domingo, 14 de agosto de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

O grande perigo da ignorância política

O Estado de S. Paulo

Maioria desconhece as atribuições do STF e do TSE. Onde há ignorância não prospera a democracia. É preciso ensinar a todos sobre o Estado Democrático de Direito

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ganharam enorme espaço no debate público nos últimos anos. Ambas as Cortes são alvo frequente de ataques do presidente Jair Bolsonaro contra as instituições democráticas. Seja para repudiar esses ataques, seja para endossá-los, o fato é que as decisões do STF e do TSE passaram a mobilizar cada vez mais os cidadãos – no caso do STF, um fenômeno já observado desde o julgamento do mensalão petista, em 2012. É lastimável, no entanto, que a grande maioria dos brasileiros não faça ideia sequer do que significam as siglas que designam os dois órgãos do Poder Judiciário, que dirá de suas atribuições no arranjo institucional inaugurado pela Constituição de 1988.

Uma pesquisa inédita realizada pela consultoria Quaest a pedido da revista Justiça & Cidadania, à qual o Estadão teve acesso, lançou luz sobre a percepção geral da população em relação ao STF e ao TSE. Embora 78% dos entrevistados tenham dito que “já ouviram falar” do STF e 82%, do TSE, a pesquisa revelou que a maioria dos cidadãos não sabe quais são as funções de duas das mais importantes instituições para plena vigência do Estado Democrático de Direito. É um retrato fidedigno dos males causados pela falta de educação política para o exercício da cidadania, problema que já havia sido notado por outra pesquisa, também realizada pela Quaest, em relação ao trabalho do Congresso Nacional.

Diante disso, convém relembrar, sucintamente, quais são as funções do STF e do TSE. Ao STF compete originariamente atuar como guardião da Constituição, ou seja, assegurar a vigência das normas constitucionais, e processar e julgar, por crimes comuns, alguns agentes políticos e administrativos dotados de foro especial por prerrogativa de função, como o presidente e o vice-presidente da República, ministros de Estado, congressistas e o procurador-geral da República, além de seus próprios magistrados, entre outras autoridades. O STF também atua em determinadas hipóteses como Corte recursal de última instância.

Já ao TSE, como dispõe o Código Eleitoral (Lei no 4.737/1965), compete dar a palavra final sobre registro ou impugnação de candidaturas, registro e cassação de partidos políticos, a organização das eleições, a apuração dos votos e a diplomação de candidatos eleitos, entre outras atribuições. 

Ao mesmo tempo que se amplia na sociedade a consciência sobre os direitos dos cidadãos, individuais e coletivos, o que tem levado a uma procura cada vez maior do Poder Judiciário para garantir seu exercício, nota-se um profundo desconhecimento por parte da maioria desses mesmos cidadãos sobre papéis e responsabilidades das instâncias judiciais. Evidentemente, o presidente Bolsonaro não é o único responsável pelo alto grau de desinformação da população sobre as atribuições do STF e do TSE, mas decerto tira proveito da ignorância para disseminar mentiras e criar animosidades visando a seus objetivos eleitorais, o que leva muitos cidadãos a relativizar a importância dessas Cortes para o vigor da democracia no País. Agindo assim, contribui para o aumento do nível de desinformação, que, como visto, já não é baixo.

Tanto maior será o apelo do discurso de populistas de viés autoritário como Bolsonaro quanto menor for o grau de instrução dos cidadãos, sobretudo a educação política. É necessário, mas não basta, que as autoridades do Poder Judiciário, seguindo a lei e as competências dos respectivos órgãos, profiram decisões compreensíveis para a população. Em paralelo, é preciso investir na educação cidadã. O futuro da democracia, já dissemos nesta página, passa pela sala de aula.

Entre outras tarefas, é preciso reformular os currículos escolares para que o exercício da cidadania – o que inclui compreender o funcionamento do Estado Democrático de Direito e de seus órgãos – seja ensinado às crianças e jovens, de modo que as próximas gerações não sejam reféns de comportamentos antidemocráticos, mas livres e genuínas protagonistas da vida cívica e política do País.

Desinformação viceja na leniência

O Estado de S. Paulo

Não bastam as boas intenções das ‘big techs’. Para combater a desinformação nas redes sociais de modo eficaz, ter agilidade na remoção de conteúdo enganoso é fundamental

É certo que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os partidos políticos e a imprensa profissional, além dos próprios eleitores, estão mais bem preparados para lidar com a desordem informacional do que estavam há quatro anos. Muitas lições foram aprendidas de 2018 para cá. Isso não significa, no entanto, que a eleição de 2022 esteja totalmente blindada contra a influência de mentiras disseminadas por candidatos e seus apoiadores. Longe disso.

Tanto é assim que, em boa hora, uma das ações preparatórias adotadas pelo TSE para a realização do próximo pleito foi convidar as grandes empresas de tecnologia que administram as redes sociais para, juntos, adotarem medidas que visam à despoluição do debate público. Os eleitores devem tomar suas decisões com base em informações fidedignas. Em última análise, trata-se de salvaguardar a própria democracia.

Em uma primeira rodada, reuniram-se com as autoridades do TSE representantes do Twitter, TikTok, Kwai, Telegram, Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp) e Google (YouTube). Depois, a Corte Eleitoral também firmou parcerias com o LinkedIn e com o Spotify. A boa notícia é que todas essas grandes empresas de tecnologia reconheceram que são parte fundamental de um ecossistema de combate à desinformação, haja vista que é por meio das redes sociais e dos aplicativos de mensagens que as mentiras e distorções da realidade mais circulam. A má notícia é que, na esmagadora maioria dos casos, as chamadas big techs têm falhado miseravelmente em cumprir a parte que lhes cabe nos acordos firmados com o TSE.

Pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência & Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), da Universidade Federal da Bahia, acompanham o cumprimento desses acordos. Em relatório divulgado há poucos dias, eles alertaram que as big techs já implementaram a maioria das ações acordadas com o TSE, mas, na prática, têm demorado demais para analisar conteúdos, processar denúncias e, assim, aumentar a transparência nas redes sociais para combater a desinformação. “O processo eleitoral é muito dinâmico e, desde o último pleito, o período de campanha oficial foi reduzido para dois meses”, disseram os pesquisadores Rodrigo Carreiro e Maria Paula Almada em seu relatório. Hoje, não há prazo definido para que as empresas de tecnologia analisem e removam, quando for o caso, uma postagem com conteúdo enganoso. O prazo ideal, segundo os pesquisadores, seria de 24 a 48 horas da publicação.

De fato, agilidade é um fator determinante para a eficácia de uma ação de combate à desinformação nas redes sociais, ambiente marcado pela velocidade de propagação de uma mensagem e por seu alcance, virtualmente ilimitado. Quanto mais tempo uma publicação de teor duvidoso permanecer no ar, maior será seu alcance. Consequentemente, qualquer ação de restauração da verdade dos fatos demandará muito mais esforço, e com menos chances de ser bem-sucedida.

O Estadão procurou todas as empresas que participaram das negociações com o TSE para questionar seus prazos para processar uma denúncia de conteúdo falso. Nenhuma delas respondeu. É importante destacar que não há uma lei que determine qual deveria ser o protocolo operacional dessas empresas. E nem haveria de ter. No entanto, foram essas mesmas empresas que, voluntariamente, aceitaram o oportuno convite do TSE e decidiram colaborar para tornar as redes sociais, hoje mídias incontornáveis, um ambiente mais sadio para o debate público. Para isso, assumiram compromissos que, até agora, não têm sido plenamente cumpridos. Não é pedir muito que elas façam o que disseram que fariam.

Os dois candidatos que lideram as intenções de voto para a Presidência da República, Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), não são inocentes no que concerne à disseminação de mentiras nas redes sociais. Os petistas praticamente inventaram a máquina de destruição de reputações na internet, uma nódoa na atividade política no Brasil do século 21. Bolsonaro, por sua vez, elevou a má-fé à categoria de política de governo. De ambos, portanto, não se deve esperar bom comportamento no curso da atual campanha.

A metástase da desigualdade

O Estado de S. Paulo

Os remédios oferecidos pelos populismos à direita e à esquerda são só mais dos mesmos venenos que a intensificaram

Na última década a pobreza e a desigualdade no Brasil aumentaram. O ciclo iniciado pelos desmandos da gestão lulopetista de Dilma Rousseff foi agravado pela pandemia e pela crise dentro da crise fabricada pela incúria e a má-fé de Jair Bolsonaro.

Segundo o Boletim Desigualdade nas Metrópoles compilado com dados do IBGE pela PUC-RS em parceria com o Observatório das Metrópoles e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina, entre 2014 e 2021 a pobreza e a miséria nas populações metropolitanas atingiram um recorde, saltando, respectivamente, de 16% para 23,7% e de 2,7% para 6,3%. Todos os estratos de renda experimentaram contração em seus rendimentos, mas a queda foi mais expressiva entre os mais pobres. A desigualdade medida pelo Coeficiente Gini subiu de 0,538 para 0,565, outro recorde.

Desigualdade e pobreza estão sempre interligadas. Seja lá qual for a causa e qual a consequência, países mais desiguais tendem a ser mais pobres – e vice-versa. A mesma correlação se vê entre inclusão social e democracia: quanto mais próspero é um país, mais igualitário ele é.

Como lembram os pesquisadores, entre as várias sequelas da desigualdade estão o esgarçamento do tecido social, o desperdício de talentos, o enfraquecimento das instituições democráticas e a redução da capacidade de crescimento econômico. Nas metrópoles, a pobreza está visceralmente conectada a mazelas como a violência, más condições de moradia e de acesso e qualidade dos serviços públicos e barreiras ao exercício da cidadania.

Para enfrentar essa metástase, é preciso ter em mente suas heterogeneidades. Dados levantados pelo Ipea mostram que a pobreza cresceu ainda mais nas áreas rurais do que nas metropolitanas. Regionalmente, os focos estão no Norte e no Nordeste. E em termos etários, as crianças são mais pobres e têm menos proteção social, enquanto os idosos são mais ricos e têm mais proteção.

Na concertação de políticas públicas, é preciso evitar tanto a miopia própria da direita, que prioriza o crescimento econômico, mas negligencia programas sociais, quanto a miopia inversa à esquerda. Se a ampliação das classes pobres expõe a necessidade de programas de assistência e transferência de renda, a vulnerabilidade da classe média e a desaceleração da mobilidade social mostram que essas medidas só são sustentáveis se combinadas a programas de desenvolvimento, capacitação e produtividade.

Nada diferencia mais o populista do estadista que o entendimento da relação entre o fiscal e o social. Para o primeiro eles são antagônicos; para o segundo, interdependentes. Sem dinheiro em caixa e contas públicas arrumadas, não há como garantir recursos para programas assistenciais e a confiança que gera crédito para os mercados, viabilizando a ampliação do emprego e da renda.

Até o momento, contudo, a disputa à Presidência está polarizada entre dois populismos, à direita e à esquerda. Lamentavelmente, o eleitorado parece inclinado a eleger como remédio para a desigualdade e a pobreza o mesmo veneno que as intensificou. 

Além do teto

Folha de S. Paulo

Próximo governo precisará rever normas e, mais importante, práticas do Orçamento

Diante da deterioração das instituições e da gestão do Orçamento público nos últimos anos, será necessário grande esforço de modernização do arcabouço fiscal durante o próximo ciclo presidencial.

O país dispõe de um conjunto amplo de regras criadas em momentos diferentes com objetivos louváveis, como impedir práticas populistas, manter a dívida sob controle e propiciar algum grau de organização e transparência para o gasto governamental.

Na prática, porém, em vez de um assentamento virtuoso na conduta política, o padrão recente foi de ataque às normas de controle, com danos severos para a credibilidade da política econômica.

Na gestão de Dilma Rousseff (PT), a afronta se deu pela contabilidade criativa que erodiu a eficácia da Lei de Responsabilidade Fiscal, então o principal regramento vigente. Os resultados foram o surgimento de déficits primários (antes das despesas de juros) elevados e um rápido crescimento da dívida pública.

Ante a constatação de que a meta de saldo primário se mostrou frágil e não conteve a despesa (que aumentou 6% ao ano além da inflação entre 1994 e 2014), no governo Michel Temer (MDB) foi inscrito na Constituição o teto que limita o crescimento dos gastos à inflação.

A medida foi instrumental para sinalizar responsabilidade de longo prazo e assim reduzir os juros,
que caíram de 14,25% ao ano em 2015 para 5% no final de 2019.

No governo Jair Bolsonaro (PL), os ataques às regras fiscais se ampliaram. Mesmo que se reconheça algum avanço, como o controle da folha de pessoal, e se tenha em mente a emergência da pandemia, a degradação é inegável.

Além do calote em dívidas judiciais e da alteração do teto em 2021, neste ano o Congresso aprovou outra mudança casuística, que ampliou despesas em desrespeito à lei eleitoral. O surgimento das bilionárias emendas parlamentares secretas foi outro grave retrocesso.

Essa fragilidade institucional destoa do que se observa, por exemplo, na política monetária, em que foi consolidada ao longo de décadas uma cultura de responsabilidade, culminando mais recentemente com a aprovação da autonomia formal do Banco Central.

É necessário trilhar o mesmo caminho na gestão do Orçamento. Saídas fáceis, como o simples abandono do teto de gastos insinuado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tampouco são plausíveis.

O ponto principal nem é a regra mais adequada, já que não existe receita única. O mais importante é definir princípios norteadores e construir boas práticas em torno deles. Os objetivos centrais devem ser garantir a solvência do Estado, ganhar transparência e melhorar a qualidade da ação social.

Congresso fértil

Folha de S. Paulo

Parlamentares promovem avanço com projeto que facilita planejamento familiar

De tempos em tempos, o Parlamento dá sinais de que não voltou de todo as costas para o país real. Ao menos em matéria de saúde pública e direitos fundamentais, vez por outra caminha na direção correta, como agora ao atualizar regulamentos acerca de cirurgias de esterilização e outros métodos de contracepção.

O Senado aprovou na quarta-feira (10), sem alterações, projeto de lei de 2014 da Câmara que disciplina a matéria em compasso com os dias atuais. Um dos pontos de destaque se dá com o abandono da exigência de que ambos os cônjuges participem da decisão quanto a procedimentos como laqueadura
de trompas e vasectomia.

Até aqui valia a norma de que era necessário, para efetivar a intervenção, consentimento expresso do marido e da mulher. Embora a regra se aplicasse para os dois lados, parece evidente que se trata de um resquício machista, voltado a tolher o direito feminino de não querer mais engravidar.

Note-se que o dispositivo não representa permissão generalizada. Só se aplica, prudentemente, para quem tiver ao menos 21 anos ou dois filhos vivos e observar um intervalo de dois meses entre a manifestação da vontade de fazer a cirurgia e sua efetivação.

Outra provisão permite a esterilização da mulher durante o parto, se for essa sua decisão, evitando assim que ela precise passar por dois procedimentos hospitalares subsequentes. O projeto aprovado exige que, nesses casos, se respeite aquele prazo de 60 dias entre a manifestação e a laqueadura.

Entretanto ainda é incerto se haverá no Executivo a mesma inclinação modernizante no tema do planejamento familiar. Para se converter em lei, o diploma precisa da sanção de Jair Bolsonaro (PL), e não haverá grande surpresa se ele se aproveitar da situação para afagar sua base mais conservadora.

A semente retrógrada foi lançada na própria Casa revisora. O senador Guaracy Silveira (Avante-TO) discursou em plenário sugerindo veto à cláusula que elimina a obrigatoriedade de consenso do casal sobre esterilização. Argumentou que o legislador não deve criar discórdia dentro do lar.

É bem da discórdia matrimonial que se trata, aquela gestada quando a esposa é impedida pelo cônjuge de decidir sobre seu próprio corpo. É a mulher quem carrega a criança no ventre por nove meses, e a ela cabe a escolha de assumir ou não tal responsabilidade.

Pulverização dos partidos é causa da “amnésia eleitoral”

O Globo

No Brasil das 32 legendas, 40% dos eleitores não lembram o próprio voto para deputado

Quando as eleições se aproximam, a história se repete: eleitores começam a consultar amigos, familiares, líderes religiosos e comunitários pedindo indicação de nomes para as Casas Legislativas. Depois de votar nos deputados, em geral esquecem em quem votaram. Essa “amnésia eleitoral” atinge 40% do eleitorado brasileiro, segundo o Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb), pesquisa com 2.506 eleitores, do Centro de Estudos e Opinião Pública (Cesop), da Unicamp.

É comum atribuir ao presidencialismo a culpa pelo distanciamento entre o eleitor e o Parlamento. É evidente que, no parlamentarismo, o comprometimento do eleitor com o Legislativo é maior, já que o primeiro-ministro e seu gabinete são parlamentares. Mas esse é um argumento limitado. Aqui mesmo na América Latina, Uruguai e Chile são regimes presidencialistas com índices de “amnésia” bem mais baixos: 7% e 20%, respectivamente.

A explicação para o engajamento nas eleições para o Congresso está no sistema partidário. No Uruguai atuam sete legendas. Duas, Partido Nacional e Partido Colorado, existem desde o século XIX. A Frente Ampla, de centro-esquerda, foi formada há mais de 50 anos. O vínculo com partidos é muito maior num sistema consistente. Mesmo no Chile, onde há 15 partidos, a “amnésia” é menor em razão da coerência programática que os define.

No Brasil, a consistência é uma piada. Basta lembrar que o Congresso é comandado pela massa amorfa apelidada de Centrão. Os mesmos nomes que apoiavam governos de esquerda hoje são entusiastas da extrema direita. Tome-se o PL de Valdemar Costa Neto — condenado e preso por envolvimento no mensalão —, partido que hoje abriga Jair Bolsonaro, seus filhos e a ala radical do bolsonarismo.

Tal anomalia é resultado da pulverização partidária: 23 legendas no Congresso e 32 registradas no Tribunal Superior Eleitoral, sem contar aquelas à espera de autorização para funcionar. Essa balbúrdia só poderia ter como resultado as conhecidas dificuldades para o Executivo construir sua bancada e os proverbiais casos de corrupção, toma lá dá cá e fisiologismo.

A situação estaria melhor se o Supremo Tribunal Federal (STF) não tivesse derrubado a cláusula de desempenho, instituída em 1995 para permitir que apenas partidos com um patamar mínimo de votos tivessem representatividade no Congresso e acesso a recursos dos fundos eleitoral e partidário.

Em 2017, o Congresso, enfim convencido da disfuncionalidade da pulverização partidária, instituiu uma nova cláusula de desempenho. Ela entrou em vigor na eleição de 2018, mas o teste para valer será em outubro, quando pela primeira vez será aplicada ao mesmo tempo que o fim das coligações em eleições proporcionais.

Com essas coligações, o voto num partido contribuía para eleger deputados de outro, não raramente com ideologia e programa antagônicos. O eleitor ficava sem saber o destino final de seu voto — um desrespeito a sua vontade e uma agressão à democracia. Para substituir as coligações, os pequenos partidos conseguiram aprovar as federações partidárias, mas ao menos elas têm de atuar como partido por uma legislatura. A cláusula de barreira continuará subindo até chegar a 3% dos votos na eleição de 2030. Até lá, espera-se que a consolidação partidária que já começou ganhe corpo. E é certo que a “amnésia eleitoral” será bem menor.

Faltam armas mais eficazes para combater pirataria e contrabando

O Globo

Levantamento estima que essas práticas criminosas custaram R$ 337 bilhões à economia em 2021

Pirataria e contrabando desviam recursos de empresas e do Fisco, com efeitos negativos na economia formal e no mercado de trabalho. Levantamento feito pela Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio RJ) e pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) estimou a perda para as empresas lesadas em R$ 336,6 bilhões. Essa economia informal e criminosa impediu, segundo o levantamento, a criação de 535 mil empregos no ano passado, mais que o dobro das vagas formais abertas em junho.

Do total, R$ 95 bilhões equivalem aos impostos sonegados — valor que poderia financiar um programa social bem mais eficaz que o Auxílio Brasil ao longo de um ano inteiro. Eis o aspecto mais perverso da economia subterrânea: o desvio de recursos que poderiam ser destinados a saúde, educação ou segurança.

Os ralos por onde escoa o dinheiro estão visíveis nas cópias piratas de vídeos e softwares, nos “gatos” nas instalações elétricas e sinais de TV desviados nas favelas do país, explorados por milicianos e traficantes. O levantamento estimou o furto de eletricidade no ano passado em R$ 6,5 bilhões, rateados nas contas de luz do setor formal. Mesmo quem se recusa a comprar produtos e serviços piratas paga por eles sem saber.

Quanto mais desejado o produto ou serviço, maior poder de atração exercerá sobre a indústria da pirataria e do contrabando. A perda de faturamento dos fabricantes de vestuário copiado ilegalmente, quase sempre roupas de grife, foi avaliada em R$ 60 bilhões em 2021, prejuízo que impediu o segmento de abrir 94 mil postos de trabalho. Nem mesmo cosméticos e defensivos agrícolas escapam. Em razão da falsificação e da importação ilegal, o primeiro setor deixou de faturar R$ 21 bilhões; o segundo, R$ 15,1 bilhões.

Bens de consumo mais baratos também oferecem oportunidade aos criminosos. É o caso dos cigarros, sobre os quais incide uma carga tributária de 70% para encarecer um vício nocivo à saúde. O objetivo do poder público é desestimular o consumo, mas na realidade isso acaba incentivando o contrabando e a falsificação, que subtraíram R$ 13 bilhões da indústria do fumo em 2021. São conhecidas as rotas pelas quais o Paraguai abastece o Brasil de cigarros sem pagar imposto. Com preços mais baixos, quatro marcas contrabandeadas estão entre as dez mais vendidas por aqui. A solução não está em reduzir a tributação de um produto cancerígeno, mas em coibir a venda dos produtos ilegais.

Executivos que lidam com o problema, além de mencionarem a necessidade imperiosa de conscientizar o consumidor, pedem uma legislação renovada que permita ação mais rápida e eficaz das autoridades. Sem uma fiscalização eficiente, nada se pode contra a indústria da pirataria e do contrabando, que opera de forma global e integrada.

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