Folha de S. Paulo
Inflação e desemprego caem até outubro, mas
emprego precário é problema para governismo
O índice
de infelicidade é uma medida muito simplesinha de mal-estar econômico,
mas diz alguma coisinha sobre o prestígio dos governantes. É a soma da taxa
de inflação com a taxa
de desemprego, uma ideia do economista americano Arthur Okun (1928-1980).
Em geral, também a popularidade
de presidentes brasileiros varia com esse índice de infelicidade ou
sofrimento ("misery index").
O índice de sofrimento econômico começou a
cair por volta de março e deve baixar ainda mais. Parece plausível que a
popularidade de Jair Bolsonaro (PL) tenha saído do fundo do poço, a partir do
início do ano, por causa do aumento do número de pessoas com algum trabalho.
Como qualquer outra explicação simplesinha, o recurso apenas ao índice de sofrimento dá em besteira grande. Mas não convém desprezar as manhas e os efeitos da inflação e do emprego na conversa política.
Apesar de saírem do fundo do poço, a
avaliação e a votação de Bolsonaro melhoraram muito pouquinho até agora, mesmo
com menos padecimento econômico e com o anúncio do Auxílio
Brasil mais gordo. Não quer dizer que inflação menor, mais emprego e o
dinheiro dos benefícios na mão não possam levar mais votos para Bolsonaro.
Do ponto de vista da campanha bolsonarista,
é suicídio eleitoral esperar para ver, porém. Algo precisam aprontar. A persistência
da liderança folgada de Lula da Silva (PT) pode provocar uma debandada
de candidatos e aliados. Mais do que perder apoios de políticos, que podem não
contar grande coisa no mundo de redes sociais, Bolsonaro pode ver o
desaparecimento de outros candidatos a presidente e seus votos, votos que
garantam ao menos que sobrevenha um segundo turno.
Antes dos estelionatos eleitorais,
previa-se inflação de 10% ao ano até às vésperas do primeiro turno. Agora,
prevê-se 8%. A taxa de desemprego e o número de pessoas ocupadas melhoram muito
mais rápido. Isso em um ambiente em que a força de trabalho e o nível de
ocupação (pessoas em idade de trabalhar que têm emprego) voltaram às médias de
2012 a 2019. A taxa de desemprego no final deste ano pode ser a menor desde
2014.
Mas o nível de preços, ainda mais em coisas
básicas como comida, está em patamar horrível. O valor real do salário médio é
ainda o menor da década. Pelo menos até 2021, o massacre do trabalho foi muito
maior para os 30% mais pobres.
Por onde quer que se olhe, salário médio,
dos mais pobres ou por custo unitário do trabalho (salário médio por unidade de
produto, em reais ou em dólar), o trabalhador está a preço de liquidação.
Talvez, por isso, empresas contratem mais (pode ter havido ainda redução de
outros custos do trabalho com a reforma trabalhista).
Nos dois meses até o primeiro turno, há
pouco tempo para melhoria extra significativa no emprego e baixa maior na
inflação, ainda que o salário agora despiore rapidamente. Em dezembro de 2021,
o salário médio real caía a 11% ao ano; em junho, a 5%. A partir de agora,
chegam também contas de luz menos salgadas e vai pingar o Auxílio Emergencial.
O esfriamento da economia ficou para o final do ano.
Por fim, note-se o óbvio: a campanha para
valer, violenta, começa apenas em fins de agosto. Vamos ver ainda o conflito
religioso e outras "guerras culturais", a conversa com a massa de
eleitores que mal viveu sob Lula, a expectativa do que vai ser o futuro da
renda dos pobres, a mentira digital e quem sabe até massa e violência na rua. É
quase sempre difícil antecipar o mote final, decisivo, das campanhas.
Este colunista volta no final de agosto para ver esse sururu tétrico. Até lá, férias.
Tomara que a mudança no eleitorado não seja significativa.
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