Valor Econômico
Mobilização e radicalização andam de mãos
dadas
O 7 de setembro, de um certo modo, foi o
equivalente ao #EleNão do bolsonarismo. O golpismo teve ampla guarida no
público vestido de verde e amarelo anteontem na praia de Copacabana, como
mostrou o levantamento de um núcleo da USP, publicado no site do jornal “O
Globo”, mas esta não foi a tônica das ruas.
Muito mais forte na retórica do presidente
Jair Bolsonaro foi a diatribe contra o nove-dedos, o carniça, o cachaceiro, o
ladrão, o comunista, o ameaçador das tradições, o pervertedor das famílias.
A aposta nas ruas implica naturalmente em radicalismo, não há outra maneira de se conseguir uma mobilização. Prega-se aos convertidos. Bolsonaro ontem reuniu uma plateia de aficcionados - 91% dos presentes votaram nele em 2018, de acordo com a pesquisa divulgada pelo “O Globo”. O saldo mais concreto em termos eleitorais é uma energização da base que leva o seu eleitor a se empenhar mais na persuasão ou intimidação de quem pensa diferente.
Como a maioria dos presentes nas ruas na
quarta-feira é simpática ao que chamam de “intervenção militar constitucional”-
tema que, frise-se, não fez parte da arenga do presidente - Bolsonaro já tem
uma massa crítica para propósitos anti-institucionais que, no 7 de setembro,
ficaram apenas na mensagem subliminar: as insistentes alusões a liberdades
supostamente ameaçadas, o que tornaria necessário o uso da força, de uma forma
que ele nunca explica.
“A mobilização gera imagens de impacto que
em um primeiro momento permite ao candidato contestar o quadro das pesquisas e
em um segundo momento o próprio resultado eleitoral”, observou o cientista
político Pablo Ortellado, um dos coordenadores do estudo.
Em 2018, com o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva na cadeia e sem direitos políticos, a estratégia dos petistas foi
a de ir às ruas contra o atual presidente. Às vésperas do primeiro e do segundo
turno, produziram-se as maiores concentrações populares da campanha de 2018,
capitaneadas sobretudo pelo eleitorado feminino, debaixo da aba da hashtag
#EleNão. Os estrategistas da campanha de Fernando Haddad fizeram uma aposta na
radicalização, para o bem e para o mal. Não foi suficiente para ganhar a
eleição, por óbvio, mas talvez tenham sido plantadas ali as condições para o PT
se manter hegemônico no polo oposicionista.
Hoje está patente que a estratégia de Lula
é outra, talvez por falta de opção, já que muito provavelmente o líder nas
pesquisas de intenção de voto, mesmo se quisesse, não seria capaz de mobilizar
seus eleitores da forma como Bolsonaro mobiliza os dele. E nem da forma como se
mobilizou em 2018 a favor de Haddad.
Seja como for, se Lula fosse às ruas, não
poderia permanecer na narrativa que desenvolve para as eleições deste ano, como
observou Ortellado.
“A gente percebe que Lula não está fazendo
muito esforço para mobilizar uma contramarcha. Ele aparentemente está jogando
outro jogo. Quem aposta na moderação e na união não pode exercer a opção da
mobilização e da inflamação”, pondera o cientista político.
Ir às ruas para arengar as multidões não
combina com o misto de saudosismo com pacifismo com o qual Lula vai dialogando
com o que até hoje é uma maioria silenciosa que se declara antibolsonarista.
Tanto é que nas vezes que o ex-presidente falou à multidão militante,
radicalizou. Na relação entre o líder e as massas, há uma catarse em que um
“looping” contínuo vai tornando tudo cada vez mais extremo e o momento das
derrapagens verbais acontece aí.
Lula nestas eleições opera numa faixa de
relativa ambiguidade, para que toda população que por um motivo ou por outro
rechace Bolsonaro tenha alguma razão para prestar atenção em sua candidatura.
Era outro o quadro em 2018. Sem poder contar com a candidatura de seu líder máximo,
o PT precisava empolgar sua base para produzir a transferência de votos para
Haddad.
Para isso as ruas serviram a esquerda, mas
não houve como competir em radicalização e mobilização com Bolsonaro,
prometendo mandar os adversários para “a ponta da praia”, forma velada de
acenar com a exterminação física.
Pré-Bolsonaro
O ex-presidente Lula afirmou em seu vídeo
de resposta a Bolsonaro que não houve uso eleitoral do 7 de setembro em 2006 e
2010, durante seu período de governo. De fato não houve. Em 2006 Lula
reelegeu-se, mas em uma disputa relativamente apertada e bastante agressiva
contra o seu atual companheiro de chapa, Geraldo Alckmin.
Naquele ano o país vinha da memória do
mensalão que havia marcado 2005, quando estourou o escândalo dos sanguessugas,
de desvio de recursos na área da saúde. Na cerimônia do 7 de setembro, o
governo montou uma estratégia para blindar Lula do constrangimento de uma vaia.
Próximo ao palanque de onde estava o presidente, só havia convidados.
O 7 de setembro de 2010 foi quase um não
evento. Então candidata governista, Dilma Rousseff não apareceu. Lula chamou
mais atenção ao aparecer no horário eleitoral da petista do que pelo que fez ou
deixou de fazer no palanque oficial.
Na era pré-Bolsonaro, houve ao longo das
últimas décadas presidentes que procuraram capitalizar politicamente a data de
um ou outro modo. Em seu primeiro mandato, Fernando Henrique Cardoso sempre
reservava o 7 de setembro para o anúncio de medidas na área de direitos
humanos, no jardim do Palácio da Alvorada. A obrigatoriedade de rampas de
acesso em prédios para deficientes públicos, por exemplo, surgiu em uma dessas
ocasiões. Demarcações de terras indígenas ou quilombolas também eram
frequentes.
Na ditadura, Médici marcou o
sesquicentenário com a vinda do corpo de Dom Pedro I de Portugal para São
Paulo, uma minicopa mundial, em que o Brasil derrotou Portugal por 1 a 0 e um
desfile militar com 18 mil integrantes.
Houve também presidentes que procuraram se
esconder. Em 1989, Sarney mudou o desfile do Eixo Monumental para o Setor
Militar Urbano e ficou a 80 metros da arquibancada mais próxima.
Protestos na data foram emblemáticos. Em
1992, Collor tomou uma vaia histórica em pleno clima de impeachment. Em 2013,
na esteira das manifestações contra tudo agitadas por “black blocs”, houve
protestos em 11 capitais, com 335 presos.
*César Felício é editor de
Política
FHC aproveitava a data para falar sobre ''direitos humanos'',que diferença da era Bolsonaro!
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