O Estado de S. Paulo
O favoritismo de Lula sobe com o perfil de
um movimento cultural, sem adquirir exatamente os contornos formais de uma
frente ampla
Mais uma vez, as leis da política perdem a
corrida para as leis do entretenimento. Na falta de uma frente ampla articulada
por líderes de partidos diversos, com base em acordos programáticos, a
candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva vai crescendo por meio de adesões
descosturadas umas das outras, animadas por charges de WhatsApp e dancinhas de
TikTok. Não há um pacto organizado, negociado; não há um programa mínimo. O que
existe é um “clima” de adesão em cima da hora.
A coisa vem em ondas como o mar, numa empolgação meio carnavalesca. Um dia, Caetano Veloso faz uma declaração de apoio sorridente e cativante. No outro, o ex-ministro Henrique Meirelles, até então fã de João Doria, embarca na campanha do petista. Nesse ínterim, dirigentes do PDT deixam Ciro Gomes falando sozinho e conclamam os eleitores a votar em Lula para liquidar a disputa já no primeiro turno. Um grupo de cantores e cantoras grava mais um clipe que rapidamente viraliza. A conjuntura ganha o embalo de uma corrente festiva, sem plataforma suprapartidária. O favoritismo de Lula sobe com o perfil de um movimento cultural, sem adquirir exatamente os contornos formais de uma frente ampla.
É pouco? Sim, é pouco, mas é melhor, muito
melhor do que nada. Estão em baixa os procedimentos próprios da política, com
suas reuniões de lideranças, suas convenções ampliadas e seus palanques
compartilhados, mais ou menos como aconteceu na campanha das Diretas Já entre
1983 e 1984. O que está em alta é a linguagem do entretenimento, com seus
apelos melodramáticos e seus andamentos de trilha musical hollywoodiana. Essa é
a linguagem que vem explicitando a gravidade da decisão que os brasileiros
precisam fazer. Eles terão de optar entre, de um lado, o polo do incumbente e
seus discursos que elogiam a ditadura, a tortura, o machismo e o negacionismo,
e, de outro, o da candidatura de Lula, que agrega democratas de diferentes
matizes. Nessa batalha, os memes, os refrões, as blagues, os filmetes e as
celebridades são mais eficientes que os ideólogos e os estrategistas de
partidos.
A tal “terceira via” – além da quarta, da
quinta e da sexta – não emplacou: não conquistou contingentes eleitorais
expressivos (nos termos da ciência política) porque não arrebatou corações
sentimentais (nos termos do entretenimento e da propaganda melosa que grassa na
televisão). No diapasão do entretenimento, são duas alternativas, não mais. Só
há uma oposição viável. Desenha-se no horizonte das urnas um duelo bem ao gosto
dos filmes de mocinho.
Para entender o que se passa, a gente
precisa combinar noções da cultura pop com certas categorias da ciência
política. Comecemos pelo conceito de “lulismo”, cunhado por André Singer. Num
resumo apressado e certamente falho, podemos dizer que o lulismo se estabeleceu
como um reformismo fraco que mesclava ações distributivas e estabilidade
econômica, dando conta de costurar o apoio das classes populares e funcionar
como um ponto de equilíbrio em meio a tensões sociais. Mais do que a idolatria
da figura de Lula, o lulismo seria, enfim, uma forma possível de pacificação
política, tendendo à esquerda.
Agora, o lulismo volta numa embalagem pop.
A idolatria readquire seu peso. O pop tem o condão de retirar um signo de
dentro de um nicho linguístico e promover a sua universalização. Tonico e
Tinoco eram sertanejos que moravam num nicho; Chitãozinho e Xororó são pop e
estão além do nicho. Além de universalizar, o pop estreita e achata – reduz o
sujeito a uma caricatura de si mesmo. Quando Che Guevara saiu da vida como
guerrilheiro para entrar na História como estampa de camiseta de butique, virou
pop. Quando o papa João Paulo II foi alçado à condição de celebridade, mais
famoso do que John Lennon, virou pop.
É verdade que “o pop não poupa ninguém”,
como cantaram os Engenheiros do Hawaii, mas não é todo mundo que chega ao pop.
Lula é pop, mas Ciro e Simone Tebet não são. O presidente que aí está não é pop
– no máximo, é um parasita do pop, um penetra, um tipo estranho que sequestra
imagens (como tentou fazer no funeral da rainha da Inglaterra) e, depois, não
consegue carregá-las.
Por fim, uma nota de rodapé. A
expressão pop-lulismo lembra o substantivo populismo. É de
propósito. Lula pode ser chamado de líder populista, mas isso não é
necessariamente um “mal”, como bem argumentam Thomás Zicman de Barros e Miguel
Lago no ótimo livro Do que falamos quando falamos em populismo (Companhia
das Letras), que foi lançado este mês. Segundo os autores, o populismo é
“esteticamente transgressivo”, “culturalmente popular” e tem potência para
mudar as instituições, mas há populismos que destroem e outros que constroem a
ordem democrática. Eles sustentam que entre os populismos destrutivos está o do
incumbente – e entre os mais benignos, que combatem a desigualdade e fortalecem
as instituições democráticas, estaria o de Lula. O pop adora o que parece
benigno.
O poder se trama pela estética, pelo
sensível, pelos afetos, pelo desejo. É estranho, mas é pop.
*Jornalista, é professor da ECA-USP
Um puxa-saco a mais nesse cordão extenso e que cada vez aumenta mais
ResponderExcluirÉ incrível como consegue fazer narrativas rebuscadas para valorizar e vangloriar as pesquisas de intenção de voto que coloca um ladrão nas cabeças ?
tudo mentira , tudo ilusão , que serão desfeitas no dia 2 de outubro estou contando os dias , faltam nove pra ver a cara de vocês como é que vai ficar depois da grande derrota do Ladrão traidor da Pátria
O colunista tem razão, a onda Lula-lá está se espalhando. Não é o ideal que fosse desta maneira pouco organizada politicamente, mas vale tudo pra derrotar o genocida e deixá-lo livre para ser processado por tantos e tão graves crimes. Ele até pode escapar dum julgamento de genocídio, mas as penas serão grandes pelos outros crimes, certamente dezenas de anos na cadeia!
ResponderExcluirO Lula é pop,gostei.
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