Valor Econômico
As manobras militares chineses ao redor de
Taiwan acrescentaram mais um fator de risco a um semestre que promete ser tenso
em boa parte do mundo
As manobras militares chineses ao redor de
Taiwan acrescentaram mais um fator de risco a um semestre que promete ser tenso
em boa parte do mundo. Riscos políticos, econômicos e de segurança se acumulam
neste final de ano. Isso gera incertezas e deverá deixar os mercados sob
pressão.
O denominador comum deste semestre tenso é
a desaceleração da economia global, com países importantes em dificuldades. Os
EUA tiveram contração do PIB nos dois primeiros trimestres, o que caracteriza
recessão pela definição mais comum. Mesmo pela metodologia americana, muitos
economistas veem como provável uma recessão entre o final deste ano e o início
de 2023.
Na Europa, a maior economia, a Alemanha,
não cresceu no segundo trimestre, e espera-se queda até o fim do ano. A
confiança econômica está caindo em toda a União Europeia (UE).
Na China, as projeções são de crescimento de 4,1% do PIB chinês neste ano, o menor em mais de quatro décadas (excluindo 2020, ano de início da pandemia) e bem abaixo da meta oficial, que era de 5,5% e que já foi abandonada pelo governo.
A renda per capita dos domicílios caiu 1,1%
na OCDE (grupo que inclui os países ricos e alguns emergentes) no primeiro
trimestre deste ano, devido principalmente ao aumento da inflação. Essa perda
de poder aquisitivo deve continuar no resto do ano. A demanda menor das
principais economias vai reverberar em todo o mundo.
EUA e Europa (como a maior parte do mundo)
sofrem com a alta da inflação. O processo de estagflação (estagnação econômica
com inflação alta) deve atingir seu momento mais forte neste segundo semestre.
Ontem, o Banco da Inglaterra (o BC britânico, alertou que o Reino Unido deverá
entrar em recessão nos próximos meses e que a inflação poderá atingir 13%.
A guerra na Ucrânia segue sendo o evento
global mais perturbador. Como era esperado, a conflito se prolonga, com lento
avanço russo. Os próximos meses indicarão quanto território a Rússia ocupará
antes da chegada do inverno, quando as operações militares se tornam mais
difíceis, favorecendo uma consolidação das posições. Para a Ucrânia é vital que
a contra-ofensiva que vem sendo alardeada nas últimas semanas dê certo e o país
consiga retomar parte das áreas tomadas pelas forças russas. Senão, o risco
será grande de esses territórios serem perdido definitivamente. Acredita-se que
Moscou deverá realizar nos próximos meses referendos nas áreas tomadas, para
legitimar a ocupação. O passo seguinte seria a anexação.
Com avanço militar lento, parece provável
que o conflito será decidido pela capacidade de cada lado de aguentar a dor
(militar, política, econômica e social) imposta pelo inimigo. Fontes ocidentais,
como o diretor do MI6 (a inteligência britânica), Richard Moore, vêm dizendo
que a Rússia está perto de um esgotamento do seu esforço de guerra, tanto
militar como econômico. Já Moscou parece apostar que aguentará o tranco até
conseguir rachar o apoio ocidental (especialmente o europeu) à Ucrânia. A
inflação e a perda de poder aquisitivo ameaçam espalhar insatisfação social na
Europa neste semestre. A Itália pode eleger em setembro um governo simpático à
Rússia.
De todo modo, as sanções ocidentais à
Rússia continuarão a pesar sobre a economia mundial. E não serão levantadas
antes de um acordo de paz na Ucrânia.
Com a chegada do inverno na Europa,
crescerá o risco de uma crise de gás. A Rússia vem enviando cada vez menos gás,
sob pretexto de manutenção nos gasodutos, o que impede que os países ampliem
seus estoques. O risco de Moscou cortar de vez o fornecimento neste semestre
existe. Isso faria disparar ainda mais o preço da energia e jogaria a Europa
numa forte recessão. Os países da região já fazem planos de contingência que
incluem, no caso alemão, priorizar o gás para aquecimento residencial, em
detrimento do uso industrial.
Nos EUA, como Brasil, são as eleições que
deixarão o semestre tenso. Os americanos renovarão em novembro a Câmara dos
Deputados e parte do Senado. Até semanas atrás, parecia provável que os
democratas, do presidente Joe Biden, perderiam as duas casas. Pesquisas
recentes, porém, apontam chance de os democratas manterem o Senado. Na Câmara,
a tendência continua sendo de vitória republicana.
Se Biden perder a maioria em uma das casas,
isso travará a agenda legislativa e o governo possivelmente não conseguiria
aprovar mais nada de relevante no Congresso. Se perder as duas casas, Biden
terá um Congresso hostil e jogando contra ele nos dois últimos anos de mandato.
Além das eleições, os EUA terão de definir
se avançam num eventual processo criminal contra ex-presidente Donald Trump,
que pode ser acusado de liderar a rebelião que culminou na invasão do Congresso
americano por manifestantes pró-Trump, em 6 de janeiro de 2021. Essa decisão
deverá ter graves repercussões políticas.
A China iniciou ontem manobras militares ao
redor de Taiwan, em represália à visita à ilha de Nancy Pelosi, presidente da
Câmara dos Deputados dos EUA. A China considera Taiwan uma província rebelde. A
reunificação numa só China sempre foi o objetivo de Pequim, nenhum presidente a
vocalizou tanto quanto o nacionalista Xi Jinping. Não está claro, por ora,
quanto essas manobras vão durar nem que impacto que elas terão para Taiwam e a
região.
Muitos analistas creem que Xi poderá tentar
retomar Taiwan pela força, mas não agora, já que este semestre deverá ser
difícil para o líder chinês. Em outubro, ele tentará um inédito terceiro
mandato presidencial. Isso deve ocorrer, mas o ideal, até lá, é evitar
turbulências. Uma guerra em Taiwan seria um grande risco.
Xi já tem bastante problemas. A China vive
seu pior momento econômico desde o final dos anos 80. A política de covid-zero
segue prejudicando a produção no país e, principalmente, minando a confiança do
consumidor chinês. Além disso, há uma crise crescente no setor de construção
residencial, um dos principais motores da economia chinesa.
O risco é crescente também de países
emergentes endividados serem arrastados para uma crise da dívida, devido ao
aumento dos juros nas principais economias e à maior aversão ao risco nos
mercados globais. Mais problemas econômicos nos emergentes significam mais
risco de agitação social e política, inclusive na América Latina.
No Brasil, uma tentativa de ruptura
institucional jogaria o país e a América Latina numa crise de efeitos
imprevisíveis. É esse risco que os EUA buscam eliminar apoiando a democracia.
É China e Rússia querendo transpor seus limites.
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