sexta-feira, 16 de setembro de 2022

César Felício - Um espectro para cada candidato

Valor Econômico

Abstenção assombra Lula e Bolsonaro teme voto envergonhado

Há dois espectros rondando a reta final das eleições: um é o impacto da abstenção eleitoral, ou seja, do não comparecimento às urnas no dia 2 de outubro de parte considerável do eleitorado. Este já é objeto de preocupação explícita do líder nas pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O outro é o voto envergonhado. Trata-se do eleitor que, por se sentir intimidado em seu meio social, guarda para si a opção política que traz dentro do peito. Há sinais de que este fator está preocupando o presidente Jair Bolsonaro e seu entorno.

Observe-se por exemplo as reações despertadas pela agressão do deputado estadual Douglas Garcia (Republicanos-SP) à jornalista Vera Magalhães no debate de governadores da terça-feira à noite na TV Cultura.

O parlamentar, muito conhecido pela agressividade, abordou a jornalista e replicou as ofensivas dirigidas a ela por Bolsonaro quando houve o debate presidencial na TV Bandeirantes. Celular em punho, Garcia disse que Vera Magalhães era uma vergonha para o jornalismo nacional. O ultraje terminou quando o diretor de jornalismo do canal arremessou para longe o telefone do deputado estadual.

O episódio provocou repulsa pública até mesmo do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o filho do presidente que já se envolveu em mais de um lance de misoginia contra jornalistas.

Por que a postura diferente no episódio mais recente? Porque agora estamos em uma campanha eleitoral e o incidente da TV Cultura não é isolado. É o tijolo de uma catedral de intimidações que gera um ambiente de violência tanto no plano simbólico quanto no real contra vastos segmentos da sociedade. Vai da marmita negada por um bolsonarista a uma mulher (novamente uma mulher) por uma opção política ao tiroteio em uma festa de aniversário que vitimou um petista. O eleitor intimidado muitas vezes não parte para a briga, como Vera Magalhães o faz com raro destemor. Vinga-se na urna.

Note-se que em 2018 foi possível a Bolsonaro e ao bolsonarismo situar-se na posição de vítima da violência política, a partir de um episódio concreto, o atentado contra sua vida em Juiz de Fora. Naquela ocasião, o voto envergonhado beneficiou Bolsonaro. Agora todo o clima de violência política parte de um lado só, o dele.

“Na antropologia política, o eleitor intimidado tende a não se afastar do processo. Ele participa calado”, opina Emerson Cervi de Almeida, professor de ciência política da Universidade Federal do Paraná. Cervi chama a atenção para um segmento que está no momento muito intimidado: o de evangélicos que não são bolsonaristas.

A condenação a Douglas Garcia por ter simplesmente repetido as palavras de seu ídolo na política sinalizam que um alerta se acendeu.

O outro fator, o da abstenção, preocupa o líder nas pesquisas, porque ele não é neutro. A abstenção é maior nos grandes centros urbanos, que tendem a ser mais oposicionistas, e Lula tem mais intenção de voto nas capitais (46%) do que no interior 43%), de acordo com o último Ipec. Lula dá sinais de que sabe que a dinâmica de um segundo turno contra Bolsonaro lhe é desfavorável, atua para tentar liquidar a fatura no primeiro turno e para isso cada voto conta. A abstenção no Brasil apresenta suave alta desde 2006, quando foi de 16,8%. Em 2018, ficou em 20,3%.

O resultado das eleições não raro traz dissabores aos petistas que se fiam na última pesquisa de intenção de voto disponível antes da abertura das urnas.

Em 2018, o último Datafolha trazia Bolsonaro e Haddad separados por 13 pontos percentuais entre votos totais (sem desconsiderar os em branco e nulos). Nas urnas, a diferença foi de 15 pontos, usando o mesmo critério. Bolsonaro marcou 35% na pesquisa e ficou com 42%. Haddad de 22% ficou com 27%. Em 2014, o fenômeno já havia sido registrado. Dilma Rousseff teve 40% na pesquisa Ibope e ficou com 37% nas urnas, votos totais. Aécio Neves (PSDB) teve 24% no Ibope e 30% nas urnas. O vale de 16 pontos tornou-se uma planície de 7 pontos. Em 2010, o Datafolha dava Dilma reeleita no primeiro turno. As urnas registraram 43% para ela e 30% para José Serra (PSDB). Na pesquisa era 44 a 28. A distância de 18 foi para 13 pontos, mas há de se convir que neste caso está dentro da margem de erro.

Se a história se repetir agora estará sepultada a possibilidade de vitória de Lula no primeiro turno. A correlação entre diferença de pesquisa e voto e a abstenção, contudo, está longe de ser óbvia, embora não haja dúvidas de que trata-se de um tema que preocupa mais Lula do que Bolsonaro. Para o cientista político Jairo Nicolau, que tem colaborado com um instituto de pesquisa, o Quaest, ela não existe.

“Um dos motores da abstenção é o dos eleitores acima de 70 anos, por exemplo. Metade não vota. A população idosa é maior nos bairros de alta renda. Tem mais abstenção em Ipanema do que em Vila Valqueire”, afirmou. Na zona eleitoral à qual Ipanema pertence, Haddad ficou em terceiro em 2018, com 12% dos votos válidos. Bolsonaro teve 58%.

Segundo Nicolau, está entre os eleitores mais ricos a maior parte da abstenção de natureza política, em que o eleitor deixa de votar por opção, e não porque não está em situação regular ou não atualizou seu domicílio eleitoral.

“Por essa perspectiva, Bolsonaro até pode ser mais prejudicado pela abstenção do que Lula”, diz.

O avanço da biometria, lembra o pesquisador, também atenuou a abstenção alta por desatualização de cadastro.

Para Nicolau, o fato de o PT recorrentemente murchar um pouco no dia da eleição está mais relacionado com a dinâmica do próprio processo eleitoral, ou com algum problema amostral recorrente dos institutos, do que com o absenteísmo eleitoral.

A questão amostral é descartada como hipótese por Cervi. As pesquisas no Brasil, diz ele, são mais precisas do que nos países onde o voto de fato é facultativo. No Brasil, o comparecimento é da ordem de 80%. Em países sem voto obrigatório, como é o caso da França, os percentuais recuam para a casa dos 60%. Em outros casos, até menos.

Se este recuo recorrente dos petistas na reta final não pode ser explicado pela abstenção e nem por falhas nas pesquisas, só resta a política como razão.

 

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