Folha de S. Paulo
Errou quem chamou de "Poste":
bloqueio de investigação trabalha para a corrupção
Augusto Aras se tornou a encarnação nua e
sebosa de omissão do sistema de justiça. Ao lado de Artur Lira, senhor
do Secretão e da degradação do processo legislativo, forma a dupla de
bloqueio do novo coronelismo brasileiro.
Corrupção precisa de omissão. Esta é, em si
mesma, um tipo clássico de corrupção institucional. Sem Aras e os seus, não
haveria Bolsonaro elegível e atrás de reeleição.
O procurador-geral da República reputa
trocadilho irônico com o P de PGR crime contra sua honra. Mas foi ele, Augusto,
quem achincalhou sua imagem. Conquista sua. Deu até ordem para polícia
interceptar no aeroporto professor que lhe
fez indagação jocosa na rua de Paris. Não tem autoridade para isso, exceto
no porão da ilegalidade. Aras tem alergia ao chiste. Empoderado, deu nisso.
Reservou assento VIP na história da infâmia.
Caricatura do "homo bacharelescus", tipo sociológico arrivista e amoral, Aras forja tese jurídica em troca de nota promissória para cargo futuro. Como suas teses burlescas sobre liberdade, que nunca fixaram um único limite ao que um presidente particular pode fazer. Limites só para quem desabona suas luzes.
A nota promissória de Bolsonaro foi
a cadeira no STF. Não pagou. Uma colaboração premiada sem prêmio no final.
Depois da traição, restou a Aras não se sabe o quê. Talvez
o silêncio da advocacia progressista por autodeclaração, que o cortejou.
Ou a camaradagem do ministro do STF que
organizou livro em sua homenagem, mas não se deu por suspeito para
relatar investigação
contra o homenageado e sua vice. Ou o abraço hétero de Jair. Ou um pirulito
de consolação.
Esse "homo bacharelescus" tem seu
tique de expressão corporal e verbal. Em vez de análise jurídica, expele
slogans com olhar circunspecto e resoluto. Nunca deu explicação para o mantra
da "descriminalização da política". Mas por meio desse non sense
jurídico justificou trancamento da instituição de controle da delinquência
presidencial. E criminalizou o trocadilho.
Aras
sabe "a cor da unha que vai pintar, o sapato que vai calçar". É
símbolo de outra faceta da corrupção bolsonarista: menos
investigação, menos crimes de corrupção. A epítome chamada Augusto amaciou
caminho para cada prática narrada em capítulos anteriores. Ainda impede
investigações contra si, persegue procuradores que o contrariam e ameaça
parlamentares que lhe engordam de representações criminais. Ainda
processa e cala críticos. Não faz nem deixa fazer.
Foi pedra angular da catedral. Errou quem
disse "Poste".
Uma forma de "fazer sumir" a
corrupção é decretar
sigilo e apagar (ou deixar de produzir) dados (capítulo 3). Aqui trato de
um anabolizante: a neutralização de instituições de controle. Há inteligência
na arquitetura da omissão que o presidente e Aras botaram de pé: "não tem
o que investigar aqui, não fizemos nada errado", resumiu Jair.
São prodigiosos os casos de inércia da PGR
reportados pelos jornais. Para começar, o gosto pelo segredo: protege
decretações arbitrárias de sigilo pelo governo além de fazer gestão opaca e
tornar PGR um poço escuro.
"Apurações preliminares", truque
forjado para evitar inquérito e driblar supervisão do STF, das quais engavetou
mais de centena, tramitaram sob sigilo. Nem ministros do STF sabem do teor
arquivado. Documentos públicos da CPI da pandemia, Aras tornou sigilosos. E
enterrou.
Mas quando Bolsonaro vazou
documentos sigilosos do TSE sobre ataque a urnas, Aras chancelou.
Defendeu, veja só, a publicidade. Sua gestão processa procuradores da república
do Rio por terem dado, ora ora, publicidade à denúncia de corrupção. O assédio
a procuradores é seu jeitinho de lidar com a dissidência. A incoerência é seu
jeitinho de brigar com a inteligência.
Aras arquivou caso da demora da vacina
infantil. Crianças morreram pelo atraso. Corrupção da Covaxin? Arquivada.
Bolsonaro, Pazuello et caterva na pandemia? Arquivado. Agora cozinha
arquivamento do caso do ouro
bíblico no MEC. Arquivamentos, quando não decorrem da alegação de falta de
prova, podem fazer "coisa julgada". Dificultam investigação futura e semeiam
anistia geral da torrente criminosa.
Lira,
seu parceiro gatekeeper,
construiu com Bolsonaro uma relação ganha-ganha. Menos atilado, Aras conseguiu
a façanha do ganha-nada, a proeza do só-perde. E sua vassalagem catapultou a
"impunidade de rebanho", como disse Jamil Chade.
Outros atores também galvanizam a corrupção
que Aras sintetiza. As interferências presidenciais, por meio de nomeações e
intimidações, na Polícia Federal, no Coaf e em todo o edifício da fiscalização
ambiental (que deixou de multar criminosos) entram nessa categoria.
Quando Aras bate na mesa e parte para cima
de colega, por quem a mesa de Aras dobra? Não dobra por ti, patriota.
*Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC
Magnífico texto! O colunista analisou profundamente as omissões do novo Engavetador Geral da República, e todas as ações do canalha pra defender o genocida que o nomeou, e para o qual ele é eterno capacho! Vassalagem agora tem nome: Augusto Aras! Escondeu a corrupção bolsonarista e evitou que os crimes do genocida fossem julgados!
ResponderExcluirConrado Mendes e sua análise sempre perfeita.
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