O Globo
Militante comunista foi morta há 80 anos na
câmara de gás; tribunal concordou que ela fosse entregue à Alemanha nazista
pelo governo Vargas
A ministra Cármen Lúcia propôs que o
Supremo Tribunal Federal peça perdão pela deportação de Olga Benário. A
militante comunista estava grávida quando o tribunal autorizou o governo de
Getúlio Vargas a entregá-la à Alemanha nazista. Sua morte na câmara de gás
completou 80 anos em abril.
O processo de Olga reúne algumas das
páginas mais sombrias da história do Supremo. Em março de 1936, a
revolucionária alemã foi presa no Rio com o marido, Luís Carlos Prestes. Os
dois eram procurados desde o levante frustrado na Praia Vermelha, no ano
anterior. Para atingir Prestes, o governo resolveu expulsar Olga. Nas palavras
do então ministro da Justiça, Vicente Rao, ela seria “perigosa à ordem pública
e nociva aos interesses do país”.
Na tentativa de salvá-la da Gestapo, o advogado Heitor Lima apostou numa estratégia incomum. Em vez de alegar sua inocência, apenas reivindicou que ela continuasse presa no país. Argumentou que a alemã estava grávida de um brasileiro, e que o bebê também seria punido com a deportação. Ele ainda sustentou que a cliente teria desistido da revolução para se dedicar à maternidade. Assim, seria a única pessoa capaz de “regenerar” o lendário Cavaleiro da Esperança.
“Só uma mulher poderá operar esse milagre”,
afirmou o advogado, em texto sintonizado com os costumes da época. A
companheira de Prestes teria três tarefas: “curá-lo da psicose bolchevista”,
“atraí-lo ao âmbito da família” e “estimulá-lo para o serviço da pátria”. O
Supremo não se sensibilizou e entregou Olga aos carrascos. Ela estava grávida
de sete meses quando foi embarcada no cargueiro para Hamburgo.
Os ministros sabiam que a expulsão da
comunista de origem judaica equivaleria a uma sentença de morte. Mesmo assim, o
relator do caso, Bento de Faria, limitou-se a anotar que o instituto do habeas
corpus estava suspenso por decreto presidencial. Getúlio ainda não tinha dado o
golpe do Estado Novo, mas já governava com poderes semiditatoriais. O Supremo
poderia confrontá-lo, mas escolheu lavar as mãos.
Sete ministros não conheceram o pedido de
habeas corpus. Três o admitiram, mas negaram manter a ré no país. “É muito
chocante para mim, como juíza, o fato de que a decisão foi dada em apenas três
parágrafos, sem fundamentação. Não houve nenhum voto favorável à permanência de
Olga, e assim ela foi expulsa do Brasil”, resumiu a desembargadora Simone
Schreiber no último dia 19, no Centro Cultural da Justiça Federal.
O caso foi debatido no mesmo salão em que
os ministros selaram o destino da alemã. “Olga não pôde nem assistir ao
julgamento”, lamentou a historiadora Anita Leocádia Prestes, que fez a viagem
de navio na barriga da mãe. Ela nasceu num campo de concentração e foi entregue
à avó paterna com um ano e dois meses de idade. Sobre a deportação, a
professora sentenciou: “O principal responsável foi Getúlio Vargas. O Supremo
foi conivente”.
No CCJF, Cármen Lúcia definiu o processo
como uma “página trágica” na história do tribunal. “Ainda que seja ineficaz do
ponto de vista humano ou jurídico, o Supremo precisa pedir perdão”, afirmou. A
ministra disse que ditaduras são “pródigas em promover desumanidades”. “É bom
que se lembre sempre disso”, frisou.
A ideia do perdão a Olga poderia ser
encampada pela ministra Rosa Weber, que assume a presidência da Corte em
setembro. “O Supremo nunca fez um mea culpa sobre o caso. Isso seria muito
interessante”, avalia o escritor Fernando Morais, biógrafo da militante
assassinada em 1942.
Em meio a tanta barbárie um lampejo de civilização.
ResponderExcluirEsses perdões coletivos ou institucionais são bons para melhorar a consciência da humanidade na direção da construção de um mundo mais humano e solidário. Para o STF seria uma excelente oportunidade de purgar um momento de pusilanimidade e covardia. Os americanos também precisam pedir desculpas ao povo japonês pelas duas bombas atômicas jogadas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki. Se mão quiserem assumir a pecha de terroristas fardados.
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