sexta-feira, 26 de agosto de 2022

César Felício - A polêmica da renda nas pesquisas eleitorais

Valor Econômico

Divergência entre os institutos não muda tendência geral

Na pesquisa mais recente do Ipec, há 47% de eleitores com renda até dois salários mínimos no Estado de São Paulo. No levantamento do Datafolha, são 41% neste recorte. A pesquisa paulista do Ipespe constatou 36% de eleitores na renda mais baixa. A do Ideia, 35%. A da Quaest, 25%, mesmo percentual usado pela AtlasIntel. Quem está certo?

Nenhum segmento medido nas pesquisas de opinião, nem mesmo a autoidentificação de gênero, é esculpido sobre a pedra. Tudo é variável, mas talvez nada seja tão fluido quanto a renda. A renda familiar é afetada com uma separação, a perda de um emprego, o nascimento de um filho.

Dada a diferença de perfil entre os eleitorados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente Jair Bolsonaro, a diferença não é trivial. A base lulista está entre os pobres. A menor quantidade de pobres pode afetar diretamente o seu percentual em pesquisas de intenção de voto.

A diferença existe porque os institutos partem de premissas diferentes. Ipec, Datafolha, Ipespe e Ideia apuram o percentual de renda dentro da própria amostra. Ou seja, fazem as entrevistas e levantam junto aos pesquisados de qual renda dispõem. O resultado depois passa por uma ponderação.

No caso do Quaest e do Atlas a metodologia é diferente. Estes institutos colocam como controle amostral a cota de renda, pré-definindo-a de acordo com a pesquisa Pnad contínua do IBGE de 2022. Um artigo de Felipe Nunes, do Quaest, publicado no jornal “O Globo” em 8 de agosto, expôs seus argumentos a favor deste critério. Essencialmente, ele diz que a Pnad contínua, com atualização trimestral, é o melhor dado oficial disponível sobre o tema.

Andrei Roman, do Atlas, vai pela mesma linha. “Usar o critério probabilístico funciona pior para aferir isso. Os hábitos associados a renda no Brasil são diferentes e há evidências nas pesquisas de 2020 de que a população de baixa renda no Brasil é superestimada”, justificou.

Foi a Pnad contínua que constatou que em São Paulo apenas um em cada quatro cidadãos ganha menos de dois salários mínimos. Em nível nacional, este percentual sobe para 38%. Ou seja, quase dois terços da população eleitora no Brasil teria renda familiar acima deste patamar. Há quem veja o dado do Pnad como a pedra angular, há quem o receba com desconfiança.

Segundo Márcia Cavallari, do Ipec, a dificuldade de cálculo existe mesmo nos números oficiais. “A mensuração precisa da renda é bastante sensível, pois os entrevistados tendem a subestimar sua renda quando ganham muito, ou tendem a superestimar sua renda quando ganham pouco, além daqueles que não respondem”.

A pesquisadora diz que a ponderação é feita com o cruzamento de outras variáveis, estas sim consideradas no controle da cota amostral, como gênero, domicílio eleitoral e idade.

A tendência do entrevistado em ser pouco preciso ao falar de sua renda, mesmo no Pnad, é reconhecida por Felipe Nunes, da Quaest. Ele não acredita, no entanto, na extrema fluidez do indicador. “Ao longo dos anos os dados da Pnad indicam relativa estabilidade em relação a este recorte”, afirma.

Luciana Chong, do Datafolha, afirma que o dado da Pnad tem o grande problema de ser a fotografia de um momento, e que poucas coisas variam tanto quanto a renda familiar.

“As flutuações são grandes. Em nível nacional, a faixa até dois salários mínimos pulou de 48% para 60% no momento em que o pagamento do auxílio emergencial foi suspenso”, conta Chong. Atualmente, com o auxílio restabelecido, o percentual que o Datafolha trabalha no Brasil como um todo é de 51%, dez pontos percentuais acima do paulista. “Com tal nível de oscilação, como poderemos usar uma cota que não mude?”, indaga.

Para Luciana Chong, a renda da população é algo tão fluido que a própria pesquisa Pnad está desatualizada. Ela diz ver com estranheza, à luz das pesquisas que analisa, a informação de que a pobreza paulista é tão reduzida.

Maurício Moura, do Ideia, diz que muita cota pré-estabelecida enviesa demais o processo. “Muita cota pré-estabelecida enviesa demais o processo. “Cada cota que você introduz é um viés pré-definido. O nosso mundo ideal é uma amostra totalmente aleatória”, afirma.

Quando olha-se o retrospecto de 2018, não se pode afirma categoricamente que pesquisas sem cota de renda definida erraram, ao se observar os votos totais, e não os válidos. O último Datafolha antes do primeiro turno daquele ano apontou Bolsonaro com 35%, crescimento de sete pontos percentuais em relação à rodada anterior. O presidente conseguiu 33% em relação ao total do eleitorado apto a votar, e 42% entre os que compareceram às urnas, sem desconsiderar os votos em branco ou nulo. No caso do petista Fernando Haddad, o Datafolha do fim do primeiro turno assinalava 22%. Ele teve 21,3% entre os aptos a votar e 26,7% dos que foram às urnas.

A diferença entre Bolsonaro e Haddad, de 13 pontos percentuais na pesquisa, ficou em 12 pontos percentuais no total do eleitorado brasileiro, 15 pontos entre os que efetivamente votaram e 17 pontos entre os votos válidos. Além de todas essas variações estarem dentro da margem de erro, o instituto havia detectado uma forte elevação de Bolsonaro nos dois levantamentos anteriores, o que configurava uma tendência de canalização do eleitorado de candidaturas menores para o então candidato do PSL.

E respondendo à pergunta do início da coluna sobre quem está certo: no resultado final, não há diferença em relação às tendências. Em todas Lula está estável ou em ligeiro declínio. Em todas Bolsonaro registra um crescimento lento e consistente rodada após rodada. Ao se comparar as pesquisas de metodologias diferentes entre elas mesmas, e não uma com a outra, as curvas se justapõem, polêmicas à parte.

 

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