crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e com inflação contida. Mas os dados conhecidos da economia real mostram um cenário muito menos positivo.

Depois de quatro meses consecutivos de expansão, a indústria ainda produziu, no período de janeiro a maio, 2,6% menos que um ano antes. As vendas no varejo em 12 meses foram 0,4% menores que as do período anterior. Mas a receita nominal cresceu 13,6%, em relação à mesma base, e também isso evidencia o desarranjo dos preços. Talvez o Tesouro tenha algum motivo para comemoração. Não é o caso da maioria dos brasileiros.

Ameaça ao teto de gastos é irresponsável

O Globo

Único mecanismo que ainda garante controle da dívida pública está sob ataque dos principais candidatos

É preocupante a ameaça irresponsável que paira sobre o teto de gastos no próximo governo. A aprovação da PEC Eleitoral, que criou novas despesas de R$ 41,3 bilhões no Orçamento, demonstrou que nem Legislativo nem Executivo têm dado a devida atenção à saúde fiscal do Estado brasileiro. A perda de confiança nos mecanismos de controle dos gastos públicos é hoje a maior fonte de tensão entre os agentes econômicos.

Se o próprio governo Jair Bolsonaro não está nem aí para o teto, que no discurso afirma defender, a revogação é parte da plataforma de Luiz Inácio Lula da Silva e Ciro Gomes. Atribui-se ao teto o papel de camisa de força sobre as ações do governo, quando na realidade ele não passa de um mecanismo de controle fiscal que dá transparência às disputas pelas verbas públicas — e que se revelou extremamente eficaz.

A tendência natural da classe política é criar novas despesas para atender à demanda de grupos de interesse específicos. As trazidas pela PEC Eleitoral são apenas as últimas numa extensa lista que, só neste ano, vai muito além dos caminhoneiros e taxistas. Inclui o setor cultural, enfermeiros, transporte público, instituições beneficentes e tantos outros beneficiados com a ilusão criada pela alta circunstancial da arrecadação.

Diversas prebendas são temporárias, mas outras são duradouras. Pelas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), a despesa primária recorrente já cresceu 6% em termos reais em relação ao ano passado. Isso sem contar o aumento de R$ 200 concedido aos beneficiários do Auxílio Brasil, que ninguém acredita temporário. Se mantido, os R$ 26 bilhões de gasto adicional neste ano se tornarão mais R$ 60 bilhões no Orçamento de 2023.

Leis e regras fiscais não existem para impedir o governo de gastar naquilo que é necessário — como combate à pobreza, saúde ou educação. Existem para evitar o descontrole. Quando não há confiança em que o governo honrará seus pagamentos, a explosão da dívida pública é inevitável, com impacto na taxa de juros, no emprego e na inflação. A História brasileira está cheia de exemplos dos malefícios trazidos pela incúria fiscal.

Os demais mecanismos para disciplinar os gastos públicos — Lei de Responsabilidade Fiscal e Regra de Ouro (que impede endividamento para pagar despesas correntes) — foram sendo minados um a um nos últimos anos. Restou o teto, que, de acordo com os dados da IFI, contribuiu para reduzir a despesa recorrente do governo de 23,4% do PIB em 2019 para 18,8% no fim deste ano.

Pela última projeção do Tesouro Nacional, a manutenção do teto traria as contas públicas para o azul em 2024 e reduziria o patamar de gastos públicos a 15,3% do PIB em 2031. Nesse cenário, a dívida cairia dos atuais 78,3% do PIB para abaixo de 70% em 2031, e o setor público teria um superávit de 2,5%, suficiente para mantê-la num nível sustentável. A IFI é um pouco mais pessimista em sua projeção da dívida para 2031: 84,7%. Ao mesmo tempo, considera que um superávit de 1,4% seria suficiente para controlá-la. O teto é o único mecanismo de controle capaz de garantir projeções otimistas para o endividamento. Quem deseja acabar com ele precisa ser explícito também sobre o que quer pôr no lugar. Do contrário, a tragédia será inevitável.

É inaceitável que facções estendam seus domínios às atividades formais

O Globo

Para lavar dinheiro, quadrilhas investem em empresas de transporte, incorporadoras e clínicas médicas

É alarmante a forma como as organizações criminosas têm se expandido para o mercado formal. Não só para lavar dinheiro e despistar as autoridades, mas também como fonte de renda para financiar o próprio crime. Investigações da Polícia Civil de São Paulo revelam que a maior facção do estado, que atua também fora do país, investe em empresas de transporte, no mercado imobiliário e até em clínicas médicas e odontológicas aparentemente insuspeitas.

Segundo a polícia, seus integrantes controlam pelo menos 250 loteamentos clandestinos na capital. Desde 2017, as quadrilhas mantêm um esquema com empresas de fachada em nome de “laranjas” para invadir áreas de preservação ambiental e vender lotes clandestinos. Lesaram milhares de cidadãos que pensavam comprar imóveis legais.

A estratégia criminosa tem sido usada também por milicianos no Rio. Venda e aluguel de imóveis ilegais são uma das principais fontes de arrecadação das milícias. Tudo facilitado pela falta de fiscalização do poder público e pela debilidade das políticas habitacionais nos três níveis de governo, que transformam em presas fáceis as famílias em busca da casa própria. Às vezes o enredo tem desfecho trágico. Em 2019, dois prédios construídos por milicianos desabaram na comunidade da Muzema, Zona Oeste do Rio, matando 24 moradores.

A investida no setor de transportes também tem chamado a atenção. Pelo menos duas empresas que mantêm contratos formais com a Prefeitura de São Paulo, Transunião e UPBUS, são investigadas por envolvimento com o crime organizado. A polícia diz que acionistas da UPBUS pertencem ao alto escalão da organização criminosa. Na Transunião, funcionários sem alinhamento com o bando foram expulsos e substituídos por integrantes da facção.

O envolvimento do crime no transporte urbano em São Paulo não é novo, só que antes costumava mirar peruas e vans. Elas foram legalizadas nas gestões petistas de Marta Suplicy e Fernando Haddad, mas continuaram sob controle de criminosos. Hoje o domínio pode ser maior do que se imagina. Um delegado disse ao GLOBO que a maior facção do estado domina quase todo o setor de ônibus de São Paulo.

Não menos assustadora é a captura de unidades de saúde pelo crime. Segundo a polícia, um único integrante da facção paulista chegou a ter 60 clínicas médicas e odontológicas em São Paulo. Por concentrar atendimentos, a atividade permite aos criminosos inflar os números para lavar dinheiro do tráfico sem despertar atenção. Ao mesmo tempo, ampara os integrantes da quadrilha feridos em confrontos.

Está claro que o combate às organizações criminosas que dominam comunidades em todo o país demanda mais inteligência. As quadrilhas se sofisticaram e se imiscuíram em atividades aparentemente legais, mas o dinheiro sempre deixa rastro. Não se pode permitir que tais negócios prosperem. É estarrecedor que criminosos estejam à frente de incorporadoras, empresas de transporte e clínicas.

Sem “bondades”, previsões para o PIB de 2023 recuam

Valor Econômico

Pesquisa Focus sinaliza aumento de 0,5% do PIB. Os grandes bancos não estão tão otimistas

A aprovação da “PEC das Bondades” pelo Congresso e sua promulgação pelo governo, na semana passada, desencadearam uma onda de revisão para cima do Produto Interno Bruto (PIB) projetado para este ano. Aposta-se que o aumento do Auxílio Brasil e a liberação dos bônus para caminhoneiros e taxistas e a redução do preço dos combustíveis, energia elétrica e gás animem a economia, que já estava fraquejando, como mostram dados do segundo trimestre. Mas o fôlego será curto. As “bondades” dispensadas sob medida para melhorar o desempenho de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de outubro têm prazo de validade até janeiro de 2023, quando a economia deve desacelerar e pode até encolher.

Depois de ter surpreendido no primeiro trimestre, com o aumento de 1% do PIB e a redução da taxa de desemprego para 9,8%, marcando um dígito pela primeira vez em seis anos, a economia começou a dar sinais de recuo, que ficaram mais preocupantes em maio. A produção industrial aumentou apenas 0,3% na comparação com abril, sob o impacto principalmente da queda de 1,3% de bens intermediários. As vendas do varejo no conceito ampliado variaram 0,2%, com o mau desempenho de material de construção, bens de consumo duráveis, veículos e autopeças, móveis e eletrodomésticos, produtos que geralmente dependem de financiamento.

O balanço de maio só não ficou totalmente desanimador por causa do desempenho do setor de serviços, cujo faturamento real teve aumento de 0,9% sobre abril e de 9,2% na comparação com maio de 2021. Todos os seus cinco segmentos acompanhados pelo IBGE ficaram no azul, notadamente serviços prestados às famílias (1,9%) e outros serviços, como financeiros, urbanos e imobiliários (3,1%). A expansão foi atribuída à reabertura dos negócios após a vacinação. A recuperação dos serviços animou o mercado de trabalho.

Indicadores que buscam antecipar o PIB não espelharam esses resultados. O IBC-Br, calculado pelo Banco Central, teve queda de 0,11% em maio depois de ter recuado 0,64% em abril. O Monitor do PIB, estimado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), recuou 0,8% na comparação entre maio e abril. A FGV destacou a redução de 2,1% do consumo das famílias, atribuído ao aumento da inflação, dos juros e redução da renda real.

Nesse quadro, se inserem as medidas tomadas pelo governo para ativar a economia e tentar melhorar a votação a favor de Jair Bolsonaro. Nada mais negativo para um candidato à reeleição do que resultados ruins na economia. As iniciativas vão na contramão da atuação do Banco Central que, desde março do ano passado, vem elevando os juros para conter a inflação, com reflexos restritivos na atividade. Entre as iniciativas estão o aumento do Auxílio Brasil, e a redução de impostos sobre combustíveis, a bolsa caminhoneiro e a ajuda para a compra de gás.

Anteriormente, o governo já havia liberado FGTS e antecipado o pagamento do 13º salário para aposentados e pensionistas, sem reflexos significativos a não ser na área de serviços, como mostram os números de maio. Bancos e consultorias apostam que agora a reação será mais palpável e desencadearam uma onda de revisão do PIB e da inflação deste ano. O Boletim Focus do Banco Central, que reúne mais de uma centena de previsões, projetava aumento do PIB de 1% no fim de maio e agora prevê alta de 1,6%. As estimativas já chegam a 2% e o otimismo não é apenas do Ministério da Economia, que antes falava em aumento de 1,5% do PIB. Também trabalham com 2% os bancos Itaú, Credit Suisse e C6. Santander e Bradesco estão quase lá, com 1,9% e 1,8%, respectivamente.

A melhora na percepção foi referendada pela agência de classificação de risco Fitch, que revisou de negativa para estável a perspectiva para o rating do Brasil, apontando a dinâmica de crescimento de curto prazo, acima das expectativas, entre as justificativas para o movimento.

As previsões mais negativas foram jogadas para o próximo ano, até porque a maior parte das medidas tomadas pelo governo terminam em janeiro, como o aumento do Auxílio Brasil e a bolsa caminhoneiro e auxílio para a compra de gás. Sem apoio do governo a economia não sustenta o ritmo. Sem falar no quadro fiscal incerto sob o impacto de outras medidas, da intensificação dos efeitos defasados da política monetária do Banco Central e da expectativa de recessão global. Pesquisa Focus sinaliza aumento de 0,5% do PIB. Os grandes bancos não estão tão otimistas. O Itaú espera que o PIB varie 0,2%, o Bradesco fala em estagnação e o Santander já espera queda de 0,6%

 

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