Folha de S. Paulo
Premiês renunciam, ganham de pouco de
extremistas ou caem pelas tabelas, como Biden
No alto da página do "New York
Times" na internet, do lado esquerdo estavam as notícias do pânico no
Partido Democrata com o risco de derrota feia na eleição de novembro. Do lado
direito, uma reportagem dava 19 receitas para comer bem gastando menos. Estava
assim o NYT no início da noite de quinta-feira (14).
Receitas de comida boa e barata não são lá
coisa incomum em jornais. Mas pareceu estranho. O leitor do NYT não é
exatamente pobre, para abusar do eufemismo ou da lítotes.
Joe Biden vem sendo quase chamado de gagá ou mentalmente incapaz nos textos de opinião de jornais da direita, mesmo de qualidade, como o "Wall Street Journal". Mas é de fato penoso ou constrangedor assistir a discursos ou a entrevistas de Biden. Ainda assim, isso é problema menor, dado o enrosco.
Segundo pesquisa encomendada pelo NYT, a
taxa de aprovação de Biden é de 33%. No final do mandato, antes do golpe do
Capitólio, Donald Trump tinha cerca de 40% em pesquisas mais reputadas.
A inflação
americana está em nível brasileiro, de 9,1% por ano, a maior em 40
anos. O preço médio da gasolina aumentou 46% em um ano. Nos EUA, gasolina cara
assim é como quebrar as pernas das pessoas.
Apenas 30% dos americanos tinha mais de dez
anos de idade quando houve carestia similar. Não importa que a taxa de
desemprego esteja na mínima. Economia e emprego são os assuntos de maior
preocupação. Pouca gente vira tamanha alta de preços.
Biden assumiu com planos de fazer uma
"Presidência transformadora", como se diz por lá, com um programa de
investimento público em infraestrutura, transição verde e benefícios
sociais universais (o que não pega bem para boa parte do país, vide a
implicância visceral com saúde pública). Agora, mesmo no governo Biden há gente
importante que atribui parte da inflação ao gasto público extra. Se é verdade,
não vem ao caso agora, em termos eleitorais. Biden também está sendo frito por
isso.
Parte dos planos foi caindo pelas tabelas
ou aos pedaços, bloqueada pelo Partido Republicano e por dissidentes
democratas, dissidência desastrosa, pois as maiorias legislativas dos
democratas são mínimas. A divisão do Partido Democrata vai bem além e piora,
com alas "esquerda" e "centrista" que menos e menos
conversam (mais e mais se detestam, na verdade), com centristas sem imaginação ou
francamente conservadores e uma esquerda cirandeira além da conta.
O buraco americano fica ainda para baixo,
como em quase toda parte, em parte grande por causa da ira contra o sistema
político, que muita vez toma a forma de extremismo de direita. Governos caem
pelas tabelas. Não é também incomum, claro, mas não se vê como possa haver
política mais estável ou, para falar francamente, reforma civilizatória.
Cai um salafrário como Boris Johnson, o
premiê conservador do Reino Unido, como está para cair (ofereceu renúncia) uma
pessoa razoável como Mario Draghi, na Itália. Emmanuel Macron correu risco
sério de perder a eleição para a extrema direita e já começou o governo com o
filme queimado e maioria pequena na Assembleia Nacional.
A guerra de
Putin na Ucrânia botou mais lenha no fogo da crise que vinha da
epidemia, que varreu um mundo deteriorado por crises financeiras, que
degradaram ainda mais uma situação social tensa e de desigualdade crescente faz
40 anos. As redes sociais animaram a disseminação da revolta contra o sistema,
com ou sem aspas.
Se queres um monumento, olha em torno: além da situação socioeconômica, política e institucional dramática, quem assumir em 2023 no Brasil deve levar em conta que a chapa está quente pelo mundo. Mais risco de fritura por aqui também.
O mundo está pelas tabelas.
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