O Globo
Confronto direto é ambiente para desmentir
boatos e desmentir estratégias abaixo da linha da cintura
O Brasil regrediu a tal ponto em termos
civilizatórios e de maturidade política que a ida de candidatos a presidente da
República a debates virou praticamente um favor que esses políticos prestam à
imprensa e ao eleitorado. Não é. Trata-se de um dever elementar de quem tem a
pretensão de merecer o voto para comandar os destinos de um país da complexidade
e do tamanho do Brasil por quatro anos.
É o que dá tratar candidato como pop star e
eleição como futebol. Do seu ídolo você não cobra nada, porque você é fã. Você
pode até ter raiva momentânea do seu time, mas segue torcendo mesmo na derrota.
Transformado em torcedor, o eleitor atura que seu candidato aja com ele com o
profundo desdém de imaginar que não precisa explicar o passado, se comprometer
com o futuro ou dizer como e com que dinheiro cumprirá suas promessas.
O voto é considerado favas contadas, e é
mais seguro, dizem marqueteiros e conselheiros de toda ordem, falar apenas em
ambientes controlados, livres do confronto direto com adversários e do
escrutínio da imprensa profissional.
A condição apresentada inicialmente para que o ex-presidente Lula participasse de debates no primeiro turno era a realização de pools, arranjos pelos quais vários órgãos de comunicação se unem para a transmissão simultânea. Com isso, a agenda do candidato ficaria livre para outros compromissos.
Dada a profusão de debates propostos no
primeiro momento, sugestão bastante razoável. Está, ademais, em linha com o que
se pratica em democracias consolidadas, como os Estados Unidos. Tão razoável
era a ideia que foi acatada. Os jornais propuseram repetir o consórcio de
veículos de imprensa que apura dados da pandemia. Duas emissoras, um jornal e
um portal formaram outro pool.
Lula e Jair Bolsonaro se esquivaram do
confronto proposto pelos jornais. Agora, a dois dias da realização do debate do
segundo pool, a cujas reuniões compareceram até o final, não se tem certeza
quanto à participação de nenhum deles, que, hoje, concentram mais de 75% dos
votos indicados pelos eleitores em pesquisas.
Rivais como Ciro Gomes e Simone Tebet, hoje
em franca desvantagem segundo esses levantamentos de intenção de voto, têm
razão em reclamar da esquiva dos líderes da disputa a se submeter ao encontro.
Há na História brasileira desde a
redemocratização exemplos de debates cruciais para o eleitor definir seu voto,
como o que se deu entre o próprio Lula e Fernando Collor em 1989, ou aqueles
que opuseram Mário Covas e Paulo Maluf nos anos 1990, na disputa pelo governo
de São Paulo.
O fato de as redes sociais e formas
alternativas de comunicação com o eleitor terem ganhado relevo em 2022 não
suprime a importância de colocar candidatos com retrospectos, posições
ideológicas e propostas sociais e econômicas tão díspares frente a frente, para
que questionem um ao outro quanto a seus calcanhares de aquiles e às
inconsistências de seus discursos.
Ainda está em curso a negociação para que
os candidatos abandonem o cálculo imediatista de riscos, a postura defensiva e
decidam honrar o compromisso e o dever de ir ao primeiro debate da campanha
neste domingo.
Lula, sobretudo, parece mais propenso a
participar, o que seria importante num momento em que a distância entre ele e
Bolsonaro se reduz, e o adversário vem conseguindo, por meio do uso de fake
news, ampliar a vantagem contra ele em grupos como os evangélicos.
O debate é o ambiente por excelência para
desmentir boatos e apontar cara a cara as estratégias de campanha abaixo da
linha da cintura.
Como Bolsonaro teme mais que tudo a fama de
que tem medo de Lula, a decisão do petista de comparecer deverá impulsioná-lo a
fazer o mesmo. Que assim seja. Mas o amadurecimento da democracia precisa levar
os políticos brasileiros a ver o debate não como um jogo de perdas e ganhos ou
de quem pisca primeiro, mas como um dever com o eleitor de que não podem se
furtar.
Eleição no Brasil baniu a ordem dos fatores, para concordar com a Corte, honestíssima, por sinal, ah! Sei. Agora significa escolher entre ladões o menos pior. E isso são candidatos?
ResponderExcluirSó aqui mesmo, no Brasil, país onde cada ladrao é pior que o outro e cada um com memória mais curta que o outro.
O debate de Lula e Collor em 1989 foi editado pela Globo,diga-se.
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