domingo, 7 de agosto de 2022

Paulo Fábio Dantas Neto* - Conversa política sobre a pauta do largo de São Francisco e a das urnas

Um raciocínio de Felipe Nunes, Diretor do Instituto Quaest - exposto fora do contexto geral de uma entrevista que concedeu à CNN, ao divulgar a mais recente rodada de pesquisas do instituto – tem atuado, no discurso eleitoral da esquerda e na linha editorial de parte do jornalismo político, como mais um fermento do bolo lógico do qual se nutre a campanha pela antecipação de um voto “útil” em Lula, pressão precoce feita desde bem antes do período oficial da campanha ao primeiro turno das eleições.

Selecionado e convertido em manchete, um dos raciocínios de Nunes - de que conquistar intenções de voto hoje direcionadas a Lula é o único caminho possível a Bolsonaro para conseguir levar a eleição ao segundo turno - termina induzindo quem não escutar a entrevista inteira a pensar que o analista acha improvável haver segundo turno e que, portanto, a vitória de Lula no primeiro é uma meta ao alcance da mão, o que justifica aumentar a pressão sobre possíveis aliados num eventual segundo turno para que joguem suas toalhas antes que um debate de rumo imprevisível se instale. Mesmo quando essa pressão já não pode ser feita sobre decisões partidárias formais (afinal o 5 de agosto passou), continua, na pesca de adesões individuais e no fomento a cristianizações a granel. É preciso ouvir a íntegra da entrevista para saber que o prognóstico de Nunes é o oposto, ou seja, de que o mais provável é haver segundo turno, afirmação com a qual encerra suas palavras. Se levada a sério, ao menos como hipótese, converte a captura de náufragos eleitorais em praias vizinhas num insólito ensaio de um encalhe na sua.

A entrevista não é contraditória pois o entrevistado faz a afirmação sobre a condição que precisa ser atendida para haver segundo turno depois de ter admitido que Bolsonaro já está, objetivamente, embora de modo lento, tomando para si intenções de votos em Lula. Logo, tal condição já se acharia em processo de efetivação.  Se repararmos no conjunto dos raciocínios de Nunes, a manchete fiel à fala seria "segundo turno só não vai acontecer se Bolsonaro parar de tirar intenções de voto em Lula". 

Esta é uma realidade que nenhum democrata realista está autorizado a ignorar. Tendo ainda a devida clareza sobre o que diz Antônio Lavareda, outro respeitadíssimo analista do ramo: a intenção de voto que uma pesquisa mensura é “atitude” do eleitor, enquanto o voto é “comportamento”. São inúmeros os fatores que interferem no caminho entre a intenção e o voto, para que o eleitor no dia da eleição possa comportar-se votando de modo mais próximo ou mais distante da sua predisposição (atitude). Daí porque a pesquisa, isoladamente, não permite predizer o voto. É preciso recorrer a outros instrumentos dentre os quais se destaca a análise do quadro político mais amplo que contextualiza uma eleição, onde se mesclam fatores históricos e atuais. Ponderação que ganha mais sentido diante da desfaçatez com que o governismo do palácio e do Congresso agride a lei eleitoral para tentar tornar a disputa desigual.

Mantendo ainda a análise das tendências do voto no terreno da “intenção”, cabe duvidar que Lula esteja mesmo perdendo intenções de voto para Bolsonaro, se seu índice geral de intenções não cai, mantendo-se estável. É possível pensar (e aqui já não penso amparado na entrevista mas em dados mais discriminados da pesquisa da Quaest e de outras recentes) que Lula esteja compensando perdas parciais, constatáveis, no embate direto com Bolsonaro - seja em segmentos em que o rival é mais forte (evangélicos, por exemplo), seja em segmentos em que o próprio Lula lidera (voto feminino, de nordestinos e de beneficiários do auxilio Brasil) - através da captura de intenções de voto de indecisos ou intenções antes dirigidas a outros candidatos, especialmente de potenciais eleitores de uma terceira via. Em suma, o voto útil, funcionando antes da hora, ocultaria as perdas de espaço no embate principal.

Se isso estiver ocorrendo mesmo, o que mais deve preocupar a campanha de Lula é o seguinte: a cesta de onde podem sair precoces votos úteis é bem mais limitada (basta olhar os números cada vez mais magros de eleitores “nem, nem”), enquanto a briga direta com o rival dá-se sobre fatias mais gordas do eleitorado mais popular.  Se Lula continuar desviando-se do seu alvo e perdendo vantagem no embate principal, a coisa pode ficar complicada, para ele e, por conseguinte, para todo o campo democrático.

A obsessão por vencer no primeiro turno impede, ademais, a campanha de Lula de encarar com alguma simpatia ou, ao menos, com interesse realista imediato, hipóteses como a de que as candidaturas de Ciro Gomes e Simone Tebet possam ajudar no enfrentamento a Bolsonaro, colocando diques ao deslocamento de votos de centro para o extremista, que tem um comando de campanha profissional e montado em recursos públicos legais e extra-legais; e que essas terceiras candidaturas politicamente sérias possam também, de algum modo, a partir do uso do horário gratuito em rádio e TV, tirar um pouco daquilo que Bolsonaro tem ganho sozinho (e continuamente) do próprio Lula. Isso poderia compensar um pouco a visível perda de gás desse último no jogo parado da disputa principal. Por exemplo, a chapa Simone Tebet / Mara Gabrilli pode talvez conter parte da recuperação de Bolsonaro entre o eleitorado feminino. A persistência na tática de perseguir o chamado voto “útil” acabando de devastar o terreno político do centro democrático - já fragilizado pela polarização, que lhe exclui, e por dilemas e equívocos da própria miopia de partidos e lideranças desse centro - arrisca Lula a ver a coisa feia no terreno eleitoral, no qual, semanas atrás, supunha-se que nadaria de braçada.

Pode, por outro lado, parecer contraditório a coluna de hoje estar alertando contra o que considero ser um autoengano perigoso da tática eleitoral de Lula diante da melhora das condições competitivas do seu adversário principal. Afinal, a leitora ou leitor mais ou menos assíduo deve lembrar que, em duas das três semanas mais recentes, artigos desta coluna (” Democracia, presente!”, em 17.07 e “Dobrando o cabo das tormentas”, em 31.07) transmitiram confiança crescente numa evolução favorável do processo de isolamento político do presidente em investidas golpistas contra o Poder Judiciário e o sistema eleitoral e em falas e gestos para cooptar as forças armadas e fomentar violência política e policial.

Inexiste motivo para reescrever o que escrevi nessas duas ocasiões. Uma coisa (o rechaço do golpismo) é uma coisa; outra coisa (a disputa eleitoral) é outra coisa. Isso já havia sido considerado num terceiro artigo também recente desta coluna (“Utilidade tática e prudência estratégica: o voto “útil” em questão”, em 23.07). Já então a percepção do isolamento de Bolsonaro no plano institucional convivia com a de que há algo mais complexo, dilemático mesmo, a resolver, no plano eleitoral. É cada vez mais nítida uma terceira percepção: a de que os atores empenhados na reeleição do presidente estão conseguindo isolar, de modo eficaz, os dois planos de luta distintos, isto é, a caça de votos em ambientes a princípio hostis, buscando garantir sua competividade ao se aproximar do líder nas pesquisas e, de outro lado, a consolidação, não só do voto, como do engajamento mobilizado do público cativo, que nunca foi, não é, nem precisa ser majoritário. No front diretamente eleitoral o pragmatismo profissional impera. No institucional o lema é esticar a corda ideológica. O balanço até aqui é reanimador para ele no primeiro plano. Já o isolamento no segundo é limão que sua agitação e propaganda quer converter em limonada.

Desenha-se uma nova conjuntura que inverte os termos da que vínhamos vivendo há muitos meses. Há bastante tempo os políticos e seus partidos, o sistema de justiça, a imprensa e a sociedade civil de um modo geral preparam-se para enfrentar um ataque ao nosso Capitólio. E essa preparação, segundo entendo, vai bem, obrigado. Embora se mantenha a convicção de que o ataque virá, são hoje menores os receios de que tenha êxito e essa sensação de menos insegurança provém das crescentes unidade e disposição à ação da sociedade civil. Esse processo, ao que se espera, avançará mais um patamar a partir da próxima quinta-feira, dia 11, quando, do sítio simbólico da Faculdade de Direito da USP, pode se espalhar pelo país uma onda de participação cívica indicadora de que na sociedade civil forma-se, de fato, a frente democrática que não se formou até aqui no plano eleitoral.

Bolsonaro tem conseguido sustentar a desconexão entre as duas frentes de luta porque seu time tem jogado estrategicamente para isso. Sua ala ideológica e seu núcleo familiar pararam de tentar melar internamente o jogo do centrão, evitando usar as redes numa contraproducente disputa interna. Do mesmo modo age o dispositivo militar do palácio, aceitando a terceirização da gestão orçamentária.  Por outro lado, os chefes e operadores do centrão, na medida do possível, encenam um script de “João sem braço”, fingindo não serem consigo as barbaridades verbais e procedimentais do presidente, inclusive a mais grave de todas, que ele cometeu ao expor, em registro negativo, as instituições do país perante o corpo diplomático. É um equilíbrio instável, nada garante que se mantenha impávido até outubro, mas convenha-se que tem se mantido firme além do previsto, em parte com a ajuda da inércia política da oposição. A tudo aquilo que, no debate institucional, tem sido, no geral, prudência e unidade democrática, corresponde tibieza e autofagia nas articulações eleitorais e também na vida legislativa.  Falta, nessas searas, uma ação coletiva responsável por parte da elite política. Os alinhamentos para a disputa presidencial têm ficado reféns de interesses paroquiais, o que torna todos os gatos pardos e dá a Bolsonaro o benefício de um nivelamento por baixo que tanto buscou para fazer prosperar sua fronda.  

Nessa toada em que faltam conceito e comando políticos à campanha para presidente e também às majoritárias estaduais, com raríssimas exceções, fenece o sentido nacional da competição eleitoral. Aí reside, a meu ver, a inversão dos termos nessa nova conjuntura de luta dual - institucional e eleitoral. O que, no quadro pré-eleitoral, durante os meses em que mais se temia um golpe, via-se como dianteira folgada de Lula, já se afigura agora como disputa bem mais renhida, voto a voto, ainda mais se tivermos em conta que apenas começou a esperada temporada de colheita de frutos eleitorais dos estupros institucionais e políticos recentemente cometidos em prol da tentativa de reeleger o presidente, aos quais se somaram os ventos mais benignos que passam a soprar sobre a economia. Se até ontem repetia-se em todo lugar que a economia e suas implicações sociais seriam os fatores decisivos nessa campanha, seria estúpido alterar esse argumento porque a roda da fortuna parece mudar de direção. É inútil matar o mensageiro: Lula não mais enfrentará um rival atolado num desastre econômico e inerte diante da crise social. Na hora das urnas um alívio social fugaz mascarará o desastre e o presidente terá saído da inércia ainda que pelo caminho do mais miserável estelionato.  A bola estará com a oposição para encontrar um discurso que não se renda ao embuste, como se reconhecesse que o crime compensa.  

O mais inquietante é que em termos de uma visão econômica que sustente uma proposição de política social para os pobres - que não seja uma fuga populista para a frente, no caso do socorro aos mais vulneráveis - não há sinal de reação, pragmática ou programática, por parte da principal campanha da oposição. É certo que há um programa escrito no PT, que supostamente aborda também o futuro, mas seja ele qual for, não é comunicado pela boca do candidato. E esforços antigos de Ciro Gomes e recentes de Simone Tebet têm esbarrado no paredão plebiscitário que interdita suas conversas embaixo. Oxalá o horário gratuito difunda um mínimo de informação a partir dessas duas candidaturas, até porque é sabido que para se produzir consensos eficazes, mesmo apenas entre elas, há um duro caminho a percorrer, que será mais duro ainda se a esse esforço de debate vier se juntar a candidatura mais forte. Dureza incontornável, porém, se quisermos que o país saia, de fato, da arapuca em que se enfiou.

Cada dia mais fica evidente que a tática atual da campanha do líder das pesquisas resume-se a tentar ganhar no varejão, por um triz, no tudo ou nada, em 2 de outubro, apostando que, até lá, a rejeição do rival não cairá a ponto de o jogo embolar e o próprio Bolsonaro ameaçar chegar na frente. À medida em que a campanha mergulha mais nessa tática, desvanece sua visão lateral e vai se descartando, de modo que pode se tornar irreversível, uma inflexão estratégica para firmar uma aliança política com lastro civil e partidário real, não dependente só de cooptações operadas pela força de gravidade do mero populismo eleitoral. Tal aliança é a que pode propiciar vitória mais ampla ao campo da democracia, pelo apoio de um terceiro campo político que receba um alento nas urnas. O que conta aqui não é a aritmética das intenções, refletida hoje nas pesquisas, mas a capacidade que pode ter um conceito político de respaldar um bom combate e fomentar, no atacado, um comportamento do eleitor que expresse um sentimento coletivo, a emoção cívica, enfim, capaz de garantir a vitória hoje entregue ao risco do varejo. Tudo isso parece uma quimera a quem chafurda no pântano do varejo político. Talvez seja e se for preparemo-nos para mais anos difíceis.  Mas quem será mesmo que está se iludindo mais?

Nos velhos tempos do populismo "moderado", funcionava a maior habilidade do líder em modular um discurso diferente para cada público ou evento. Hoje, na era do populismo extremista, isso não funciona mais. Os cruzados de um democratismo liberticida e miliciano multiplicam-se em rede como guardas de esquina. Além disso, no caso brasileiro, o confronto visível é entre, de um lado, um populismo oficial, montado em grana pública, cavalo em disparada sem rédeas de qualquer escrúpulo e sem rota confessável e, de outro, um populismo dependente da saliva, em boa parte empoeirada, de um carisma que já viveu seus dias melhores no passado. Se na aritmética das pesquisas, daqui a algumas semanas, o populismo extremista da situação conseguir marcar tantos pontos quanto o de oposição, pode ser que precisemos pensar num segundo turno como tempo e palco para uma virada de jogo, enquanto o autocrata inflama suas redes com a ideia de que ele e não Lula pode liquidar a fatura no primeiro turno. Pode ser também que aí os navios tenham sido queimados pelo êxito fatal da campanha antecipada pelo voto “útil”. Queimando agora suas reservas de capital político para um eventual segundo turno, a oposição eleitoralmente mais relevante arrisca-se a ver a intenção utilitária, de tão estimulada, prevalecer e tornar o voto democrático concretamente inútil.

A essa altura não basta tentar dizer o que é preciso fazer para mudar o disco arranhado da campanha de Lula. Certamente há na esquerda e em suas cercanias quadros - homens e mulheres - preparados para tanto em economia, política social e ambiental, bem como em agitação e propaganda.  Ocorre que as más notícias vão além das até aqui cogitadas. A julgar pelo que ainda anteontem ouvimos de Gleisi Hofmann durante o ato de adesão de André Janones, alguma mudança de rumo imediata na campanha talvez seja ilusão ainda maior que a imprudência de Lula seguir na atual toada, achando que, assim, pode ganhar no primeiro turno. É razoável supor que ele não vai, de repente, mudar o disco e passar a falar, propositivamente, sobre o futuro. Pode começar a fazer isso se e somente se a velocidade da recuperação de Bolsonaro alcançar um empate técnico antes do que os estrategistas esperam. Lula pode entender que a inflexão é necessária, mas pode não ter mais como fazê-la como movimento voluntário.

A força da inércia cobra seu preço de diferentes modos. Por um lado, seu próprio cacoete (o populismo passadista), aguçado pelo tempo; de outro, dois cacoetes da militância (radicalismo residual de poucos e interesses eleitorais e cartoriais dos muitos candidatos e diretórios nos estados) talvez já tenham capturado o grosso das energias políticas no seu entorno. Desse mato pode ser que não saia mais nada, a não ser esse varejo mesmo, pelo qual Bolsonaro se recupera tomando votos de Lula e Lula reage correndo atrás de Janones, assim como de Renans e Bivares. A sua imagem nesta campanha tem confirmado sua reputação de esperteza na pequena política (e isso não é ruim) e ao lado disso a de fragilidade ou lentidão inéditas de liderança sobre seus próprios companheiros, vide a mixórdia que se passa no Rio, na Bahia e em vários outros estados. A sensação é que ele tenta ganhar a eleição com essa raspa de tacho.  Daí precisar ganhar logo no primeiro turno, mesmo que seja por 0,1% de diferença, dando ao rival a chance de fazer seu discurso contra a segurança das urnas se tornar mais persuasivo.

Uma campanha montada num varejo assim, sem estratégia nem comando político, ancorada num candidato popular, mas com dificuldade de trânsito nacional fluente, capaz de despertar a grande política de seu sono profundo; e num partido relevante, mas que perdeu, nos desvãos das desventuras, vários de seus mais experimentados quadros dirigentes, corre contra o tempo para fugir do gongo.

Entendo a lógica de quem prega uma reestruturação no discurso de Lula para que ele pegue um gás perante o novo eleitorado popular brasileiro. Concordo que é uma esperança, provavelmente a única que se tem à mão nessa eleição, caso ele admita que o segundo turno é um tempo político a seu favor. Mas essa guinada, ainda que ocorra, será um necessário insuficiente. A eleição corre risco e Lula não sairá dessa sinuca puxando-se pelos cabelos. Terá que ser resgatado pela sociedade civil, que já não é aquela que lhe deu um cheque em branco após a sua Carta aos Brasileiros. Essa sociedade plural voltou a escrever e a proclamar diretrizes para si mesma e para o país. Dependemos – e com essa ideia encerro essa reflexão - de um movimento externo às campanhas, que emane da sociedade para elas e crie um clima de mobilização e de convergência que nenhuma delas conseguiu criar até aqui na sociedade.

É duvidoso que movimento cívico de tal monta ocorra e não censuro quem encara ceticamente a hipótese. Por outro lado, falando francamente, não vejo outra senda por onde se possa caminhar. Vale a aposta, pelos sinais emitidos nos últimos dias. A sociedade civil defende as instituições e conclama a elite política a agregar-se em torno da República. Ao mesmo tempo a conclama a reconhecer sua diversidade e a, nos marcos dela, cumprir sua missão de governar, pois a ela a sociedade civil não pode nem deve substituir. Essa ideia deriva de outra: a sociedade civil não é a soberana e sim o eleitorado.

A contenção de um presidente autocrático por um movimento cívico não pode, então, ser ato eleitoralmente neutro. Precisa fomentar, entre lideranças e partidos democráticos, atitude política que não permita ao autocrata escorar-se, afinal, insolitamente, no que até aqui tem se mostrado como seu mais improvável arrimo, as urnas que tenta desmoralizar. Redescobrir nossa civilidade é condição para deter a barbárie que sequestrou a política. Deitar-se no berço esplêndido da civilidade redescoberta e proclamá-la poder legítimo, que não é, seria marchar para um impasse venezuelano. O povo pode votar contra a democracia, ainda que a sociedade civil a defenda. Por isso é questão vital aos democratas encarar também a pauta eleitoral, conectando, sem confundir, os dois planos que Bolsonaro quer isolar.

Esse senso de contenção democrática diante do poder soberano que emana das urnas é a mensagem que lideranças políticas podem levar ao Largo de São Francisco para canalizar a um porto político o ativismo civil que comandará o ato. Em retorno, o ativismo civil pode dizer a partidos e candidatos que não renunciem a seu papel dirigente. Essas mensagens recíprocas estão na Carta de 88. Suas negações estão em guardianias que demonizam a representação política e nos populismos que a pervertem.

*Cientista político e professor da UFBa.

Um comentário: