quinta-feira, 28 de julho de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Manifesto da USP é antídoto contra ataques antidemocráticos de Bolsonaro

O Globo

Carta com mais de 100 mil assinaturas defende democracia e lisura do sistema eleitoral brasileiro

Em tempos de ameaças ao regime democrático, é louvável a iniciativa da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), a São Francisco, de divulgar um manifesto em defesa da democracia e do resultado das eleições de outubro. Reunindo mais de 100 mil assinaturas de professores, alunos, empresários, banqueiros, juristas, ex-ministros, trabalhadores, acadêmicos, artistas e representantes de um diversificado arco da sociedade brasileira, a “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros” é uma das mais contundentes e firmes respostas dadas até agora aos arroubos golpistas do presidente Jair Bolsonaro e a seus ataques às urnas eletrônicas, ao sistema eleitoral e à própria democracia. Reação que infelizmente tem faltado a ocupantes de postos-chave da República.

A força do manifesto, que será lido na data simbólica de 11 de agosto, não é medida apenas no número de assinaturas ou no peso das adesões que unem as mais diversas correntes do pensamento nacional. A inspiração é a histórica “Carta aos Brasileiros”, lida pelo jurista Goffredo da Silva Telles Junior também nas arcadas do Largo de São Francisco em 8 de agosto de 1977. Exigia-se então o fim da ditadura militar, a volta do Estado de Direito e da democracia. “Ditadura é o regime que governa para nós, mas sem nós”, disse Goffredo num dos momentos mais marcantes da luta pela volta do regime democrático. A democracia só voltou na década seguinte, mas aquele momento deu início à derrocada da ditadura.

O documento divulgado 45 anos depois faz a defesa intransigente do sistema eleitoral que sustenta a democracia brasileira. “Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo”, afirma. “As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.”

O recado aos que sabotam a democracia acontece pouco mais de uma semana depois do encontro descabido em que Bolsonaro atacou o sistema eleitoral brasileiro diante de representantes estrangeiros, fez acusações sem provas contra a segurança e a confiabilidade das urnas eletrônicas, criticou o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral e seus ministros. No domingo, em discurso na convenção nacional do PL que homologou sua candidatura à reeleição, Bolsonaro voltou a atacar o Judiciário e convocou protestos para o dia 7 de setembro.

A melhor resposta aos ataques é a mobilização da sociedade, que vem acontecendo. A carta da São Francisco em momento político crítico não é a única a erguer uma trincheira em torno da democracia. A todo momento, dentro e fora do país, surgem manifestações de apoio ao sistema eleitoral brasileiro, referência para o mundo todo. Em duas décadas e meia de funcionamento, não há registro de fraude ou irregularidade. Em quase quatro décadas desde o fim da ditadura, o Brasil vive o período mais longevo de sua democracia. A sociedade precisa zelar para que ela se renove a cada dia.

Governo precisa de estratégia para deter varíola dos macacos

O Globo

OMS, que classificou doença como emergência global, afirma que situação no Brasil é preocupante

Um mês depois de afirmar que a varíola dos macacos (monkeypox) não era uma emergência global, a Organização Mundial da Saúde (OMS) voltou atrás e, no sábado, após a rápida deterioração do cenário epidemiológico, disparou o alerta máximo para a doença. Quando o comitê da OMS descartou a emergência, havia pouco mais de 3 mil casos em 47 países. Hoje passam de 18 mil em 75, boa parte distante das regiões endêmicas na África.

Embora na maioria dos casos a doença se manifeste de forma leve, a emergência global exige atenção maior do governo. É contraditório que justamente agora o Ministério da Saúde desative a sala de situação criada para monitorar a infecção. Para piorar, numa reprise da omissão diante da pandemia de Covid-19, o Brasil nem se mexeu para garantir as disputadas doses da vacina capaz de proteger da doença, enquanto os demais países fazem suas reservas há pelo menos nove semanas.

Em entrevista ao GLOBO, o secretário de Vigilância do Ministério da Saúde, Arnaldo Medeiros, minimizou a desmobilização. Afirmou que a pasta avalia criar um comitê de acompanhamento e que o governo tenta fechar com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) a compra de 50 mil doses de vacina para profissionais de saúde.

O otimismo não encontra eco nos estados e municípios, onde a preocupação é crescente. O país ainda enfrenta a quarta onda de Covid-19, surtos de dengue e tenta lidar com as doenças respiratórias típicas desta época do ano. O Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) defende que o ministério exerça o papel de coordenação de que abdicou na pandemia. A própria OMS classificou a situação no Brasil como “muito preocupante”. Rosamund Lewis, líder na organização para o acompanhamento da doença, afirmou que os casos no país podem estar subnotificados pela falta de testagem. Não é improvável.

Na terça-feira, o governo registrava 813 notificações, a maioria no estado de São Paulo. Pelo que se observou até agora, a maior parte dos casos envolve homens que fazem sexo com outros homens, especialmente os que têm múltiplos parceiros. Daí a necessidade de uma campanha de esclarecimento por parte do Ministério da Saúde, não só para informar a população sobre a doença, as formas de transmissão e como proceder em caso de contaminação, mas também para combater os preconceitos e estigmas que costumam se disseminar tão rapidamente quanto a infecção.

O histórico do Ministério da Saúde, que abusou do direito de errar na pandemia, não garante que desta vez será diferente. É preciso definir estratégias nacionais, informar a população, fazer campanhas, treinar profissionais, providenciar testes, estabelecer hospitais de referência e comprar vacinas para proteger grupos vulneráveis como profissionais de saúde.

Anunciar agora a compra de vacinas não basta, porque não há estoques sobrando, e os disponíveis já estão reservados por países que souberam se planejar. É verdade que, até aqui, a varíola dos macacos tem se mostrado uma doença de baixa letalidade, bem diferente da Covid-19. Mas é necessário agir. Quanto antes for controlada, mais rápido o Brasil poderá se dedicar às outras emergências que diariamente lotam suas unidades de saúde.

A importância da adesão da Fiesp

O Estado de S. Paulo

O apoio da Fiesp à resistência democrática reitera o caráter apartidário do movimento e explicita como os ataques de Bolsonaro às eleições são contrários ao interesse do País

A escalada do presidente Jair Bolsonaro contra as eleições surtiu efeito, isolando completamente o bolsonarismo do restante do País. A reação da sociedade em defesa da democracia é cada vez mais unânime, como se pôde constatar pelo apoio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) ao movimento em defesa do regime democrático e da Justiça Eleitoral organizado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

A adesão da Fiesp ao ato em defesa da democracia, que será realizado no dia 11 de agosto, explicita pontos importantes. Em primeiro lugar, reitera o caráter plenamente apartidário da resistência democrática. Afinal, ninguém pode acusar a Fiesp de ser petista ou de favorecer a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. Ao anunciar sua ideia de participar do ato em defesa da democracia no Largo de São Francisco, em reunião com a diretoria da entidade na segunda-feira passada, o presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, foi fortemente aplaudido. As palmas não eram a favor de determinado candidato. Eram o reconhecimento de que o momento do País demanda posicionamento firme e incondicional a favor do regime democrático.

O apoio da Fiesp ao movimento em defesa da democracia revela também que, com sua loucura de atacar as eleições, o bolsonarismo está rompendo a polarização. A sociedade pode ter muitas divisões a respeito de diversos temas, mas não está dividida em relação à defesa da democracia e ao respeito do resultado das eleições. Após a reunião com os embaixadores estrangeiros, em que acusou a democracia brasileira de não ser confiável, Jair Bolsonaro ficou inteiramente a pé. O resultado de seu golpismo é o isolamento. A sociedade está do lado da democracia e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A contundente reação em defesa do regime democrático revela ainda outro aspecto fundamental. O ataque de Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas não afronta apenas a integridade eleitoral – o que, por si só, é muito grave: inconstitucional, a ação é suscetível de ser enquadrada como crime de responsabilidade e como abuso de poder político e de autoridade. A escalada bolsonarista contra a democracia tem uma outra dimensão, explicitada pelo apoio da Fiesp ao movimento do Largo de São Francisco. Difundir desconfiança contra o TSE, criar confusão e instabilidade institucional, suscitar dúvidas se o resultado das eleições será respeitado, difamar a democracia nacional perante embaixadores estrangeiros – tudo isso causa danos diretos e imediatos ao País.

A defesa da democracia – o que inclui respeitar a legislação eleitoral e o Judiciário – não é uma defesa abstrata de ideias. É defesa imediata do interesse nacional. É defesa da paz e da ordem social, de forma a permitir que a população viva, trabalhe e descanse em tranquilidade. É defesa das condições mínimas para que o País possa se desenvolver social e economicamente. Não há ambiente de negócios que resista, não há possibilidade de o País superar a atual crise social e econômica com um presidente da República provocando a animosidade da população contra as eleições e contra as instituições democráticas.

Posicionar-se em defesa da democracia – como fizeram a Fiesp e tantas outras entidades, bem como inúmeras lideranças civis e políticas, professores, empresários, profissionais liberais, funcionários públicos, estudantes – não é uma escolha político-partidária. É uma escolha a favor do Brasil.

A reunião do dia 18 de julho com os embaixadores estrangeiros causou e continuará a causar, por muito tempo, perplexidade. Não é trivial entender como Jair Bolsonaro pôde aviltar de forma tão brutal o País e suas instituições. No entanto, aquela sinistra reunião é, ao mesmo tempo, a perfeita síntese do bolsonarismo. Não podia ser diferente. Os métodos de Jair Bolsonaro – seja ameaçar explodir bomba em quartel, seja ameaçar não respeitar as eleições – sempre foram opostos aos interesses nacionais. Felizmente, o País começa a se dar conta. Não é possível ficar indiferente. É preciso resistir.

Vitória do espírito democrático

O Estado de S. Paulo

Ao insistir em sua candidatura, a despeito da oposição em seu próprio partido, Simone Tebet mostra apreço pelo debate democrático, o que inexiste na guerra entre Lula e Bolsonaro

A confirmação de Simone Tebet como candidata do MDB à Presidência da República foi uma vitória pessoal da senadora, diante da enorme resistência de caciques do próprio MDB que ainda defendem a adesão do partido à candidatura do petista Lula da Silva. Foi também uma vitória do espírito democrático.

Em que pesem as diferenças de estilo e objetivo que podem ser apontadas entre Lula da Silva e Bolsonaro, ambos encarnam candidaturas com inequívoco viés populista. Um e outro apostam alto na mistificação em torno de suas figuras, apresentando-se como os únicos representantes das reais aspirações do “povo” e os únicos capazes de evitar todo o mal que o outro poderá causar ao País caso seja eleito. Tanto é assim que, do alto das posições que ocupam nas pesquisas de intenção de voto no momento, Lula e Bolsonaro se sentem desobrigados a debater entre si e com os adversários, o que configura inaceitável desrespeito aos eleitores e um desdém pela própria ideia de democracia. Lula pensa que basta se apresentar ao País como o anti-Bolsonaro para merecer a confiança da maioria dos eleitores. Para o incumbente, idem, apenas com o sinal trocado. E é assim, ao rés do chão, que os dois populistas discutem o que será do Brasil nos próximos quatro anos.

É por isso que candidaturas alternativas, como a de Simone Tebet, têm potencial para qualificar esse debate, como contraponto a essa guerra entre inimigos figadais a que Lula e Bolsonaro pretendem reduzir a eleição. Tebet fez bem à democracia ao insistir em se candidatar, a despeito das inúmeras sabotagens de partidos aliados e até mesmo de alas do próprio MDB, que se preocupam apenas em melhorar as chances do partido no futuro Congresso.

A existência de uma candidatura do centro democrático é muito importante para o País. É fundamental que os valores e as ideias da democracia liberal estejam em circulação e que os eleitores tenham condição de conhecê-los. Se esses valores e ideias têm potencial para vencer uma eleição, só as urnas dirão. Mas ganhar ou perder faz parte do jogo democrático, e, se o futuro reservar ao País mais um governo populista irresponsável, como as pesquisas ora indicam, é tarefa dos democratas qualificar a oposição, hoje desfigurada por interesses paroquiais e fisiológicos. 

É claro que todo partido e todo candidato disputam eleições para ganhar, pois não há sentido em mobilizar eleitores e fundos se não for para exercer o poder. No entanto, a atual campanha mostra que muitos estão disputando o poder pelo poder, sem se preocuparem com projetos de país nem com ideologia. Esses cupins da República se unem aos favoritos na corrida presidencial não por afinidade política, mas exclusivamente por cálculo de potencial de votos para a formação de bancadas que lhes garantirão maior acesso ao dinheiro público que financia campanhas e luxos.

A tal ponto chegou essa desfaçatez que partidos estão leiloando o “passe” de possíveis candidatos com bom potencial de votos, como mostrou recente reportagem do Estadão. Com oferta de até R$ 1 milhão, nomes são disputados não por suas propostas para o País, mas apenas por sua eventual capacidade de “puxar votos” – isto é, iludir o maior número possível de eleitores.

Num ambiente assim, não surpreende que o mundo político se divida hoje entre Lula e Bolsonaro, os dois mais bem posicionados nas pesquisas – e, portanto, com maior potencial de transferência de votos para quem os apoiar. Partidos indignos do nome flertam com um e com outro como escolhem uma fruta na feira, sem qualquer preocupação com o futuro do País.

Diante disso, quem acredita na democracia como uma disputa de ideias precisa defender alternativas, mesmo que, à primeira vista, pareçam eleitoralmente fadadas ao fracasso. 

Mas os brasileiros ainda não estão condenados a escolher o “mal menor”. É bom ressaltar que nenhum candidato ainda obteve um voto sequer na urna. Há tempo, pois, para sonhar com um País melhor no futuro, um Brasil menos desigual e mais próspero. Há tempo para manifestar esse sonho em um voto de esperança, e não de repulsa ou ódio.

Pequena trégua na batalha dos preços

O Estado de S. Paulo

Prévia da inflação aponta menor avanço em julho graças a corte de impostos, mas causas do desajuste de preços permanecem

Mais aparente do que real, a trégua da inflação em julho reflete a baixa de preços dos combustíveis e da energia elétrica, efeitos temporários da redução de impostos. Graças a isso, a prévia do indicador subiu 0,13%, a menor taxa mensal desde junho de 2020, quando a variação foi de 0,02%. Os combustíveis ficaram 4,88% mais baratos, puxados pela queda de 5,01% do valor final da gasolina, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo – 15 (IPCA-15). A tarifa da eletricidade para uso residencial diminuiu 4,61%, favorecendo um recuo de 0,78% no item Habitação. Mas houve aumentos em seis dos nove grupos de bens e serviços pesquisados, com mais pressão para os trabalhadores, já atormentados pela escassez de empregos e pelo crédito muito caro.

Para comprar comida e bebida os brasileiros enfrentaram preços 1,16% mais altos, em média. A variação, bem maior que a do mês anterior (0,25%), foi provocada principalmente pelo encarecimento do leite longa vida (22,27%) e dos laticínios. O custo de comer em casa subiu 1,12%. O da alimentação em restaurantes e lanchonetes aumentou 1,27%. Itens muito importantes, como o pão francês (1,47%) e o feijão carioca (4,25%), ficaram bem mais caros, ocupando espaço maior no apertado orçamento familiar.

Com a trégua aparente, criada basicamente por alguns cortes de impostos, a inflação acumulada em 12 meses passou de 12,04% em junho para 11,39% em julho, permanecendo, portanto, muito alta, muito acima das taxas observadas na maior parte do mundo capitalista e muito distante dos objetivos oficiais. Mais uma vez – como no ano passado – a inflação passará bem acima do limite de tolerância fixado pelas autoridades, de 5% em 2022.

Para enfrentar a persistente alta de preços, o Banco Central (BC) deverá manter os juros muito elevados até o fim do ano, passando a reduzi-los cautelosamente em 2023. No fim de 2022 a taxa básica estará em 13,75%, segundo a mediana das projeções indicada no boletim Focus. O mesmo conjunto de estimativas aponta 10,75% como taxa final no próximo ano. Crédito muito caro continuará, portanto, limitando os negócios e a criação de empregos ainda por muitos meses, se essas previsões forem corretas.

Não há, por enquanto, por que apostar num quadro muito diferente. Incerteza e dólar valorizado, importantes fatores inflacionários, continuam presentes no dia a dia e nos cenários prospectivos. Gastos públicos em desordem, resultantes de medidas improvisadas e voltadas para as eleições, devem gerar desafios fiscais complicados para o próximo ano. Também falta conferir se todas as promessas eleitoreiras do presidente Jair Bolsonaro serão incorporadas no projeto orçamentário para 2023 e, em seguida, como os congressistas cuidarão desse projeto.

Se a irresponsabilidade fiscal continuar predominante em Brasília, nos próximos meses, o esforço do BC contra a inflação poderá ser em grande parte inutilizado. A contenção da alta de preços demandará um aperto monetário mais prolongado e mais penoso para a maior parte dos brasileiros.

Recado aos fardados

Folha de S. Paulo

Reunião de ministros da Defesa mostra que não há tolerância com o golpismo no continente

Poucas instituições foram tão afetadas pela chegada de Jair Bolsonaro (PL) ao poder quanto as Forças Armadas. A proximidade com o governo, para não dizer cumplicidade, pôs a perder décadas de esforço dos militares para promover a imagem de profissionalismo e subordinação à ordem constitucional.

O problema maior são as atitudes ambíguas de oficiais de alta patente diante dos interesses do governo, como atesta o caso do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que até alguns meses atrás era o chefe do Exército.

Nesta terça (26), em reunião com ministros da Defesa de todo o continente, coube a Oliveira reafirmar o compromisso do Brasil com a Carta Democrática Interamericana, documento da Organização dos Estados Americanos que impõe o respeito à democracia a todos os integrantes do grupo.

Em condições normais, a declaração do ministro brasileiro seria apenas uma platitude. Tornou-se notícia justamente porque os militares não cessam de dar sinais de alinhamento ao golpismo de Bolsonaro.

No mais preocupante deles, as Forças Armadas, que ficaram duas décadas sem questionar a segurança das urnas eletrônicas, passaram a alimentar o discurso bolsonarista sobre fraudes, das quais não existe nem sombra de indício.

Oliveira foi um dos que se associaram com entusiasmo às fantasias presidenciais nos últimos tempos. Vindo dele, a reafirmação do compromisso com os princípios da OEA não deixa de ser um reconhecimento de que não há tolerância para aventuras e tumulto na região.

Não foi outro o sentido do recado transmitido ao ministro pelo secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin. Os americanos esperam que o Brasil mantenha a tradição e realize eleições limpas neste ano.

A proximidade do presidente com os militares, obtida com concessões corporativistas e cargos, criou outros problemas. Mais espaço no governo também significa mais espaço para corrupção e erros administrativos, que atraem a atenção dos órgãos de controle e corroem a imagem das Forças Armadas.

Como a Folha noticiou, desde o início do governo o Tribunal de Contas da União já condenou ao menos 28 militares por má utilização de recursos públicos —incluindo casos abertos na atual gestão.

Se a associação com Bolsonaro pode ter feito bem às finanças pessoais de um ou outro oficial, é cada dia mais evidente que ela pode ser devastadora para a instituição.

Acrobacia fiscal

Folha de S. Paulo

Governo tenta compensar gastos eleitoreiros antecipando receitas e alimentando novos riscos

O governo Jair Bolsonaro (PL) repete erros do passado na gestão das contas públicas. A aprovação de gastos às vésperas das eleições com mudanças casuísticas na Constituição abandonou pudores anteriores e causou impacto negativo na economia, com juros maiores e taxa de câmbio mais desvalorizada.

Feito o estrago na credibilidade da política econômica, o governo agora busca compensar R$ 56 bilhões em gastos extraordinários e renúncias de impostos até o fim do ano com novas medidas temerárias.

Repetindo prática que se tornou corriqueira na gestão de Dilma Rousseff (PT), o Executivo quer antecipar dividendos futuros de empresas estatais, solicitando em ofício que Petrobras, Banco do Brasil, BNDES e Caixa avaliem a possibilidade de remeter agora pagamentos que só ocorreriam em 2023.

Tenta-se, assim, neutralizar o impacto imediato dos gastos eleitoreiros, jogando a conta para o futuro —com base no diagnóstico equivocado de que haverá condições melhores para administrá-la à frente.

O Ministério da Economia propaga há meses a ideia de que existe uma sobra de arrecadação livre para ser usada, ignorando que a perspectiva estrutural do Orçamento está longe de ser confortável.

É verdade que houve um crescimento surpreendente da coleta de impostos. Conforme as estimativas do Tesouro, a receita líquida do governo federal, descontadas as transferências para estados e municípios, terá um acréscimo de R$ 130 bilhões em relação às projeções de dezembro, quando a lei orçamentária foi aprovada.

Boa parte disso, contudo, decorre da inflação, que também terá consequências para as despesas. O aumento nos gastos previstos para este ano já soma R$ 42 bilhões. Correções de pensões, aposentadorias e benefícios sociais, além do represamento dos salários do funcionalismo, ampliam pressões futuras.

Embora o governo ainda projete um déficit primário de R$ 59 bilhões, sem contar as despesas com juros, não se descarta a possibilidade de fechar as contas do ano com um pequeno superávit, que seria o primeiro em oito anos.

Ainda assim, a análise da situação não pode ignorar o contexto mais amplo, que inclui o impulso provavelmente efêmero da inflação para as receitas e os pagamentos de juros, que sobem junto com a taxa básica definida pelo Banco Central.

Gestores prudentes adotariam moderação nos gastos e aproveitariam o aumento de receitas agora para construir uma trajetória declinante para a dívida pública, reduzindo os riscos à frente. O benefício seria obter juros menores e sustentabilidade para o crescimento da economia e a geração de empregos, desafio que precisará ser enfrentado seriamente no ano que vem.

Fed ainda não espera recessão e repete dose alta de juros

Valor Econômico

Há enormes incertezas e grande espaço para surpresas ruins

O Federal Reserve dobrou a dose de sua política agressiva de juros ao elevar ontem a taxa básica em 0,75 ponto percentual, para 2,25% a 2,5%, e não descartou a possibilidade de novo ajuste da mesma magnitude na próxima reunião. Os mercados americanos acentuaram alta durante a entrevista do presidente do Fed, Jerome Powell, preferindo se embalar com parte de sua frase de que “em algum momento será apropriado diminuir o ritmo”. Em três reuniões, o banco central americano elevou em 2 pontos percentuais os fed funds, no aperto monetário mais intenso desde 1981.

Os juros americanos estão agora na faixa considerada neutra, a que não freia nem estimula as atividades econômicas. O Fed, segundo Powell, busca atingir juros moderadamente restritivos em seu plano de voo, algo entre 3% e 3,5% que, tentativamente, poderiam fazer o serviço de casar a demanda e a oferta agregada. Powell ainda acha que é possível realizar um pouso suave da economia, driblando uma recessão que os analistas acreditam estar próxima.

Powell afirmou que a economia americana desacelerou no segundo trimestre, com a diminuição dos gastos de consumo e esfriamento do mercado imobiliário e dos investimentos das empresas. No entanto, a prova dos nove dos efeitos desejados da política monetária será feita pelo mercado de trabalho, que continua, para o Fed, muito apertado. Esse é o motivo simples pelo qual Powell não acredita que os EUA estão em recessão - há contradição evidente entre a economia em pleno emprego e o declínio acentuado das atividades.

Há sinais muito incipientes de que esta situação começa a mudar. As pressões salariais estão arrefecendo, ainda que, mesmo em seu auge, tenham sido suplantadas pela inflação muito elevada (9,1% em junho, a mais recente leitura). Há evidências esporádicas de alguma diminuição da oferta de trabalho. Mesmo que o emprego esteja crescendo em velocidade menor do que a do início do ano, o ritmo de 450 mil contratações mensais é forte suficiente para manter o mercado em desequilíbrio a curto prazo.

O fato de o Fed ter um plano de voo não significa que ele terá sucesso. Há enormes incertezas e grande espaço para surpresas ruins. Os índices de mercado indicam que o banco começaria a cortar os juros em 2023, mas Powell não corroborou esta expectativa, ao afirmar que, se em condições normais já é muito difícil prever a situação da economia 12 meses à frente, a tarefa agora é impossível. “Será preciso um período em que o crescimento esteja abaixo do seu potencial por tempo suficiente”, disse, para que o mercado de trabalho desaqueça e a inflação perca seu impulso vital.

Parte dos investidores conta com a perspectiva de que, diante de ameaça de recessão, o Fed interromperá a sequência de altas de juros e passará a cortá-los. O presidente do Fed não pensa bem assim. Ele não respondeu a uma pergunta direta se preferia pecar por elevar as taxas em demasia ou menos do que o necessário, mas deixou claro que ser leniente com a inflação traria mais prejuízos à economia e habituaria os agentes econômicos a precificar uma inflação maior em seu cotidiano. Como o compromisso firme do Fed é levar a inflação de volta à meta de 2%, não será uma recessão que o impedirá de agir. A condição necessária para cessar o aperto monetário será convincentes evidências de que a inflação está fazendo o caminho de volta para 2%.

A tarefa do Fed, que se move em terreno desconhecido, é mais complicada a partir de agora. Powell disse que o banco não fornecerá mais orientação futura tão clara quanto a que foi feita para conduzir os juros ao terreno neutro agora atingido. É impossível sinalizar que na reunião de setembro o Fed elevará os juros em 0,75 ponto percentual, o que foi mencionado, ou os reduzirá a 0,5 ponto, disse Powell. A única certeza é que “novos aumentos dos juros serão apropriados”, como registra o comunicado após a reunião do Fomc.

Depois de ser surpreendido por uma inflação muito maior que a esperada, o Fed naturalmente está lançando a maior parte da carga de juros no início do ciclo de aperto monetário. Um aumento de 0,75 ponto em setembro já o colocaria muito perto de onde pretende teoricamente chegar, entre 3,25% e 3,5%. Se os indicadores não forem desfavoráveis, e não houver surpresas inflacionárias negativas, a cadência dos juros pode diminuir na próxima reunião.

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