Valor Econômico
Subsídios para “setores estratégicos” e
proteção comercial vão na direção oposta do que o Brasil precisa para crescer
Até pouco tempo atrás, economistas
heterodoxos e representantes da indústria costumavam apontar a China como
exemplo de políticas industriais bem sucedidas e indicação da necessidade de
subsídios para o setor. Ainda hoje muitos deles defendem a volta dos velhos (e
lucrativos) esquemas de financiamento do BNDES como condição necessária para o
desenvolvimento nacional. Essas crenças, entretanto, ignoram dois fatos
importantíssimos: a explosão do financiamento privado de longo prazo no Brasil,
ocorrida desde que o financiamento estratégico do BNDES foi reduzido e a perda
recente e acelerada da importância relativa da produção industrial na economia
chinesa, com o aumento relativo da participação dos serviços.
Entre 2011 e 2014, no auge da Nova Matriz Econômica, os desembolsos do BNDES - subsidiados em sua maioria - ultrapassavam os financiamentos no mercado de capital privado doméstico e se mantinham acima de 3% do PIB. Os privados, em 2011 por exemplo, eram somente 2,57% do PIB. Após o fim da TJLP e a introdução da TLP, os financiamentos do banco passaram a se dar a taxas próximas das de mercado e, ao contrário do que previam os desenvolvimentistas e lobistas da indústria, não houve escassez de fundos.
Ao contrário, o aumento das captações
privadas mais que compensou a redução dos desembolsos do BNDES. Mesmo depois de
duas recessões e choques como o da covid, o financiamento total - privado e do
BNDES - é hoje maior do que antes das mudanças nas regras de financiamento do
banco e o mercado privado representa hoje 6,8% do PIB e os desembolsos do
BNDES, 0,74% do PIB.
Por décadas, os auto-intitulados
desenvolvimentistas afirmavam que, como não havia um mercado privado que
provesse financiamento de longo prazo, a atuação do BNDES era necessária para
sustentar o investimento. Mas a causalidade era exatamente a oposta: não havia
um mercado privado de financiamento de longo prazo porque o BNDES oferecia
financiamentos subsidiados. Com efeito, logo após a redução dos empréstimos do
banco, o mercado privado imediatamente ocupou o espaço deixado, e hoje as
empresas conseguem emitir dívida de longo prazo, financiando-se privadamente
sem problemas.
Preconizar a volta do “BNDES de
antigamente” e de políticas industriais ativas, como ainda fazem muitos
desenvolvimentistas, é simplesmente advogar que o Estado deva atuar numa área
onde o mercado privado já cumpre seu papel adequadamente. Apesar de não haver
falta de financiamento, eles continuam defendendo que o contribuinte brasileiro
transfira recursos para os acionistas e trabalhadores das empresas com acesso
ao BNDES.
A insistência em políticas industriais
também ignora o fato de que toda economia capitalista, ao longo de seu processo
de desenvolvimento, se transforma gradualmente em uma economia de serviços.
Nesta, a acumulação de capital humano, além de tecnologia e inovação, são os
fatores determinantes do crescimento. A China, antes um contra-exemplo, agora
tornou-se mais um bom exemplo.
Artigo recente de Chen, Pei, Song, e
Zilibotti (Tertiarization Like China, NBER WP #30272) mostra que, nos últimos
anos, a economia chinesa rapidamente se ajustou à norma. Hoje, os setores de serviços
já correspondem a mais de 60% do PIB chinês, cifra semelhante à média dos
países da OCDE com mesmo nível de renda per capita. A tendência da indústria é
a oposta: sua participação na economia chinesa, que era muito superior àquela
de países da OCDE com renda per capita similar, hoje está ligeiramente abaixo
da norma.
O crescimento não é só de serviços
intermediários para indústrias, mas também em serviços pessoais - restaurantes,
comércio, saúde etc - e não tem qualquer ligação com serviços públicos. Aqui
dois fatos chamam atenção e trazem lições para este debate: 1) no período, a
produtividade do trabalho chinês e a produtividade total dos fatores, uma
medida de eficiência, cresceram muito mais rápido nos serviços que na
indústria; 2) o aumento da educação média da mão de obra foi também mais forte
nos serviços. Esse setor é hoje o mais intensivo em mão de obra altamente
qualificada.
Os obcecados pela indústria erram no foco
setorial, pois a indústria não terá grande impacto sobre a economia como um
todo, mas deixarão bem contentes os que voltariam a receber subsídios. Se a
economia brasileira, assim como a chinesa e outras, se tornarão inexoravelmente
economias de serviços, a prioridade deveria ser políticas educacionais
agressivas de qualificação da mão de obra, de melhoria da qualidade do que se
ensina, de investimento em pesquisa, bem como de reformas institucionais que
diminuam as distorções na economia como um todo. Subsídios para “setores
estratégicos” e proteção comercial vão na direção oposta do que o Brasil
precisa para crescer. Não são um “projeto de nação” ou de desenvolvimento, mas
sim de continuidade do atraso e da desigualdade.
Pode-se ignorar os fatos e continuar
defendendo políticas industriais que não funcionaram no passado e só pioram a
distribuição de renda. Isto é o esperado de lobistas e representantes da
indústria, que só têm a ganhar privadamente com elas. São os capitalistas que
não gostam do capitalismo. Mas por que nossos desenvolvimentistas, economistas
heterodoxos e dos partidos de esquerda continuam a defendê-las é algo que nunca
nos deixa de surpreender.
*Pedro Cavalcanti Ferreira é
professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento.
Renato Fragelli Cardoso é professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE-FGV).
Muito bom o texto,a pensar...
ResponderExcluirÓtimo texto !
ResponderExcluir