Folha de S. Paulo
Bobagens
e mentiras ditas contam com ingenuidade internacional que só existe na cabeça
do fanático
O
mais novo espetáculo
patrocinado no Palácio da Alvorada nesta segunda-feira (18)
representa uma manifestação clara de que nem mesmo Jair
Bolsonaro (PL) parece apostar que a PEC dos
benefícios sociais —espécie de última cartada eleitoral em
paralelo à escalada do discurso golpista— será suficiente para lhe dar
condições de obter mais quatro anos de governo.
Diferente
fosse, muito possivelmente o candidato à reeleição se prestaria a outras
tarefas que não a de reunir algumas dezenas de embaixadores estrangeiros à sua
frente para repetir, dessa vez em uma aparentemente ensaiada fala mansa, o amontoado
de bobagens e mentiras que ele costuma dizer geralmente aos
gritos.
Ninguém
que esteja com boas perspectivas de conseguir se manter no poder investe assim
em tentar bagunçar o coreto.
Ao
que tudo indica, Bolsonaro conduz um plano cujo objetivo é repetir em 2022
o 7 de Setembro
pré-apocalíptico que ele e fanatizados promoveram no ano
passado.
Para isso, conta com a cumplicidade interesseira que o centrão lhe proporciona desde 2020, o apoio de uma considerável massa fanatizada e a subserviência de alguns fardados na teatralidade de apontar consertos àquilo que ninguém jamais provou estar estragado.
No
capítulo dessa segunda, buscou-se aparentemente angariar apoio internacional
para uma virada de mesa que ele e aliados incrivelmente anunciam desde antes da
posse, em 2019.
Para
isso, parte-se do pressuposto de que a comunidade internacional é formada por
um conjunto de líderes, analistas e diplomatas ingênuos o suficiente para cair
no rosário de deturpações e memes de internet sobre fraudes nas urnas
eletrônicas —mentira que só habita a cabeça de fanáticos, além do discurso de
jornalistas militantes do bolsonarismo.
Se
a via de uso da caneta presidencial para tentar decolar nas pesquisas não
surtiu efeito por ora, resta a da pavimentação do golpe —que mesmo na hipótese
de não ser tentado traz em si um lamentável dano institucional e democrático
simplesmente por ser considerado.
O
mesmo ambiente que permite brotar a pregação golpista, porém, é aquele que a
tem reprimido.
Em
instantes, quase que concomitantemente à fala de Bolsonaro, qualquer pessoa
letrada —e certamente a comunidade internacional está incluída nessa categoria—
consegue confirmar que, sim, é mentira que muitas pessoas que queriam votar no
17 (o número dele) em 2018 foram obrigadas a confirmar o 13 (o do petista Fernando
Haddad).
O
TSE já demonstrou várias vezes que o problema apontado nos intrigantes vídeos
ocorreu por causa de um erro cometido pelos eleitores que gravaram as imagens,
não por causa da urna. Eles usaram o número de Bolsonaro para votar para
governador, num estado em que o partido de Bolsonaro não tinha candidato, antes
de votar para presidente.
Qualquer
um também que esteja momentaneamente carente de senso lógico por si só,
consegue checar com um ou dois cliques que também é mentira que inquérito da
Polícia Federal tenha mostrado que hackers têm o poder de "alterar nome de
candidatos, tirar voto de um e mandar para o outro" durante as eleições.
E
também que é mentira que observadores internacionais que acompanham as eleições
não podem analisar a integridade do sistema, porque não há voto impresso.
E
também que é mentira outras tantas bobagens já desmontadas e desmentidas pelo
TSE, por especialistas, por reportagens ou pelo simples bom senso.
O
que restou de saldo do espetáculo bolsonaristas desta segunda é nada mais do
que mais um vexame internacional.
Assim
como o plano para ganhar corações e mentes no estrangeiro, as outras
estratégias pró-golpistas encontram aqui no Brasil amparo tão somente em
franjas radicalizadas e desprovidas de um mínimo de lucidez ou caráter. Ou dos
dois em determinados casos.
Só
loucos se baseariam nesses alicerces mambembes para tentar uma ruptura
institucional, ou em palavras mais diretas, um golpe de Estado. Mais loucos
ainda acreditariam que, uma vez tentada, essa ruptura se manteria de pé.
Mesmo
para quem indica não ver limites à sua frente, é preciso haver sustentação robusta,
caso contrário o arroubo não passará de baderna. O que não tira a gravidade da
situação, vide a
invasão do Capitólio provocada pelo trumpismo.
O
espetáculo de vergonha alheia a que se prestou Bolsonaro nesta segunda, porém,
mostra que ele e muitos dos seus aliados parecem não se intimidar. O show do
Bolsonaro fala mansa mostra que infelizmente ele segue —a despeito de qualquer
lógica ou senso do ridículo— tentando fazer aqui o que o ídolo Donald Trump não
conseguiu fazer lá.
Vergonha alheia mesmo,pena que ele não tem vergonha nenhuma.
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