Editoriais / Opiniões
Surpresas podem mudar quadro eleitoral
consolidado
Valor Econômico
Quadro eleitoral ainda pode ter mudanças
significativas, como ocorreu em pleitos anteriores
Com o fim das convenções partidárias, o
jogo eleitoral começa oficialmente agora. A polarização eleitoral se exprimiu
em uma rigidez nas pesquisas eleitorais, com poucos movimentos desde o início
do ano entre o favorito, Luiz Inácio Lula da Silva, e o segundo colocado, o
presidente Jair Bolsonaro. O número de eleitores convictos de seu voto em um
dos dois é o mais alto em muitos pleitos com tanta antecedência e esse é um dos
grandes obstáculos à terceira via, ela própria perdida entre a ausência de
rumos, demora na escolha do candidato e traições políticas. Muita coisa pode
mudar a partir de agora, e o retrato da faixa de largada importa para avaliar
as chances iniciais dos candidatos.
Os votos contra o presidente e seu péssimo governo estão vindo por gravidade para Lula. O ex-presidente formou a maior coalizão partidária (9 partidos, um subjudice) e terá o maior tempo de propaganda na rádio e TV. O PT quer liquidar a fatura no primeiro turno, entusiasmado pela manutenção de seu enorme favoritismo no Nordeste e entre os eleitores com até dois salários mínimos, contingente que representa mais da metade em pesquisas como as do Datafolha. Seu avanço no Sul, que se inclinou para Bolsonaro em 2018, e a formação de fortes palanques estaduais em São Paulo e Minas Gerais, os dois maiores colégios eleitorais, além da ampla rejeição a Bolsonaro, abrem uma fresta para a vitória em um turno. Esse cenário não é o mais provável, porém.
A mobilização multiforme de recursos
fiscais e parafiscais com fins eleitoreiros pelo governo pode permitir que
Bolsonaro leve a disputa para o segundo turno. Com estímulos de mais de R$ 300
bilhões para impulsionar o crescimento, que deve ser maior, diminuir o
desemprego, o que está acontecendo, e ampliar o auxílio social houve um início
de reação do candidato oficial, ainda que esmaecida.
Bolsonaro reagiu entre os eleitores de
baixa renda e do sexo feminino, segmentos nos quais sua rejeição é maior.
Algumas pesquisas captam a lenta diminuição da diferença entre os dois
candidatos. A percepção de que a rejeição a Lula está subestimada será testada
agora no calor da campanha.
O parto moroso de um candidato de terceira
via deixou por tempo demais o campo eleitoral ocupado pelos dois principais
contendores. As divergências acirradas no PSDB sobre quem seria o candidato ao
Planalto, João Doria ou Eduardo Leite, terminou com o fato inédito desde 1994
de os tucanos ficarem fora da disputa presidencial. A emedebista Simone Tebet
teve de esperar o resultado desta guerra intestina e assistir às manobras pirotécnicas
de Luciano Bivar, do União Brasil, que rompeu com a terceira via sem jamais ter
entrado nela para, no final da comédia, sequer se lançar à corrida ao Planalto.
Simone Tebet é a terceira candidata com
mais tempo de propaganda na TV. Seu maior problema está, desde o início, em seu
próprio partido, uma federação de interesses regionais com inapetência para
concorrer ao Executivo federal. Por isso, caciques do MDB, como Renan
Calheiros, apostam em Lula - escolha esmagadora nos diretórios da região Nordeste.
As divisões e a demora para o lançamento da candidatura a deixaram também sem
palanques estaduais nos maiores colégios eleitorais, com exceção de São Paulo e
Rio Grande do Sul, e, no total, em apenas 8 Estados.
Uma campanha bem feita e boas propostas
podem mudar parte do jogo a seu favor. Tebet é a única “cara nova” relevante na
disputa, e tem baixa rejeição, o que lhe abre algum espaço. Ela pode atrair boa
parte dos eleitores tucanos e desgarrados da centro-direita, com chances de
trazer mais problemas para Bolsonaro do que para Lula.
O veterano Ciro Gomes, diferentemente de
Tebet, tem um partido até coeso atrás de si, o PDT, mas é o exército de uma
legenda só. Ciro tem palanques estaduais em 11 Estados, mas na maior parte
deles com candidatos pouco competitivos. Ele está parado em terceiro lugar nas
pesquisas, com ao redor de 8% das preferências. É também o terceiro candidato
mais rejeitado, com 25% (Datafolha).
A possibilidade de derretimento da candidatura Bolsonaro em prol da terceira via tornou-se remota, embora seu descontrole, que muitas vezes passa por estratégia, possa fazer muito contra si. Mas, mesmo cometendo barbaridades, tem ainda entre 25% e 30% do eleitorado a seu favor. O apoio das raposas políticas o Centrão podem consertar alguns estragos, mas nem todos. Em um par de semanas as eleições entrarão no radar dos brasileiros e o quadro pode ter mudanças significativas, como ocorreu em vários pleitos.
Não às provocações
Folha de S. Paulo
Afastamento de coronel que espalhava
mentiras sobre urnas expõe despreparo das Forças Armadas
Duas medidas tomadas pelo Tribunal Superior
Eleitoral nesta segunda (8) mostraram ao comando das Forças
Armadas que não há tolerância para quem quiser tumultuar o pleito de outubro.
Pela manhã, a corte comunicou ao ministro
da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, o descredenciamento de um dos
militares indicados pelas Forças Armadas para participar dos trabalhos de
fiscalização do processo eleitoral.
O coronel do Exército Ricardo
Sant’Anna foi posto para fora após a descoberta de publicações
que fez nas redes sociais, disseminando mentiras e teses fantasiosas sobre a
segurança da votação eletrônica.
Como explica o ofício do tribunal, assinado
pelos ministros Edson Fachin, que preside o TSE, e Alexandre de Moraes, que
assumirá o posto na próxima semana, constatou-se que o coronel não tem isenção
para fiscalizar nada, e por isso não merece a confiança do tribunal.
Se é espantoso que o Ministério da Defesa
tenha nomeado alguém assim para atuar na auditoria das eleições sem submeter
sua ficha a escrutínio, surpreende também a leniência com que o coronel foi
tratado por seus superiores.
Embora normas disciplinares do Exército
proíbam manifestações políticas dos militares em redes sociais, não se tem
notícia de que o regulamento tenha sido aplicado a Sant’Anna —nem mesmo após a
revelação de suas postagens pelo site Metrópoles, na última sexta (5).
Na tarde do mesmo dia em que afastou
Sant’Anna, Fachin rejeitou pedido
esdrúxulo apresentado por ele e outro representante das Forças
Armadas em busca de informações das eleições de 2014 e 2018.
Na resposta aos militares, o tribunal
informou que o prazo para tais solicitações expirou há anos e alguns dos
arquivos requisitados já estão até disponíveis no site do TSE.
Os constrangimentos colocam em xeque a
credibilidade dos militares e expõem seu despreparo para a missão que tentam
desempenhar desde que o tribunal os convidou a participar da fiscalização do
pleito.
Há uma semana, o ministro da Defesa chegou
a enviar um ofício em caráter "urgentíssimo" para pedir dados que
estão há meses
disponíveis. Questionamentos no início do ano basearam-se em erros
de cálculo e suposições equivocadas.
Em sua campanha para desacreditar as urnas
e tumultuar o ambiente político, Jair Bolsonaro (PL) sugere que só respeitará o
resultado das eleições se as Forças Armadas atestarem a lisura do processo.
Lamentavelmente, tudo que os militares
fizeram até aqui foi dar corda às patranhas do
mandatário, sem exibir um fiapo de prova de que exista algo errado
nas urnas. O desgaste da imagem das Forças Armadas mostra que a associação com
os provocadores custará caro.
Cortina aberta
Folha de S. Paulo
Nova lei de fomento à cultura promete
estimular diversidade na produção, com menos burocracia
É sabido que a cultura figurou entre os
setores mais afetados pela pandemia. Da noite para o dia, teatros, casas de
espetáculo, cinemas e museus fecharam, e assim permaneceram por meses a fio,
deixando à míngua artistas e profissionais que têm no público sua principal
fonte de renda e financiamento.
Face a esse quadro dramático, o Congresso
aprovou a Lei
Aldir Blanc,
em 2020. O socorro de R$ 3 bilhões foi destinado ao pagamento de um benefício
temporário de R$ 600 mensais a profissionais da área, a subsídios para
manutenção de espaços culturais, cooperativas e organizações do setor cultural,
e a financiamento de projetos.
Diante das mudanças promovidas pelo
governo Jair
Bolsonaro (PL) na Lei Rouanet,
que limitaram o uso dos benefícios que ela proporciona e trouxeram insegurança
para o setor, o Congresso agiu mais uma vez, criando a Lei Aldir
Blanc 2.
O novo diploma fez da ajuda emergencial uma
política permanente de fomento à cultura, com previsão de repasses anuais de R$
3 bilhões a estados e municípios por cinco anos a partir de 2023. Bolsonaro
vetou a lei, mas o Congresso reverteu a decisão na última semana.
Bastante comemorada
pelo setor, a iniciativa assegura um montante inédito de verbas para
a cultura. Em comparação, a Lei Rouanet movimenta R$ 1,2 bilhão
por ano. Mais importante ainda é para onde o dinheiro está indo —e
são promissores os sinais colhidos até agora.
Dados sobre os incentivos distribuídos pela
primeira Lei Aldir Blanc na pandemia mostram que o montante não só chegou a
muitos profissionais que não vinham recebendo apoio como financiou projetos
menores, estimulando, em tese, maior diversidade da produção artística e
cultural.
Assim, foi possível preencher uma lacuna
deixada pela Rouanet, que tende a concentrar verbas num número menor de
projetos.
Segundo o Observatório da Economia Criativa
da Bahia, 63% dos contemplados pela Aldir Blanc não recebiam recursos públicos
desde 2016. A média por projeto foi de R$ 24 mil, ante R$ 461 mil da Rouanet.
A capilaridade e o volume sem precedentes
trazem juntos o desafio da fiscalização do uso correto
dos recursos. Com o fim de desburocratizar e simplificar a prestação
de contas, a lei estabeleceu como objeto principal de avaliação o produto
cultural entregue. Para benefício dos próprios artistas, é crucial que isso
seja feito da forma mais transparente possível.
A relevância de uma âncora fiscal
O Estado de S. Paulo
Qualificar o debate sobre a importância da austeridade é o primeiro passo para que o País possa elaborar políticas públicas para solucionar problemas históricos
Os ataques do presidente Jair Bolsonaro ao
teto de gastos anteciparam uma discussão que deve monopolizar as atenções do
governo a ser eleito em outubro deste ano. Diante da desmoralização do
dispositivo, candidatos à Presidência da República têm sido questionados sobre
a âncora fiscal que adotariam em caso de vitória na disputa. Antecipando-se a
esse cenário, servidores públicos de carreira começaram a desenhar alternativas
a serem apresentadas. A mais recente, revelada pelo Estadão em meados
de julho, é a que impõe uma meta e uma banda de flutuação para a dívida pública
na proporção do PIB, a exemplo do sistema de metas de inflação adotado há 23
anos pelo Banco Central (BC).
À primeira vista, a sugestão pode parecer
um voluntarismo da equipe liderada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes,
protagonista na destruição do arcabouço fiscal. Trata-se, no entanto, de algo
que já estava previsto para ser regulamentado desde março de 2021, quando da
promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial. O texto,
além de garantir o socorro aos vulneráveis, estabelecia que a União deveria
conduzir sua política fiscal de forma a manter a dívida pública em nível
sustentável, especificando os indicadores de sua apuração e uma trajetória de
convergência atrelada a limites definidos em uma nova legislação, bem como
medidas de ajuste, suspensões, vedações e planejamento de alienação de ativos.
Todos estes detalhes devem constar de uma
lei complementar ainda em elaboração, a ser submetida à apreciação do Congresso
após a eleição. Definir uma meta para o endividamento público pode ser perigoso
em se tratando da administração atual. Com uma dívida bruta de R$ 7 trilhões, o
equivalente a 78,2% do PIB, cada ponto porcentual significaria cerca de R$ 90
bilhões a serem cortados ou liberados, a depender da trajetória do
endividamento. Para que se tenha uma ideia da relevância da discussão, o
Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias prevê apenas R$ 108,2 bilhões em
despesas discricionárias para todo o ano de 2023.
Bem mais simples que uma meta para a
dívida, o teto de gastos foi fundamental para resgatar a credibilidade do País
após o desastre da administração Dilma Rousseff. O dispositivo criado em 2016
não deixava espaço para questionamentos. Ao limitar o crescimento das despesas
à variação da inflação, a regra impediria que receitas extraordinárias fossem
usadas para aumentar a proporção do dispêndio público, conduzindo a um
superávit ao longo do tempo. O vigor do teto, no entanto, sempre dependeu de um
compromisso do País com reformas estruturais. Nesse sentido, Bolsonaro
explicitou as consequências nefastas da vitória de um presidente sem liderança
e de um governo sem projeto. A construção de uma maioria parlamentar cooptada
por emendas não garantiu a aprovação de propostas para tirar o País da
estagnação econômica, mas assegurou que o teto fosse alterado cinco vezes. A
mais recente, em julho, serviu para autorizar gastos eleitoreiros e dar algum
fôlego a seu projeto de reeleição.
O resultado dessa gastança desenfreada é
que hoje a dívida pública está muito acima dos 60%, patamar que é considerado
referência para economias emergentes. É o tamanho do endividamento que explica
o fato de a inflação e os juros estarem tão mais altos no Brasil em relação à
maioria dos países do mundo. Qualificar o debate sobre a importância da
austeridade fiscal é o primeiro passo para que o País possa elaborar todas as
outras políticas públicas necessárias para solucionar problemas históricos,
tais como o crescimento pífio, a falta de investimentos, os gargalos na saúde,
a baixa qualidade da educação básica e o retorno da fome. Combater essas
mazelas sem resgatar a credibilidade perdida será impossível. Dado o histórico
da gestão Bolsonaro, a definição da âncora, neste momento, é indiferente – se o
teto foi violado, a meta para a dívida também o seria. O essencial é que tal
âncora exista e que ela seja efetivamente respeitada por todo e qualquer
governo.
Famílias em crise no radar da CNI
O Estado de S. Paulo
Pesquisa detalha redução de consumo, endividamento e inadimplência de consumidores; mesmo com a melhora de alguns indicadores, o quadro geral permanece muito difícil
Cortar gastos, baixar o padrão de vida,
pechinchar, endividar-se e atrasar pagamentos têm sido soluções encontradas por
milhões de famílias para sobreviver, mesmo com algum aumento do emprego e
outros sinais de reativação econômica. A gravidade do quadro acaba de ser
evidenciada, mais uma vez, por uma detalhada
pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Pesquisas
sobre endividamento e inadimplência são publicadas, habitualmente, por
entidades de representação do comércio ou especializadas em informações de
mercado. Nesse campo, a CNI raramente vai além das sondagens sobre a confiança
do consumidor. O empenho da entidade em examinar o assunto mais de perto é mais
um importante sinal de alerta, apesar de um toque de otimismo introduzido pelo
presidente da entidade, Robson Braga de Andrade. Depois de citar indícios de
retomada, ele falou de uma “perspectiva de superação, ainda que gradual”, das
atuais dificuldades.
Essa perspectiva parece influenciar muito
limitadamente, por enquanto, a maioria dos consumidores. Só 14%, segundo a
pesquisa, pretendem aumentar os gastos até o fim do ano, embora 61% das pessoas
com o consumo já reduzido demonstrem otimismo, qualificando as atuais
dificuldades como temporárias. A cautela, no entanto, é muito compreensível,
depois das duras experiências dos últimos meses.
Quase dois terços – 64% – dos consumidores
cortaram gastos desde o início do ano, 68% pechincharam, 34% atrasaram contas
de luz ou água, 19% deixaram de pagar plano de saúde e 16% venderam algum bem
para liquidar dívidas.
Um em cada quatro reclama de falta de
dinheiro para pagar todas as contas mensais e apenas 29% se declaram capazes de
guardar algum dinheiro. Um em cada cinco recorreu a algum empréstimo ou assumiu
algum outro tipo de dívida nos últimos 12 meses. Pesquisas de outras entidades,
como a Confederação Nacional do Comércio (CNC) e a Serasa, têm mostrado o endividamento
crescente e a inadimplência em níveis dificilmente atingidos em outros anos.
Segundo a CNC, em julho 78% das famílias estavam endividadas e 29% tinham
compromissos em atraso. Um ano antes esses números eram 71,4% e 25,6%.O
porcentual de famílias com dívidas em atraso foi o maior da série iniciada em
2010.
As causas do endividamento crescente e do
agravamento da inadimplência são conhecidas de empresários e de analistas. As
más condições de emprego, a inflação acelerada e os juros altos – agravados
pelas condições internacionais – têm pressionado as famílias. Mesmo com a
melhora de alguns indicadores, o quadro geral permanece muito difícil para os
brasileiros. O desemprego pode ter recuado para perto de 9% da população ativa,
mas esse porcentual ainda é elevado e, além disso, há muita informalidade e a
população subutilizada é muito grande – superior a 20%.
Ainda que haja alguma retomada neste
semestre, as condições do emprego continuarão precárias e parte da melhora será
apenas sazonal. Além disso, a recuperação da atividade será modesta, segundo as
estimativas correntes. Apesar do otimismo exibido por alguns empresários,
poucos apostam em crescimento econômico superior a 2% neste ano. Pela mediana
das projeções do mercado, o Produto Interno Bruto (PIB) aumentará 1,98% em 2022
– resultado inferior aos de outros emergentes e de vários países avançados.
Além disso, as estimativas para 2023 têm diminuído e a mediana agora aponta um
avanço de 0,40%, com inflação de 5,36% e taxa básica de juros ainda em 11%. São
péssimos prenúncios para o próximo governo e também, é claro, para a maioria
das famílias. Essas projeções aparecem na pesquisa semanal Focus, do Banco
Central.
Alguma melhora pode logo evaporar-se.
Bondades eleitorais, como o aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600,
estão previstas para acabar em dezembro. Podem ser prorrogadas, mas falta saber
como continuar financiando esses benefícios com dinheiro público. Os dirigentes
da CNI têm razões consideráveis para se preocupar com as condições, atuais e
previsíveis, dos consumidores e também do Tesouro.
Causas da inflação permanecem
O Estado de S. Paulo
Medidas para baratear combustíveis e energia puxaram a deflação de julho; riscos inflacionários continuam
Prevista há semanas pelos especialistas, a
deflação de 0,68% em julho proporciona poucos motivos para comemoração,
principalmente por causa dos preços da comida, com aumentos de 1,30% no mês e
14,72% em 12 meses. Dos nove grupos de bens e serviços pesquisados, só
transportes e habitação tiveram variação negativa, puxada pelos preços dos
combustíveis (-14,15%) e da energia elétrica residencial (-5,78%). Os outros
sete continuaram em alta. A taxa de -0,68%, a mais baixa da série iniciada em
janeiro de 1980, resultou de manobras político-eleitorais para baratear
combustíveis e eletricidade – reduções de impostos e revisões extraordinárias
de tarifas. Derrubaram-se alguns preços, mas nenhuma causa de inflação foi
atacada. Os números
são do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Embora tragam algum alívio imediato,
medidas eleitoreiras podem resultar em novas pressões inflacionárias nos
próximos meses e, muito provavelmente, no próximo ano. Cortes de impostos,
aumento do Auxílio Brasil, benefícios a caminhoneiros, outras bondades fiscais
e as incertezas sobre o futuro das contas públicas tendem a causar
instabilidade de preços. Esses fatores estão no radar do
Copom, o Comitê de Política do Banco Central (BC).
Na semana passada o comitê elevou de 13,25%
para 13,75% ao ano a taxa básica de juros. Se houver novo aumento em setembro,
será provavelmente para 14%. Mas essa e outras altas dependerão do exame de
novos dados. Segundo a ata da última reunião do Copom, realizada nos dias 2 e
3, “políticas temporárias de apoio à renda” podem elevar os prêmios de risco,
afetar a trajetória das contas públicas e aumentar as expectativas
inflacionárias. Essas políticas incluem, obviamente, as bondades eleitoreiras
com custo estimado em R$ 41,2 bilhões neste ano.
Além das pressões inflacionárias internas,
o Copom leva em conta as cotações internacionais de produtos básicos, a
inflação nas grandes economias e as ações – basicamente aumentos de juros –
implementadas no mundo rico para conter a alta de preços. Na política de aperto
contra a inflação, o banco central dos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed),
é o mais avançado, até agora.
Juros mais altos nesses países mexem com os
fluxos de capitais e com as taxas de câmbio. Isso favorece a saída de recursos
dos países emergentes e a valorização do dólar, limitando o campo de ação dos
bancos centrais do Brasil e de vários outros países. Também por isso o Copom
terá menos espaços, no futuro próximo, para afrouxar sua política.
Mas esse é apenas um dos motivos para
manter elevada a taxa básica de juros. Com a insegurança fiscal agravada neste
ano e seus prováveis efeitos em 2023, o Copom terá motivos locais para manter
os juros elevados por bom tempo e reduzi-los lentamente. Pelas estimativas atuais,
a inflação deverá ficar bem próxima da meta em 2024, segundo ano do próximo
governo, quando o centro do alvo estará em 3%. Até lá o Copom terá de persistir
no esforço para frear a alta de preços, mesmo com o custo de restringir o
crescimento econômico.
Programas de presidenciáveis precisam ser
sérios
O Globo
Planos de governo não passam de amontoados
de devaneios. Os eleitores merecem mais respeito
Os partidos têm até a próxima segunda-feira
para protocolar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um documento com as
diretrizes dos respectivos planos de governo de seu candidato à Presidência. Da
extrema direita à extrema esquerda, a exigência legal é encarada como
formalidade burocrática. Não deveria ser assim. Em vez de textos delirantes,
feitos muitas vezes às pressas por marqueteiros, os documentos deveriam fazer
jus ao nome — um plano de governo — e servir para informar os eleitores.
Em 2018, o então candidato Jair Bolsonaro
apresentou um vergonhoso conjunto de slides de PowerPoint à guisa de programa.
Batizado “O caminho da prosperidade”, já era uma aberração antes de o governo
começar. Passados quase quatro anos, orçamentos secretos e o reinado do Centrão
no Congresso, vários trechos soam hoje tragicômicos, em especial aquele que
prometia “um governo sem toma lá dá cá, sem acordos espúrios”.
Segundo reportagem do GLOBO, neste ano a
campanha de Bolsonaro tentará caprichar, evitando o estilo de apresentações
projetadas na parede. No formato, será um avanço. Em termos de conteúdo, porém,
aparentemente as propostas serão novamente superficiais ou, pior, sem sentido.
A promessa estapafúrdia de ampliar acesso a armas de fogo está na versão
preliminar. A manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 a todos os beneficiados
consta do plano sem ressalvas, mesmo depois das críticas à falta de foco do
programa de transferência de renda.
Bolsonaro, que não abriu o país à
competição internacional, interveio na Petrobras para baixar o preço do
combustível e insiste em delírios nacionalistas à base de nióbio e grafeno, tem
ainda a desfaçatez de se apresentar como ícone do liberalismo. Parece piada.
Não é a única. Como se a atual administração não tivesse batido recordes
sucessivos de devastação da Amazônia, o rascunho da proposta fala em “uso
responsável dos recursos naturais”.
O plano de governo apresentado recentemente
ao TSE pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, elaborado depois de
debates intermináveis, também não fica atrás. Mostra que o PT aprendeu pouco
com os erros do passado. Como se a administração de Dilma Rousseff jamais
tivesse existido, defende “recompor o papel indutor e coordenador do Estado e
das empresas estatais” na economia. Lamentável.
Promete “adotar uma estratégia nacional de
desenvolvimento justo, solidário, sustentável, soberano e criativo…”, numa
mostra de que os programas partidários no Brasil aceitam todo tipo de devaneio.
Só faltou dizer que usará a mesma varinha de condão para livrar o país de todas
as maldades e pecados. Para concluir, o PT também insiste, como Bolsonaro, em
prejudicar a Petrobras. O documento fala em mudar a política de preços que
garante a saúde financeira da empresa.
O eleitor precisa ter acesso a programas
minimamente realistas, feitos a partir de uma análise honesta, informada e
intelectualmente consistente do que deu certo e errado no passado, sem
promessas vazias e ilusórias. O Brasil exige planos que não se resumam apenas a
palavras de efeito ou chavões ideológicos para ludibriar os menos atentos.
Incerteza fiscal é principal risco que
ameaça a queda da inflação
O Globo
Deflação reflete redução no preço de
combustíveis e impõe a futuro governo desafio de recobrar confiança perdida
Enquanto os exegetas monetários se debruçam
sobre a ata do Copom para identificar sinais dos próximos movimentos dos juros,
a inflação dá sinais consistentes de trégua. Como era previsto diante da
profusão de malabarismos do governo para reduzir o preço dos
combustíveis, julho
registrou deflação. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)
fechou o mês em 0,68% negativo, menor taxa desde 1980. No acumulado em 12
meses, caiu de 11,9% para 10,1%, patamar compatível com dezembro de 2021.
O sentimento de que os produtos estão mais
baratos pode não ser notado nas gôndolas dos supermercados, mas a inversão da
trajetória de alta dos preços é inequívoca. Ainda assim, as expectativas do
mercado são ambivalentes. Muitos analistas julgam se tratar de queda pontual,
resultado apenas do barateamento dos combustíveis. Ao mesmo tempo, ela derruba
as expectativas pessimistas. O transporte mais barato acabará por influir nos
demais preços. É razoável esperar uma inflação mais suave pelo menos até o
final deste ano.
A maior dúvida diz respeito ao próximo.
Para reduzir o preço do combustível, o governo armou uma bomba fiscal imponderável.
Adiou o pagamento de dívidas (precatórios), adiou aumentos para o
funcionalismo, antecipou
a receita de estatais superavitárias (em particular a Petrobras) e
obteve do Congresso autorização para diversas despesas de caráter eleitoreiro,
acima do permitido pelo teto de gastos, como o bônus para beneficiários do
Auxílio Brasil.
É certo que, como resultado da alta na
arrecadação, as contas públicas fecharão o ano com déficit aquém do previsto,
talvez até fiquem no azul pela primeira vez em oito anos. Mas o futuro é uma
incógnita, em razão das dúvidas que pairam sobre o próximo governo.
Dá-se em Brasília como certa a manutenção
do valor “provisório” do Auxílio Brasil em R$ 600, além de uma onda de
reajustes ao funcionalismo. Na surdina, os dois primeiros colocados na
pesquisas preparam mecanismos para revogar o teto de gastos, única âncora que
tem mantido as despesas públicas sob controle. O resultado esperado de gastos
sem lastro é óbvio: aumento no déficit e na dívida pública.
Para dissipar a dúvida, cabe aos candidatos esclarecer como recobrarão a confiança fiscal antes da eleição, e nenhum dos líderes tem feito isso a contento. O Ministério da Economia estuda estabelecer, no lugar do teto, uma meta para a dívida pública caso o presidente Jair Bolsonaro seja reeleito, mas é difícil avaliar a eficácia dessa nova âncora sem esclarecer seu formato preciso. O principal candidato de oposição, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se limita a afirmar que criará um novo mecanismo para a manutenção do equilíbrio fiscal. Tudo ainda vago. Nada contribuirá tanto para alimentar a expectativa inflacionária — e para novos aumentos de preços — quanto a incerteza fiscal.
Gostaria de insistir que algum das mídias presente nessa coluna comentasse a última pesquisa da Brásmarket publicada na segunda-feira dia oito, que pela primeira vez coloca Bolsonaro a frente na intenção de voto para presidente com 39.8%, contra Lula 33.1%
ResponderExcluirDiferença bem acima da margem de erro