O Globo
O principal ponto que garante a segurança
da votação é que, apesar de tudo ser digital, nada ocorre na internet
Todo ano de eleição, nós, jornalistas,
arranjamos algum jeito de produzir algo que seja explicando como funciona o
sistema de votação brasileiro. No jargão das redações, é uma “matéria de
serviço”. Sua utilidade é ajudar o eleitor a se nortear no dia do voto. É para
que ele entenda o processo. Neste ano, explicar como funcionam a urna e a
contagem dos votos, porém, não é mero serviço. É uma defesa ativa da
democracia. E, sim, nosso sistema está entre os mais seguros e eficientes do
mundo.
O principal ponto que garante a segurança da eleição brasileira é que todo o processo, apesar de digital, não ocorre na internet. Nem as urnas nem os computadores que contam os votos estão na grande rede. Em seu discurso, o presidente Jair Bolsonaro se aproveita de conceitos pouco compreendidos para deixar as pessoas inseguras. Confusas. A ação é de clara má-fé. O presidente da República mente, mente acintosamente, mente sabendo que está mentindo.
Porque a urna em que digitamos nossos votos
não está ligada à internet, um hacker não pode entrar nela e modificar qualquer
coisa. Poderia se estivesse em frente, fisicamente, à máquina. Mas não seria
nada discreto. Teria de ligar um teclado, espetar um pen drive, fazer uma
operação que chamaria a atenção de todos ao redor. Para ter efeito e mudar os
resultados de uma eleição, seria necessária a ação de milhares de hackers
trabalhando em milhares de urnas cada um. Sem que qualquer um percebesse. Não é
razoável acreditar na possibilidade.
Quando a votação se encerra, o presidente
da mesa ordena que a urna imprima cópias do boletim. Ali está, no papel, o
número de votos registrados para cada candidato e partido naquela urna. Esse
documento é afixado na porta da zona eleitoral, em público. Se você, eleitora
ou eleitor, quiser confirmar que seu voto para um candidato obscuro a deputado
estadual foi registrado, basta passar no local em que votou e confirmar que
pelo menos um ponto ele garantiu.
Já houve eleições municipais em que
prefeitos celebraram vitória antes de haver resultado oficial, simplesmente
porque os fiscais do partido foram mais ágeis que o TRE. Somaram os votos de
boletim em boletim. Foi o que ocorreu em Jaboticabal, interior de São Paulo, em
2020. O prefeito que fez festa, aliás, é do PL de Bolsonaro.
Além do registro em papel, o presidente de
mesa também grava os resultados num pen drive que tem assinatura eletrônica e é
criptografado. Essa mídia é transportada fisicamente para uma das centrais
locais da Justiça Eleitoral, onde, após a assinatura ser checada para garantir
que não houve adulteração, os dados são mandados para Brasília. Para a sede
do TSE.
Como? Por satélite, numa rede privada que o tribunal contrata e, claro, não
está conectada à internet.
Em Brasília, os votos chegam a um
supercomputador da Oracle que presta um serviço chamado, no jargão técnico, de
cloud on-premise. Nuvem no seu local. Sim, se chama nuvem. Mas tem esse nome
porque é uma infraestrutura como a de nuvem, porém privada. Colocada no
escritório do cliente que busca, justamente, a certeza de que não é possível
violar via internet seu sistema.
Bolsonaro, por causa disso, sugere que os
dados estão na nuvem. Não, não estão. Fala de uma sala secreta — a contagem
ocorre dentro de um computador, não de uma sala.
Vários estados americanos, todos
republicanos, fazem eleição digital sem voto impresso, parcial ou integralmente.
Várias cidades francesas. São os dois países que inventaram a democracia. Não
se trata de uma jabuticaba brasileira. A eleição é segura. E Bolsonaro,
obviamente, está com medo de perder.
É apenas medo e vergonha de perder.
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