terça-feira, 2 de agosto de 2022

Luiz Schymura* - A melhora na taxa de desemprego

Valor Econômico

Emprego está sendo puxado por setores de baixa produtividade

O mercado de trabalho surpreendeu positivamente no primeiro semestre deste ano: a taxa de desemprego na PnadC caiu de 11,1% de dezembro de 2021 para 9,3% na de junho de 2022 (números relativos ao trimestre encerrado ao fim do mês de referência da pesquisa). Sem dúvida, a melhora em pontos percentuais é expressiva. E, se pensarmos retrospectivamente nas projeções da maioria dos analistas no início de 2022, taxas de desemprego em um dígito eram apenas esperadas dentro de alguns anos. O que traz a seguinte indagação: o que levou aos prognósticos menos otimistas dos analistas?

Como se sabe, o surgimento da covid-19 trouxe, além do desastre humanitário, muitas incertezas quanto à resposta da economia e, em especial, do mercado de trabalho. Ao longo do processo de arrefecimento da pandemia, a economia retomou uma dinâmica que parece comum à grande maioria dos países do globo: nas primeiras etapas da recuperação, setores de maior produtividade e menos intensivos em trabalho tiveram destaque. Vencido esse período inicial, a volta à força de trabalho passou a ser puxada por segmentos intensivos em mão de obra e de produtividade mais baixa.

Nessa linha, meu colega Fernando Barbosa Filho constata: “Grande parte da melhora em 2022 do mercado de trabalho não é uma dinâmica fantástica, mas sim a volta de setores mais atrasados na recuperação, intensivos em emprego”. O que temos observado, recentemente, é uma recuperação do mercado de trabalho com “muito emprego para pouco PIB”, fazendo com que a taxa de desemprego caísse fortemente ao mesmo tempo em que o rendimento real médio do trabalho no primeiro semestre de 2022 sofreu queda de cerca de 6,9% frente à igual período de 2021.

Na verdade, além da substantiva melhora recente, o patamar atingido na taxa de desemprego de 9,3% está abaixo da média histórica de 9,8% registrado ao longo do período entre 1995 e 2019. O que traz um segundo questionamento: o mercado de trabalho terá ingressado numa nova e virtuosa dinâmica?

Tentarei argumentar que, embora o resultado tenha sido incontestavelmente positivo, o mercado de trabalho ainda apresenta desempenho relativamente pior do que encontrávamos em nossa “realidade histórica”, e as perspectivas para o futuro próximo não são animadoras.

Para começar, vale a pena avaliar a evolução recente do mercado de trabalho nacional tomando como base o comportamento da taxa de participação, a razão entre a força de trabalho (PEA) e a população em idade de trabalhar (PIA). Durante a pandemia, a taxa de participação caiu com a saída de milhões de pessoas da PEA e ainda não alcançou a fatia pré-pandemia, situando-se hoje em 62,6%. Caso a taxa de participação voltasse ao nível médio do período 2017-19, de 63,4%, a taxa de desemprego em junho teria sido de 10,4%, e não de 9,3%. Se, no lugar do nível de 2017-19, for utilizada a tendência da taxa de participação, num contrafactual sem pandemia, esta atingiria 63,7% e a taxa de desemprego em junho seria de 10,9%.

Como se vê, uma taxa de participação que retornasse ao padrão vigente antes da pandemia já colocaria uma distância relevante entre a taxa de desemprego que seria observada e a recentemente divulgada.

Além disso, embora seja importante critério econômico de análise, a taxa de desemprego não captura muitas das sutilezas presentes no mercado de trabalho. É apenas uma das possíveis formas de enxergar o problema social. Por exemplo, os chamados desalentados e indisponíveis (indivíduos que sinalizam intenção e vontade de trabalhar, mas não procuram emprego ou não estão disponíveis para o trabalho) não são computados na estatística da taxa de desemprego.

Entre os indicadores que examinam o mercado de trabalho por ângulos diferentes, vale explorar a taxa composta de subutilização da força de trabalho. O indicador é representado pela proporção entre a quantidade de pessoas subutilizadas e a força de trabalho ampliada. Grosso modo, essa estatística dá uma ideia da fatia da população que se enxerga, de alguma forma, “excluída” do mercado de trabalho.

Segundo dados elaborados por meu colega Paulo Peruchetti, com base na PnadC, a taxa composta de subutilização da força de trabalho saiu de 17,4% no fim de 2015 para 23,5%, no período imediatamente anterior à pandemia, atingindo o máximo de 30,7% em meados de 2020 e voltando a 21,2% recentemente. Embora o indicador aponte comportamento melhor que o do pré-pandemia, está aquém do encontrado no período da recessão de 2015-16. Ainda permanece um percentual historicamente alto de subutilização da massa de trabalhadores.

Outra consideração a ser feita em relação ao desempenho recente do mercado de trabalho é que, com a inflação em dois dígitos e um ciclo muito intenso de elevação da taxa básica de juros, a visão de muitos analistas é de que a desaceleração encomendada pelo aperto das condições financeiras está sendo apenas adiada pelas medidas fiscais de estímulo no ano eleitoral.

Assim, à medida que sobem as projeções de crescimento do PIB em 2022, recuam as relativas a 2023, que em alguns casos já entraram em território ligeiramente negativo. Segundo as projeções da equipe do Boletim Macro do FGV Ibre, a taxa projetada para o crescimento do PIB em 2022, que estava há pouco tempo em 0,9%, hoje já é de 1,7%, enquanto para 2023, o crescimento esperado que era de 0,4% passou para -0,3%. Se essas projeções estiverem corretas, o mercado de trabalho voltará a sofrer impacto negativo da atividade econômica entre o final deste ano e 2023.

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Nos últimos dois meses, o país perdeu dois homens notáveis. Ernane Galvêas, oriundo de uma família de poucas posses, foi um profundo conhecedor das entranhas do sistema monetário brasileiro. Gilberto Chateubriand, o maior colecionador de arte brasileira, possuía um olhar artístico de erudição admirável. O que eles têm em comum? Eram extremamente civilizados. Num momento difícil e conturbado como o atual, no qual o processo civilizatório parece tropeçar, homens dessa estatura são indispensáveis.

*Luiz Schymura é pesquisador do FGV Ibre 

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