Folha de S. Paulo
'Potiusque sero quam nunquam', ou seja,
antes tarde do que nunca
Antes tarde do que nunca. "Potiusque
sero quam nunquam", para aqueles que, a exemplo do pessoal das Arcadas,
gostam de enfeitar seus textos com expressões na língua de Nero. Hoje
finalmente assistimos ao que pode ser qualificado como uma reação
mais orgânica da sociedade às ameaças de Jair Bolsonaro contra a ordem
democrática e à própria ideia de civilização. Fico satisfeito em constatar que
traçamos uma linha vermelha para o atual ocupante do Planalto, mas não consigo
deixar de lamentar que tenha demorado tanto.
Na verdade, acho que fracassamos como sociedade quando deixamos de abrir um processo de impeachment contra Bolsonaro. Os elementos jurídicos para fazê-lo já estavam presentes ao menos desde que veio a público o vídeo da fatídica reunião ministerial de abril de 2020, em que o presidente indicou que interferiria na Polícia Federal para benefício pessoal. Mas foi o seu desempenho na pandemia que transformou o afastamento num imperativo moral.
Bolsonaro não só deixou de cumprir sua
obrigação de proteger a população como também promoveu tratamentos
demonstravelmente ineficazes e fez troça dos doentes, que, no auge da epidemia,
chegaram a morrer à razão de 4.000 por dia. Durante os três anos e meio de seu
mandato, o presidente jamais deixou de atacar instituições, o que também
constitui crime de responsabilidade.
Apesar do volume e da gravidade das
delinquências, Bolsonaro conseguiu forjar para si uma dupla blindagem. Um
procurador-geral da República camarada o protegeu de eventuais ações penais e
dois presidentes da Câmara engavetaram mais de uma centena de pedidos de
impeachment. A sociedade civil não foi capaz de pressionar os parlamentares,
docilizados por um generoso esquema de distribuição de emendas, para agir
contra o foco das ameaças ao Estado de Direito.
Depois de tão retumbante fracasso, é
alentador constatar que tenhamos enfim sussurrado um basta.
Verdade,deram muito mole para Bolsonaro,a Dilma caiu por muito menos.
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