O Globo
Os últimos dias foram marcados por dois
movimentos — de origens distintas, mas muito similares na forma e no
significado — de investida de partidos e grupos eminentemente masculinos para
retirar de cena a candidatura de mulheres à chefia do Executivo.
Tanto a senadora Simone Tebet,
pré-candidata do MDB à Presidência, quanto a governadora do Ceará, Izolda Cela,
do PDT, são consideradas inapropriadas, fracas, incapazes pelos dirigentes de
seus partidos, todos homens, para disputar e vencer as eleições. Melhor
descartá-las, deixar essa coisa de candidata mulher ou para ornamentar chapas
como vices vistosas ou para uma outra hora.
Não se trata de discutir a viabilidade eleitoral de uma e de outra. Tebet enfrenta, na disputa presidencial, a mesma dificuldade de todos os outros postulantes homens para se colocar diante da cristalização das preferências eleitorais por Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Mas o questionamento e as investidas contra sua permanência no páreo são muito mais ostensivos, sem cerimônia e graduados que os feitos contra João Doria, que se davam às escuras, nos bastidores.
Luciano Bivar patina mais que a senadora
nas pesquisas, não apresenta a mesma disposição que ela em abordar vários
temas, mas não enfrenta a tentativa explícita de aniquilação que exercem contra
ela os principais caciques do velho MDB. Por quê? Porque ele é o dono do União
Brasil, administrador da massa falida do PSL, anabolizada pelo bolsonarismo,
cujo polpudo fundo eleitoral ficou para ele administrar. E porque é homem,
então o espírito de corpo dos cavalheiros da política impede que seja rifado em
praça pública, com direito a foto, como fazem com ela.
E o que dizer da governadora do Ceará?
Assim como outros tantos vices, assumiu a cadeira depois da renúncia do petista
Camilo Santana. A dobradinha entre eles foi fruto de uma longeva e bem-sucedida
parceria entre PT e PDT no estado, que vem resistindo até aos atritos entre
Ciro Gomes e o lulopetismo no plano nacional.
Mas, mesmo contando com o apoio do
antecessor e tendo um invejável currículo como gestora pública à frente da
revolução educacional promovida primeiro em Sobral, depois no estado, pelo
próprio grupo político dos Ferreiras Gomes, Izolda Cela foi descartada.
Foi derrotada em votação do diretório
estadual do PDT por 55 a 29, uma decisão de que Ciro e Cid Gomes procuram de
toda forma se desvincular. Democrático? Certamente. Mas não há como negar que,
num grupo tão vinculado a seus líderes como é o PDT cearense, a orientação
política define um processo como esse.
Bem antes do desfecho de agora, Ciro já
apresentava o ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio, outro gestor de
indicadores positivos, aliás, como “futuro governador do Ceará”. Fez isso na
Brazil Conference, em Boston, em abril.
O fato de estar no cargo deveria dar a
Cela, como dá a todo governador homem em toda parte, a prerrogativa de disputar
a eleição. Ela poderia se tornar a primeira mulher governadora de um estado em
que um candidato bolsonarista, Capitão Wagner, já disputou com chance a
prefeitura da capital e agora desponta nas pesquisas. Esse deveria ser um
projeto abraçado por siglas de esquerda que, no discurso, enchem a boca para
defender maior representatividade de gênero na política.
Mas, na hora do vamos ver, a defesa da maior participação feminina nas disputas vai ficando para depois. As dificuldades de Tebet numa eleição em que a disputa entre Lula e Bolsonaro se mostra fato consumado e de Cela diante de um candidato que desfilará todo o léxico bolsonarista na campanha não são diferentes das de outros candidatos. Mas os obstáculos que vão impedindo que elas figurem na cédula não são os mesmos que se apresentam quando os postulantes são homens. Essa é mais uma das nossas muitas lacunas democráticas.
Os bolsonaristas diriam que o jogo político é coisa pra macho.
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