O Globo
Há intolerância dos dois lados, mas um
deles é mais antidemocrático, indicam estudos
Petistas revoltaram-se contra os críticos
da polarização depois que um apoiador do presidente Bolsonaro assassinou um
apoiador do ex-presidente Lula em Foz do Iguaçu. Segundo eles, a ideia de
polarização sugere um crescimento do extremismo dos dois lados do espectro
político, o que não seria verdadeiro, já que o lado bolsonarista seria violento
e antidemocrático, enquanto o petista não. O triste momento parece oportuno
para retomar o conceito de polarização política e seu papel no debate público.
A polarização política tem vários sentidos
nas ciências sociais, mas dois se destacam no debate contemporâneo: a
polarização ideológica e a afetiva.
Quando observadores começaram a notar episódios recorrentes de divisão política na sociedade, cientistas políticos tentaram medir o fenômeno a partir das pesquisas de opinião. Construíram escalas de pontos com as opiniões da população sobre temas políticos e tentaram ver se elas se concentravam nos extremos. Os resultados foram um pouco frustrantes. De maneira geral, a opinião não estava polarizada, pelo menos não no nível que a evidência aparente sugeria.
Uma nova leva de pesquisas nos Estados
Unidos começou a olhar não para a opinião da população em geral, mas para a de
quem tinha identidade partidária mais forte ( se definia como republicano ou
democrata), e então a polarização encontrada se revelou bem mais pronunciada.
No entanto esses estudos eram muito difíceis de ser replicados em países com
sistemas com muitos partidos, caso do Brasil e de outros países
latino-americanos ou europeus.
Mais recentemente, a ênfase da pesquisa se
deslocou desse tipo de investigação sobre a opinião ideológica para a
polarização afetiva. Ela é definida como aumento do sentimento de hostilidade
entre quem adota identidades políticas antagônicas — por exemplo, petistas e
bolsonaristas.
As pesquisas têm mostrado que o sentimento
de não gostar de quem tem identidade adversária cresce mais rapidamente do que
o aumento da divergência de opinião. Em outras palavras, a gente está ficando
mais intolerante com os adversários sem necessariamente discordar mais deles.
Não há tanta pesquisa no Brasil sobre isso,
mas há evidências suficientes de que a tendência é real e preocupante.
Uma pesquisa da Quaest divulgada no mês
passado pelo blog de Leonardo Sakamoto adaptou para o Brasil uma pergunta da
pesquisa eleitoral americana que mede a capacidade de apoiadores de um campo
político de aceitar o casamento dos filhos com pessoas do campo adversário. É
uma das medidas mais comuns em estudos sobre polarização afetiva.
A pesquisa mostrou que eleitores de Lula
são mais resistentes em aceitar que seus filhos se casem com eleitores de
Bolsonaro do que o inverso. Cinquenta e três por cento dos lulistas ficariam
infelizes ou muito infelizes se um filho ou filha se casasse com bolsonarista,
e 38% dos bolsonaristas ficariam infelizes ou muito infelizes ao ver um filho
ou filha casando com lulista.
Outro estudo realizado por meu grupo de
pesquisa na USP num aplicativo de relacionamentos também mostrou uma
intolerância maior de lulistas que de bolsonaristas. Recolhemos amostras de
mais de 48 mil perfis (sem os nomes) e buscamos marcas de identidade política
que denotavam o desejo de não ter relações afetivas ou sexuais com pessoas do
campo adversário. Nos bairros centrais, entre 5% e 7% dos perfis manifestavam
no perfil uma identidade política de esquerda, enquanto as marcas de direita
eram bem menores que 1%.
Embora a esquerda seja mais intolerante do
que a direita nos dois estudos, outro elemento importante deve ser considerado.
A direita, ao que tudo indica, está mais insatisfeita com o sistema democrático
e parece mais disposta a usar da violência para resolver suas diferenças. Se
isso for verdade, teremos o que se chama de polarização assimétrica, situação
em que o antagonismo exacerbado entre os dois polos tem conteúdo mais
antidemocrático e mais violento num dos lados.
O temor dos estudiosos é que o aumento
dessa intolerância dos dois lados do espectro, combinado ao culto à violência e
ao desprezo à democracia mais presente no bolsonarismo, possa produzir novos
episódios como o do último domingo em Foz do Iguaçu.
A direita é mais violenta e antidemocrática,não há dúvidas.
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