sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Reinaldo Azevedo - O óbvio como discurso de resistência

Folha de S. Paulo

Golpismo de empresários choca também pela ignorância sobre o país

A que padrão miserável foi relegado o Brasil para se ver na contingência de saudar como um ato de resistência a fala de Alexandre de Moraes ao tomar posse na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A rigor, nada há de especial ali: é o Teorema de Pitágoras do Estado de Direito; é a Lei da Gravidade da democracia; é a Lei dos Grandes Números de uma vida civilizada. E, no entanto, reagimos, os decentes, como se o ministro tivesse descoberto a Pedra Filosofal.

Que país é este em que o óbvio é alçado à condição de uma categoria especial de pensamento? É aquele em que alguns empresários, entre outros, reúnem-se em um grupo de WhatsApp para pregar um golpe de Estado caso Lula vença a eleição. E o fazem em nome da liberdade. A retórica dos trogloditas mundo afora é sempre a mesma.

Não estou obviamente criticando o discurso de Moraes. Ao contrário. Na sua simplicidade e na sua clareza, expôs a natureza destes dias. Tanto é assim que só o presidente e os que dependem de sua vontade para permanecer no cargo que ocupam não aplaudiram.

André Mendonça e Kassio Nunes Marques, ministros do STF, também não se entusiasmaram. Mas, nesse caso, a questão é de caráter, não de dependência funcional.

Encerrada a solenidade, os hortelões da República deram início a seu frenético trabalho de plantação. Auxiliares de Bolsonaro e militares —todos sem cara— afirmaram que Moraes teria exagerado no tom.

Marco Aurélio Mello, o ex-STF que não é dado a meditações —não às boas ao menos—, com o espírito nada estoico que o caracteriza, carregou no tom apocalíptico: "Perderam as duas instituições, o Tribunal Superior Eleitoral e a Presidência da República; perdeu esta sofrida República, perdeu o Brasil. Que tristeza! E fui, com muita dor, testemunha do nefasto acontecimento".

Um ministro do Supremo, ao assumir a presidência do TSE, faz a defesa dos fundamentos, digamos, corriqueiros de uma sociedade democrática, e os cupinchas do mandatário, com ou sem uniforme, veem nisso uma afronta.

Bolsonaro e o bolsonarismo espalham ignorância e obscurantismo em toda parte e conferem a uma massa de iletrados éticos e morais, muitos deles ricos e prepotentes, uma sensação de pertencimento. A exemplo do líder da súcia, essa gente nunca quis estudar nada, aprofundar-se em coisa nenhuma, dedicar-se a qualquer tipo de investigação ou especulação teóricas. Ao contrário: trata o cultivo intelectual com desdém e rancor —"coisa de comunistas".

Desde logo é preciso distinguir o pobre que se deixa seduzir pela retórica inflamada e simplista do líder carismático —e pensar que "carisma" é, na origem, uma graça concedida pelos deuses...— daqueles que sabem muito bem o nome do que praticam.

Reportagem de Guilherme Amado, no Metrópoles, expôs as articulações golpistas de empresários como Luciano Hang (Havan), Afrânio Barreira (Coco Bambu), José Khouri (Rede Barra Shopping), Ivan Wrobel (Construtora W3) e Marco Aurélio Raymundo, o "Morongo" (Mormaii).

Esses senhores conversam sobre um golpe, no grupo "WhatsApp Empresários", no caso de o petista vencer a eleição, como quem combina uma feijoada no sábado. É claro que é chocante ler aquelas indignidades. O tal "Morongo" avança em delírio sangrento: "Se for vencedor o lado que defendemos, o sangue das vítimas se tornam [sic] sangue de heróis! A espécie humana SEMPRE foi muito violenta. Os ‘bonzinhos’ sempre foram dominados… É uma utopia pensar que sempre as coisas se resolvem ‘na boa’. (...)".

Há gente ali na turma que transita na casa dos bilhões. A absoluta ignorância sobre o funcionamento da máquina pública e sobre o papel dos Poderes constituídos é estupefaciente. Entendem a política como mero exercício da vontade do mais forte. São bem-sucedidos nos negócios; são ricos... Por que, então, não estariam certos? O ser quem são, na sua cabeça torta, torna o mundo o que eles acham que é.

Esses valentes têm seu próprio Teorema de Pitágoras, sua própria Lei da Gravidade, sua própria Lei dos Grandes Números. Não estão se organizando para mudar a legislação, o que é legítimo. Querem é pôr fim à democracia. E isso é crime agora tipificado no Código Penal. Que paguem.

3 comentários:

  1. Eles já foram liberais, neoliberais. Hoje são necrófilos. Me refiro ao ritmo.

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  2. E Bolsonaro,como sempre,disse ser invenção de jornalista.

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