sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Carlos Andreazza - Lula e 'a garantia sou eu'

O Globo

Ex-presidente foi bem em entrevista ao Jornal Nacional. Teria ido muito melhor se não confiasse tanto em sua autoridade histórica como fiadora de um futuro

Lula esteve muito à vontade na entrevista ao Jornal Nacional. Falo em termos de tom; de soluções para enfrentar as perguntas. A rigor, é o que interessa em eventos assim. Menos o que se responde, o que se chama de conteúdo, inclusive com propostas; mais a forma como se leva a resposta para um campo confortável. Ele é mestre nisso. Campo confortável, em resumo: fui o melhor presidente da história do Brasil e sei como cuidar do povo.

O senão terá sido o início. Falo de percepção. Pode ser a lista gigantesca que for. Dezenas de benfeitorias a citar. Não fica bem percebido o entrevistado que baixa a cabeça para ler cola. Ficou estranho. Foi o único momento de nervosismo e titubeio. E diga-se que o ex-presidente respondia a uma questão sobre corrupção que lhe fora endereçada praticamente o eximindo de responsabilidade sobre crimes havidos em seu governo. Os adversários dirão que foi bola levantada na ponta. Os fatos confirmam que, não havendo mais condenação pela Justiça, o sujeito é inocente.

Foi o que baseou a pergunta de abertura, gerando algum conforto ao entrevistado; e, ainda assim, Lula demorou a encontrar o prumo. Encontrou atacando. Atacou o Ministério Público, o instituto da delação premiada e um conjunto de operações que teria destruído o setor de construção civil nacional, levando consigo muitos empregos. Foi quando – e só dessa vez – pareceu se exaltar.

Depois disso, nadou de braçada. A ponto mesmo de só responder sob argumento de autoridade histórica – eu sou o fiador do governo que farei. Não preciso apresentar propostas. O governo será uma surpresa. Mas ele garante que será surpresa boa. Problema: nem todo mundo – aquele cidadão de cujo voto precisa – tem boa memória sobre o governo que fez. Nem todo mundo tem memória a respeito; os que não eram nascidos ou eram crianças. E mesmo os que têm memória positiva: será suficiente, vinte anos depois? Nem todo mundo, portanto, considera razoável que o histórico – ainda que de sucesso – baste para lastrear futuro. Mas assim foi, com muito charme, entusiasmo e fé: confie que eu farei bonito; só não acho que preciso lhe dizer o que e como.

Sobre a lista tríplice para a indicação de procurador-geral da República, se a respeitará como no passado, ou se agirá como Bolsonaro, avaliou ser aceitável dizer que prefere, por ora, deixar o Ministério Público com uma “pulguinha atrás da orelha”. Por quê? Para quem quer votos, deveria ter entendido que plantaria a pulguinha também naqueles que não são antipetistas.

Não entendo o que se pretende com esse planejamento secreto.

Qual o problema em dizer o que fará? Por que não apresentar propostas claramente? Essa mesma modalidade de “a garantia sou eu” se aplicaria ao que projeta em matéria de política pública para economia. Com uma ressalva: um espectador generoso poderá ter lido o enigma sobre o caminho que Lula seguirá a partir de críticas modestas a escolhas econômicas de Dilma Rousseff. Nada muito conclusivo, porém.

Se pensa mesmo que pegou um país quebrado em 2003, a “herança maldita” de FHC, talvez não esteja apetrechado para medir o que espera o próximo governante em 2023. Preocupa.

Registre-se que foi eficiente em plantar que, observando a LDO enviada ao Parlamento, está escrito que Bolsonaro não pretende manter o Auxílio Brasil em R$ 600; o que só faria agora por razões eleitoreiras. Isso ecoa.

Muito conclusiva, com efeito, foi a escolha por dar protagonismo à parceria com Geraldo Alckmin. Grande acerto estratégico. O Brasil que dialoga; que une divergentes. Eis o recado. Embora não fosse assim tão bonito, e eu me lembro de Lula pregando a extirpação de um partido de oposição, a construção de um tempo em que éramos felizes – adversários, não inimigos – produz imagens eficientes.

O discurso sobre a necessidade de o Brasil voltar a ter estabilidade também resulta. Pega na veia. São muitos os exaustos – os que não conseguem se planejar – por obra de um presidente que é gerador permanente de imprevisibilidades. Lula passa uma estranha segurança, produto desses tempos: a de que somos capazes de prever os erros do PT. Isso virou ativo.

O grande momento da entrevista: foi especialmente bem ao falar de orçamento secreto para cravar que Bolsonaro não manda. Golpe duro na ideia do mito. Lula encaixou, a partir do que seria uma subordinação a Arthur Lira, um Bolsonaro fraco. Pouco importa que não seja bem assim e haja muitas nuances na sociedade entre os presidente da Câmara e da República. Não importa. Chamou Bolsonaro de bobo da corte. Machucou. É o que fica.

Fica também que não tem noção sobre como enfrentar o advento do orçamento secreto. Na hipótese de que o queira enfrentar. A lembrança do mensalão não nos permite descartar o pacto via emenda do relator como uma maneira de Lula governar.

A título de nota final, não existe autodeterminação para um povo sob ditadura.

 

4 comentários:

  1. Se abrir muito a boca acabará perdendo, porque ele é chato demais. Não o suporto mas entre ele e o Bolsonaro eu fico com ele. É menos maligano.

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  2. É será que ele vai roubar como roubou no passado? Para meu presidente falta vergonha na cara.
    O outro, falta tudo, é um acidente de percurso.

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  3. Nem é escolha de Sofia é escolha entre dois imorais bestalhoes. Cada um mais insuportável do que o outro. Mas a Corte disse que está bem. Agora imagina essa Corte.

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  4. Bolsonaro só piorou o Brasil. É muito desumano e incompetente. Tinha tido 7 mandatos como deputado e não aprovou um projeto decente, suas participações sempre foram agressivas ou provocativas, é incapaz de construir políticas públicas ou planejar a administração. Governou com milicianos e religiosos safados...

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