O Globo
É preciso ter uma máquina profissional que
saiba reagir à desinformação. Houve quatro anos para prepará-la
O vídeo impressiona de tão bem editado.
Renata Vasconcellos, âncora do Jornal Nacional, apresenta a pesquisa do Ipec
anunciada na última segunda-feira. Quando corta para o gráfico, porém, os
números contam uma história bem distinta daquela que realmente foi ao ar. No
vídeo que salta de WhatsApp em WhatsApp, o presidente Jair Bolsonaro (PL)
lidera com 44%, seguido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com
32%. O
Ipec de verdade afirmou exatamente o contrário. Mas a edição do áudio
é tão precisa que o receptor desavisado não perceberá nada. A máquina
bolsonarista de fake news, de desinformação, já está a toda. Começou o inferno
que será esta eleição. E o principal adversário do presidente, Lula, está
completamente despreparado para essa batalha.
O despreparo ficou evidente para quem acompanhou os grupos de zap na última semana. A campanha do presidente trabalha de forma sofisticada a desinformação. Não é mera produção de mentiras — há coordenação. O foco da semana que passou foi religiosidade, principalmente voltada para um dos eleitores-chave desta eleição: o brasileiro evangélico.
Na cara de todos, na publicidade oficial,
Bolsonaro circulou calado enquanto a primeira-dama, Michelle, falava. Não à
toa. Ele precisa conquistar mais mulheres, corte demográfico que dá imensa
vantagem a Lula. Entre evangélicos, mulheres formam maioria. Por ser mulher,
Michelle gera empatia. Mas não é só. Ela fala a língua dos louvores. Enquanto
parte da elite olha constrangida, cheia de preconceitos que não reconhece,
Michelle está num espaço em que se move à vontade.
Enquanto ela falava de um Palácio do
Planalto consagrado a Deus hoje, em oposição ao consagrado ao Diabo antes, nos
grupos de zap corriam informações absolutamente mentirosas. Por
exemplo, que, se eleito, Lula mandaria fechar templos. Nem poderia — a
liberdade de culto é direito de todo brasileiro, cláusula pétrea da
Constituição de 1988.
É uma comunicação que rima. O que é falado
na frente de todos e o que é falado sem autoria, às escondidas, aquelas
imagens, textos com cara de notícia porém falsos, aqueles vídeos tantos, tudo
trata do mesmo assunto. Um confirma o outro. Aquela informação delicada que o eleitor
recebe em segredo, exclusiva, que “os jornais não contam”, dá novo contexto ao
que o presidente, sua mulher e ministros estão dizendo.
A vítima hoje é Lula — fossem Ciro Gomes
(PDT) ou Simone Tebet (MDB) em primeiro, seriam ele ou ela. Mas, enquanto o
bolsonarismo atacava a credibilidade do petista entre evangélicos, nos zaps
oficiais da campanha de Lula havia figurinhas do candidato a presidente. Vídeos
de campanha de um Lula sorridente. Nos grupos não oficiais, o clima era de
indignação. Não com Bolsonaro, mas com quem ousava se fiar em pesquisas que
sugeriam uma eleição apertando.
Demorou quase uma semana para que um
discurso de defesa contra essa linha de ataque começasse a aparecer. Uma semana
para reagir.
Num mundo ideal, não haveria ameaça à democracia
que exigisse do novo presidente do TSE dar uma bronca pública no presidente da
República, em cadeia de rádio e TV. Não haveria grupos de zap de empresários
bolsonaristas defendendo que se instaure uma ditadura. Num mundo ideal, um dos
candidatos não teria uma máquina publicitária baseada exclusivamente na
mentira. Mas não vivemos no mundo ideal, e as instituições não têm agilidade
suficiente para reagir.
Sobram os candidatos democratas — Lula,
Ciro, Simone. Principalmente Lula, por estar na frente. É preciso ter uma
máquina profissional que saiba reagir à desinformação. Houve quatro anos para
prepará-la.
O bolsonarismo é uma indústria de mentiras! Elas são produzidas em ritmo frenético por alguns cerebrados (poucos!) e distribuídas pelas redes sociais dos descerebrados!
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