O Globo
Foi pela dor da crise decorrente da
pandemia que o Brasil se convenceu da relevância das políticas de transferência
de renda. Por convicção, amadurecimento ou oportunismo, é marcante na corrida
eleitoral deste 2022 que candidatos de todas as colorações ideológicas hoje
debatam não a existência, mas a permanência no maior valor possível, de
programas como o Bolsa Família, rebatizado um ano atrás de Auxílio
Brasil. Dos milagres que uma campanha à reeleição opera, até Jair
Bolsonaro passou a louvar o programa que, quando deputado, cansou de execrar.
Ontem, na falta de previsão na Lei Orçamentária, foi a vez de o ministro Paulo
Guedes sugerir, para manter o benefício mínimo de R$ 600 por família, se o
presidente sair vitorioso das urnas, a prorrogação do estado de calamidade no
país. Errado não está. Benza Deus.
Custou à sociedade brasileira compreender a urgência e a necessidade das políticas sociais para enfrentar desigualdades e produzir (algum) bem-estar social num país que não é pobre, mas tem gente demais em situação de vulnerabilidade. Um dos maiores produtores e exportadores de carnes e grãos do mundo tem 33 milhões de pessoas passando fome e metade da população em situação de insegurança alimentar, apurou a Rede Penssan. Mesmo em recuperação após ciclos de demissões decorrentes da recessão e da crise sanitária, o mercado de trabalho contava, no trimestre maio-julho, 9,9 milhões de desempregados e 39,8% dos ocupados na informalidade, informou o IBGE.
O enfrentamento à fome foi içado ao topo da
agenda brasileira pelas mãos do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, na Ação
da Cidadania, nos anos 1990. Virou política pública e ganhou escala nos
governos do PT, nas décadas seguintes. Hoje está elencado nos Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável da ONU.
A meta número 2 é erradicar a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a
nutrição e promover a agricultura sustentável nos países até 2030. A meta
número 1 é pôr fim à pobreza, em todas as formas, em todos os lugares.
O Bolsa Família era um programa
bem-sucedido de transferência de renda a famílias miseráveis e pobres com
condicionalidades em educação, caso da frequência escolar, e saúde, expressa na
obrigatoriedade da vacinação. Ao longo de 18 anos, ajudou a reduzir a
desigualdade social e retirou o Brasil do Mapa da Fome da ONU. No governo de
Michel Temer, por iniciativa do então ministro do Desenvolvimento Social, Osmar
Terra, passou por um “pente-fino” e começou a encolher.
No primeiro ano do governo Bolsonaro, em
2019, em vez de atualização monetária, ganhou parcela adicional. Anunciado como
décimo terceiro, não passou de solitário abono. Os efeitos da pandemia, por
pressão da sociedade civil e do Congresso Nacional, levaram ao pagamento do
Auxílio Emergencial de R$ 600, que chegou a alcançar 68 milhões de brasileiros
em 2020. A pobreza despencou e a popularidade do presidente, que nunca se
preocupara nem com vulneráveis nem com vacina, disparou.
A política social salvou vidas e a economia.
Virou unanimidade. No primeiro ano da tragédia da Covid-19, o PIB caiu 3,9%,
metade do previsto, porque o auxílio segurou as vendas do comércio. O efeito
multiplicador já era conhecido: renda mínima é sinônimo de consumo. Ainda
ontem, o IBGE apresentou os resultados do PIB no segundo trimestre. Houve
crescimento de 1,2% sobre os três meses anteriores, quarto resultado positivo
seguido. O setor de serviços avançou 1,3%, o consumo das famílias 2,6%.
A melhora do mercado de trabalho pesou,
assim como a liberação do saque emergencial do FGTS, a antecipação do décimo
terceiro de aposentados e pensionistas. O Auxílio Brasil de R$ 400 aprovado
para o ano eleitoral — e, desde o mês passado, acrescido de R$ 200 — também
ajuda a atividade econômica, mesmo no cenário de inflação galopante no preço
dos alimentos.
Por oportunismo eleitoral, Bolsonaro e
equipe esfacelaram o Bolsa Família, mas reconheceram a relevância da política
social de transferência de renda. Um mandato que começou propondo na reforma da
Previdência o fim do Benefício de Prestação Continuada, a assistência de um
salário mínimo a idosos e pessoas com deficiência em situação de pobreza, se
aproxima do fim rendido a um programa de renda mínima, ainda que mal desenhado
e aplicado.
O piso de R$ 600 não calibrado pelo tamanho
das famílias produz injustiça, uma vez que, quanto menor o número de membros,
maior o benefício per capita. Fragmentar os repasses em vales (gás,
caminhoneiros, taxistas), após imenso esforço de unificação em décadas
anteriores, também não é boa ideia, porque encarece e dispersa. O vaivém no
valor do benefício — ora R$ 600, depois R$ 300, zero, R$ 400, R$ 600 novamente
— é nocivo porque elimina a previsibilidade. Mas é bom sinal que, na campanha
presidencial, os candidatos se comprometam com políticas de transferência de
renda. Proteção aos mais pobres já não é dúvida, mas certeza.
Bolsonaro sempre criticou e foi contra as ações de transferência de renda. Agora, às vésperas da eleição, sua demagogia falou mais alto e ele teve que mudar sua posição e mentir que é favorável a 600 reais, quando sempre foi contra anteriormente e quando propôs um auxílio no meio da pandemia foi de 200 reais por pessoa (DUZENTOS REAIS).
ResponderExcluirPensar na fome só para se reeleger é motivo de vergonha alheia coletiva.
ResponderExcluirEnquanto não implementarmos medidas que resolvam a causa raiz do maior problema brasileiro, os programas de transferência de renda são válidos. Porém, sabemos que é como insistir em um trabalho inútil. Não resolve o problema. Precisamos de um trabalho sério para educar e qualificar profissionalmente a população. Aí, sim, resolveremos o principal problema do país.
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