Folha de S. Paulo
Elemento que ocupa a Presidência desativa instituições e pode delinquir no cargo
O golpe de Jair
Bolsonaro está em curso pelo menos desde o início de 2020. Ficou
explícito na reunião
ministerial de 22 de abril daquele ano, como se viu no vídeo publicado
por ordem do STF. O progresso golpista está evidente no fato de que um
delinquente como Bolsonaro pode cometer crimes de responsabilidade em série e
impunemente. Nem sequer é processado por isso.
Agora, gente de Brasília diz que pedidos de
processos contra o mais
recente vomitório antidemocrático não apenas vão dar em nada, bidu,
como não é conveniente que deem em alguma coisa. No momento, segundo essa tese,
seria como dar trela à conversa de que há uma conspiração, uma tentativa de
cassar a candidatura de Bolsonaro, um temor real e declarado do elemento que
ocupa a cadeira de presidente da República.
Isto é, no fim das contas, melhor deixar
quieto, em uma espécie de resignação tática.
No entanto, assim, a campanha golpista progride, a situação política se degrada e o caminho fica aberto para a próxima tentativa de arruinar a democracia. Tudo se passa como se, não havendo propriamente institucionalização do golpe (uma ordem autoritária formalizada), a ordem democrática não se desvanecesse. Mas se desvanece. Bolsonaro, ao menos até agora, opera por meio da desativação das instituições da democracia, de Estado etc.
A Procuradoria-Geral da República não
existe para os fins a que se destina. A Polícia Federal foi desarticulada. Com
outros objetivos imediatos, a Saúde, a Educação, o Ibama, a Funai, a Receita, o
Coaf ou o Itamaraty fossem lobotomizados ou transformados em órgãos de
propaganda.
O Congresso se tornou um instrumento de
partido, no sentido amplo, do centrão. Sim, é óbvio que maiorias governistas
votam com o governo. Mas o Congresso sob a regência do centrão-bolsonarismo se
tornou um instrumento de desmonte ou apropriação do Estado, do vale-tudo, da
avacalhação legal, do regimento legislativo à Constituição.
Para se manter no cargo, Bolsonaro entregou
à Câmara o que resta de aparência de governo, que, nas mãos de Arthur Lira
(PP-AL) e outros cúmplices, é um meio cru de eternização no poder.
Se diz por aí que não haverá golpe no
sentido estrito. Primeiro, porque as Forças Armadas não teriam interesse ou
teriam receio de se apoderar de um país dividido ou não seriam mais adeptas de
ditadura à moda antiga. Segundo, porque os próprios parlamentares não teriam
interesse em desmoralizar as urnas que os levaram ao Congresso ou temem a perda
de poderes em uma ditadura "tout court".
Suponha-se, por mero exercício otimista,
que as coisas sejam simples assim. Bolsonaro não tem escrúpulo algum e
prosseguirá em sua campanha golpista.
Caso seja capaz de algum cálculo racional,
pode desistir de quarteladas ou de sublevações populares violentas caso esses
ataques subversivos não tenham poder suficiente de dar a Bolsonaro o que ele
quer. Mas a fedentina da chantagem, da ameaça, empesteia cada vez mais o ar.
Na última hora, Bolsonaro pode tentar
trocar a ameaça de baderna por um acordão, com o Congresso, com o Supremo, com
tudo. O delinquente e seus cúmplices generais sairiam impunes, anistiados, em
retirada, para reorganizar tropas e voltar ao ataque assim que possível.
Os generais "legalistas"
barganhariam a continuidade da boquinha rica e a tutela militar permaneceria,
um pouco como ocorreu no início da dita Nova República, que estaria ainda mais
morta nesse estado de sítio eternizado, sob a ameaça permanente da horda huna
bolsonarista impune.
Fato,o golpe tem sido contínuo e permanente.
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