O Globo
Quando historiadores forem analisar o
governo Jair Bolsonaro, um dos fatores sobre o qual terão de se debruçar é o
fato de como a incompetência extrema do presidente e de seus auxiliares é
constantemente premiada com colheres de chá que acabam por premiar a falta de
planejamento.
A aprovação de afogadilho de um enorme
cheque em branco eleitoral para o presidente distribuir grana viva às vésperas
da eleição, ao arrepio flagrante da Constituição, da lei eleitoral, da Lei de
Responsabilidade Fiscal e do teto de gastos é só a mais recente dessas
incompreensíveis ajudas que Bolsonaro, mesmo deixando claras suas piores
intenções, consegue receber de todos, inclusive da oposição.
Foi assim com a PEC que promoveu a pedalada
descarada nos precatórios, que nada mais são que dívidas transitadas em
julgado; com a mais recente emenda que promoveu uma tunga no ICMS de Estados e
municípios apenas para conter o faniquito do presidente para baixar o preço dos
combustíveis de forma terceirizada, e que, como previsto não foi efetiva; com
as sucessivas e inimagináveis intervenções na direção da Petrobras, que
acontecem sem que ninguém tente impedir, entre outros episódios recentes e mais
remotos.
Agora o Senado acaba de dar lastro ao desespero eleitoral de Bolsonaro, fornecendo a ele uma vantagem econômica absurda em relação aos adversários. Como cria uma narrativa chantagista de que se trata de combater a fome, a insegurança alimentar e a perda de renda provocada com a inflação — como se todos esses flagelos reais não fossem obra continuada justamente da inoperância do governo e de sua capacidade de planejar medidas de longo prazo — o governo consegue fazer com que um rombo de R$ 40 bilhões para promover benesses eleitoreiras seja aprovado praticamente por unanimidade, com beneplácito inclusive do PT.
É uma condescendência inédita, que pode vir
a se mostrar um erro político fatal. Qual a segurança que os partidos que se
dizem opositores aos arbítrios de Bolsonaro têm de que incluir milhares de
beneficiários de um auxílio turbinado artificialmente justamente no período
eleitoral não vai resultar, sim, em crescimento das intenções de voto no
presidente?
A curva da popularidade de Bolsonaro
enquanto pessoas morriam diariamente na casa do milhar no auge da pandemia
subiu, justamente porque o auxílio emergencial foi injetado na veia dos mais
pobres.
Introduzir na disputa eleitoral tamanho
instrumento de abuso de poder econômico é uma irresponsabilidade que o
Legislativo comete, cooptado pela mensagem populista de que existe uma
emergência hoje, como se a Guerra da Ucrânia não tivesse sido deflagrada há
meses, como se a inflação não consumisse a renda dos brasileiros fortemente
desde o ano passado, mais acentuadamente.
Bolsonaro nunca reconheceu de público o
fato de que o Brasil voltou ao mapa da fome. Justamente porque isso é um
atestado da falência de seu governo em promover o mínimo de equidade social.
Mas agora usa essa chaga para conseguir uma
carta branca que, não fosse o grito da imprensa e de uns poucos expoentes mais
corajosos de uma oposição anestesiada, teria sido ainda mais escancarada,
abrindo brecha, inclusive, para medidas de exceção para além das econômicas.
O PT e os demais partidos de oposição, não
é a primeira vez que assinalam, parecem dar Bolsonaro como cachorro morto.
Alguém que se lança de forma tão despudorada em um vale-tudo eleitoral não pode
ser desconsiderado. Ele não está, sequer, disposto a reconhecer a derrota caso
ela seja confirmada nas urnas. Isso mostra o que está resoluto a perpetrar até
lá. Sempre com um empurrãozinho de quem deveria justamente pará-lo.
Verdade,é um despudor sem fim.
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