Folha de S. Paulo
O significado de 'legalização das milícias'
e o 'valor' das armas
Sabe-se há 30 anos que não há proposta de
Bolsonaro para o Brasil que não namore a morte. Desde
"matar uns 30 mil" até autorizar polícia a chacinar pobre
sem satisfação nem luto: seu repertório se bastava nisso. Deus e "kit
gay" vieram depois, quando atinou virar presidente e abraçou
comerciantes da religião. Encontrou um Deus com sanha arrecadatória.
Demos pouca atenção a outra ideia que se
deixava ofuscar pelas propostas de morte: a
"legalização das milícias". Se procurar texto do cérebro
bolsonarista que explique a iniciativa, encontrará falas parlamentares de Jair
e Flávio. E muito jornalismo declaratório que citava discursos, mas não
indagava sobre o conceito.
Flávio resumiu: "As classes mais altas pagam segurança particular, e o pobre, como faz para ter segurança?" A Constituição promete direito à segurança pública. O bolsonarismo oferece arma e milícia. Se miliciano cobrar "tarifa", o bolsonarismo legaliza o pagamento isento de imposto. A vida miliciana está aberta a empreendedores. Dispensa concurso.
Depois de anos de governo, confirmamos que
legalizar milícias não significa trazê-las para dentro da lei, no sentido
formal de "legalizar". Legalizar aqui sugere "deixar rolar"
na informalidade onde o Estado de Direito não entra. Entra milícia extorquindo
e tacando terror em inadimplentes. Chega polícia disparando "bala
perdida", a metáfora macabra da irresponsabilidade estatal.
O contrato miliciano estrutura entidade
paramilitar, parapolicial, parajurídica. Paira além da lei.
O que mais liga a corrupção bolsonarista a
milícias? Não apenas a família que operou negócios com milicianos desde pelo
menos 2007. O business abrangia construções em área de soberania
miliciana, gabinetes
povoados por Queiroz, esposa e filhas; Adriano da Nóbrega, esposa e mãe.
"Rachadinhas" lubrificavam esquema de ascensão patrimonial familiar.
A Presidência abriu outra etapa. Com caneta
para afrontar o legislador, o governo editou normas jurídicas em série para esvaziar
a lei do Estatuto do Desarmamento. "Fomos ao limite da
legalidade", disse Jair, consciente da usurpação.
As normas, por um lado, ampliaram
possibilidades de aquisição de armas e munições; por outro, dificultaram
rastreamento e identificação. E liberaram geral para auto declarados
"caçadores, atiradores esportivos e colecionadores" (CACs). O
exército de CACs já supera o número de policiais e de militares no
país.
Vendido como pacotaço da liberdade, o
programa faz outra coisa com a chancela das Forças Armadas: facilita escoamento
de armas para milícias e tráfico, e reduz capacidade estatal de investigar e
resolver crimes com arma de fogo.
PCC
e Escritório do Crime ganham armas "legais". Empresas de arma,
que têm Eduardo Bolsonaro como lobista e garoto-propaganda, ganham dinheiro.
Receita da Taurus subiu mais de 200%. Glock, Sig Sauer e Caracal também
respiram hoje com mais "liberdade" por aqui.
O que fez o STF? Fachin e Weber deram
liminares relevantes, mas limitadas. Toffoli e Fux, presidentes, aceitaram
malandragens revogatórias de regras em véspera de julgamento e reedições
subsequentes. Caíram no drible da vaca (ou fraude processual). Moraes demorou,
mas votou em ação que há 10 meses dormita na gaveta kassiana. E Kassio é CAC.
O que se pode dizer sem erro: entre
omissões, demoras e obstruções, STF é responsável por não conter o acelerado
processo de armamento. Suspendeu algumas regras, outras centrais seguem
vigentes. Exemplo: civis
autorizados a comprar 180 mil balas e 60 armas (mas só 30 fuzis...) sem
provar necessidade.
Poderíamos discutir quão mais inseguros e
menos livres estamos com a proliferação de CACs e fuzis de guerra. Mas esse
texto trata de corrupção, não de segurança. Bolsonaro pede grito por liberdade
e legítima defesa. Não contou sobre dinheiro do crime organizado, do tráfico e
de fabricantes de armas. Disfarça corrupção com filosofia política
masturbatória e hipnótica.
A "República
das Milícias" (livro de Bruno Paes Manso) não é república, pois
coisa pública não há. Espolia e violenta comunidades periféricas na cidade, no
campo, na floresta. A corrupção estará armada "legalmente" enquanto
durar a cumplicidade do STF.
"Um povo armado não será
escravizado"? "A verdade vos libertará"? O que se sabe é que
povo idiotizado sequer notou quem lucra com isso. E quem morre. Entorpecido
pela política do pânico e circo, não percebe que o contrato miliciano enriquece
seus sócios. Dessa sociedade anônima e sangrenta a família presidencial é
acionista.
*Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC
Miliciano defende miliciano! Simples assim... E a familícia Bolsonaro é o exemplo máximo: todos milicianos, todos enriquecendo, todos se protegendo! A FAMILÍCIA presidencial é acionista MAJORITÁRIA desta sociedade anônima e sanguinária! Como diz o miliciano mentiroso e genocida: "Comprem armas, não comprem feijão"!
ResponderExcluirMiliciano ex-vereador Jerominho fuzilado hoje no Rio... Miliciano também ataca miliciano... Será que Bolsonaro está envolvido na guerra interna das milícias cariocas? Ou a familícia Bolsonaro paira acima delas?
ResponderExcluirExcelente artido de Conrado Mendes,como sempre.Só um adendo,o ''kit-gay'' sempre foi fixação de Bolsonaro,bem antes dele ser presidente.
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