Folha de S. Paulo
Desde a espantosa afirmação de uma ministra
de que viu Jesus Cristo trepado numa
goiabeira, a nação não tinha ouvido informação tão intrigante quanto
a da primeira-dama, segundo a qual o Palácio do Planalto era antes povoado por
demônios.
Até aí, o relato oscila entre o escopo
sobre-humano das crenças e o das exaltações visionárias. É uma questão de
afinidade privada. Torna-se pública quando ela vai mais além para garantir que
o real chefe do governo é aquele já descido, não da cruz (símbolo da entrega
sacrificial), e sim da goiabeira: o próprio Jesus.
Notoriamente, entidades religiosas e articulistas detectaram aí um laivo de terrorismo religioso, por contrariar o pluralismo das crenças e o princípio de laicidade do Estado. Mas o fato ganha uma conotação particular quando confrontado a um pequeno episódio da celebração democrática nas Arcadas do Largo São Francisco: a professora Eunice de Jesus Prudente, uma das leitoras da Carta aos Brasileiros, com pulseira de búzios e blazer amarelo, emocionou a todos ao se descrever como mulher preta, zeladora de Oxum.
É que essa autodescrição não significa a
exclusão religiosa de nenhuma alteridade, mas a reiteração étnico-política
daquilo que caracteriza a nação, a sua radical diversidade humana. Este foi o
grande diferencial dessa Carta. Ao se identificar a partir da matriz ancestral,
a professora (de sobrenome tão sincrônico) sinalizou para o próprio corpo como
o capital cultural que autentifica um comum de pertencimento e de fé. Apontou
para uma forma heterogênea de vida nacional.
O gesto foi simbólico e publicamente
educativo: essa forma antecede em mil anos o cristianismo e zela por princípios
cosmológicos que o Ocidente classifica como divindades. Uma dessas, Nanã,
antiquíssima, figura no panteão dos deuses gregos ao lado de Atena, negra. A
antiguidade do culto afro em nada se choca com a sua flagrante pós-modernidade
litúrgica, que não se arroga à verdade absoluta, prescinde de conversão,
desconhece preconceito de gênero e respeita outras crenças. Isso se comprova
desde as menores até as grandes comunidades dessa tradição. A afro-perspectiva
é uma restauração mental.
Daí o chocante retrocesso das falas
planaltinas. É possível que a dama leve a sério a coorte que a vê como Ester, a
exilada judia do Velho Testamento, feita rainha ao se casar com Xerxes, rei da
Pérsia. Seu empenho era salvar a vida dos fiéis de Jeová. No momento, o que
aqui periga é a sanidade dos fiéis à democracia. Mas a suposta rainha e seu
consorte parecem querer jogar mais lenha de pau de goiaba na fogueira da
demência, evento cuja única perspectiva é a da autocombustão mental.
*Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de "A Sociedade Incivil" e "Pensar Nagô".
É hoje é povoado por almas penadas e se descuidar, por pombas giras.
ResponderExcluirSem contar o ritual de jogar pipoca no Lula,que ela reagiu dizendo,''isso pode,eu falar de Deus,não'',como se o Candomblé fosse do diabo.
ResponderExcluirO que a mulher dum genocida tem pra falar de Deus? Talvez pra agradecer a Ele por ter encontrado o estrupício com quem se juntou depois do primeiro casamento dela?
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