Tal iniciativa, formulada de afogadilho
para efeitos eleitorais de curto prazo, não deixa de revelar, com independência
das intenções dos seus atores, que se aposta também no caminho das urnas, em
que pese o alarido promovido cotidianamente delas não serem confiáveis. De
qualquer forma, num texto de análise como este, admitindo-se por hipótese, que
essa turva orientação leve a sucessão a um desfecho favorável, não se teria uma
nova edição do governo Bolsonaro, mas um inédito governo do Centrão, cogitação
burlesca que povoa a imaginação dos seus mentores.
Essa hipótese, contudo, está bem longe de ser confiável, como evidente no levante da consciência democrática na defesa que se alastrou entre a inteligência e ponderáveis setores das elites econômicas dos valores e instituições que conformam o Estado democrático de direito, nos vigorosos manifestos lidos em 11 de agosto na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o dos juristas e dos empresários da FIESP , a que dezenas de outras, de vários estados da federação se acrescentaram replicando o inteiro teor do texto dado a público nesse simbólico dia de agosto subscrito por um milhão de pessoas e inúmeras entidades, entre as quais as mais representativas do capital e do trabalho e de movimentos sociais.
No caso, é de especial relevância o fato de
que tal manifestação optou por estabelecer uma linha de nítida convergência com
as manifestações de 1977 em oposição ao regime ditatorial da época, tanto no
texto, como no lugar em que ambas vieram a público. Nesse sentido, bem mais do
que um protesto tópico contra os descaminhos do atual governo e sua índole
autocrática a poderosa manifestação dos dias de hoje se endereça à intenção de
levar a cabo a democratização inconclusa da sociedade brasileira.
Essa é uma alvissareira oportunidade que
não pode ser perdida, como a que deixamos de escapar das mãos por incúria
política ao permitir a separação entre os temas da questão social com os da
democracia política. A tentativa do PT de conduzir por cima, a partir de ações
do Estado para fins de atender a agenda social, levou à desconsideração dos
limites institucionais, e, mais grave ainda, a práticas nocivas na composição
de suas articulações políticas que, em muitos casos, desrespeitou princípios
incontornáveis da ética republicana. Esse tipo infeliz de intervenção, na
tentativa de acelerar o avanço de temas sociais, em especial no governo Dilma, favoreceu
a irrupção de um largo movimento de denúncias que tomou forma na chamada
operação Lava Jato, cujas ações erodiram as bases de sustentação da coalizão liderada
pelo PT, abrindo caminho para cavaleiros da fortuna na sucessão presidencial,
vencida com folgas por Bolsonaro.
O novo governo nasce sob a inspiração
revanchista da falange autoritária derrotada pela larga coalizão democrática
dos anos 1980, tendo como alvo as conquistas civilizatórias acumuladas nos
governos de FHC e nos de Lula, particularmente nos terrenos das questões
sociais e ambientais, numa versão predatória de capitalismo vitoriano que em
política admite, ora de modo velado, ora abertamente, sua adesão ao fascismo,
intervenção malévola até então rejeitadas por nossas instituições democráticas.
Agora, com a sucessão presidencial de 2022,
chegou o momento do ajuste de contas da sociedade com os malfeitos que lhes
foram infringidos, repondo-a nos seus trilhos naturais de busca de ideais
civilizatórios. Não será tarefa fácil, seus adversários pretendem se opor com
todos os recursos de que puderem dispor. Os feitos do último 11de agosto devem
servir de régua e compasso em seus próximos passos. Eles nos fornecem a senha –
avançar unidos em amplas alianças – para que voltemos ao leito das nossas
melhores tradições, democracia sempre como eles bradaram em alto e bom som.
*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio
Em alto e bom som podemos chamar a paralítica e retrógrada democracia do nosso corrompido país de "REPÚBLICA FEDERATIVA DO PENDURICALHO". @mestreandion (twitter)
ResponderExcluirPau dos Santos arrasou no comentário.
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