O Globo
Rainha foi a gestora que manteve de pé a
Firma e liderou o mais bem-sucedido projeto de marketing da monarquia no
planeta
Sou consumidora voraz das histórias e da
produção audiovisual sobre a folhetinesca monarquia britânica. Aos 11 anos, em
julho de 1981, passei horas diante da TV assistindo ao casamento de Diana
Spencer com o príncipe Charles. O vestido de tafetá e renda marfim, com mangas
bufantes e cauda de 7,6 metros, povoou meu imaginário a ponto de, uma década
depois, ter eu mesma fugido do branco total radiante na minha cerimônia
religiosa. Acompanhei delícias e dores — mais estas que aquelas — da princesa
de Gales até a derradeira madrugada em Paris, em 1997. Quatro anos atrás,
madruguei para acompanhar o casamento do então príncipe Harry, caçula do agora
rei, com Meghan Markle. Emocionou-me, por familiar, a emoção de Doria Ragland,
uma mãe negra americana, sem cônjuge, na cerimônia que uniu à filha um
integrante da monarquia britânica.
De férias em Londres, em 2012, durante os Jogos Olímpicos, passeei por salões e pelo gramado de Buckingham. Festejavam-se os 60 anos de reinado de Elizabeth II. Nos meses de calor, quando a rainha se retirava para a residência de verão, o palácio se abria à visitação de súditos e turistas. Ali comprei a mais cara peça da coleção de canecas de viagens que iniciei em 1993. Custou dez libras esterlinas — moeda forte é outra coisa. Conto tudo isso para revelar a consumidora voraz que sou da saga folhetinesca da família real britânica sob o comando de Elizabeth II. E, claro, maratonei “The Crown”, a série da Netflix.
A morte da rainha, ontem, aos 96 anos,
fecha a tampa dos grandes personagens históricos do século XX. Como escreveu o
colunista Jamil Chade no UOL, chega ao fim “uma geração de líderes que
reergueram a Europa de seu momento mais sombrio”, o Pós-Segunda Guerra.
Elizabeth II morreu dois dias depois de empossar Liz Truss, terceira mulher
entre os 15 primeiros-ministros com que atuou. Despediu-se em novo momento de
instabilidade no continente. Há crise econômica e energética, tensão social,
emergência climática, guerra, rupturas. Não será tarefa fácil para Charles III
atravessar o rubicão.
Elizabeth II foi a chefe de Estado que
testemunhou as mais importantes transformações do século passado. Tornou-se a
gestora que manteve de pé a Firma, mesmo passando por cima dos sentimentos de
irmã, filhos, filha, netos. Era rainha, acima de tudo. Sob seu comando, a Royal
Family se configurou como o mais bem-sucedido projeto de marketing da monarquia
no planeta. Nada como eles.
Em 2012, participou da abertura dos Jogos
com James Bond (Daniel Craig). Na cena, eles se encontram no palácio e vão de
helicóptero até o Estádio Olímpico, onde uma dublê salta de paraquedas. Na
sequência, a própria Elizabeth II surge para abrir a Olimpíada. No ano passado,
quando completou 95, tinha três vezes mais influência digital do que Oprah, a
apresentadora americana superpoderosa. Sob o reinado de Elizabeth II, a
monarquia britânica tornou-se uma das cinco marcas mais importantes do mundo,
atrás de Coca-Cola, Nike, Ferrari e Microsoft. Em junho passado, o Jubileu de
70 anos movimentou US$ 510 milhões, entre celebrações e venda de suvenires.
Lançaram de molho em conserva a geladeira, de bonecos de pelúcia a iogurte. A
instituição soube se renovar, se atualizar, se perpetuar, se rentabilizar.
Elizabeth II tornou-se ícone pop. Mas era
monarca. Não iniciou, mas herdou um império forjado na escravidão de negros
africanos, na dominação de territórios, na opressão de povos nativos da
América, da África, da Ásia. Ainda era soberana em 14 países. Barbados só
rompeu com a monarquia britânica em novembro de 2021, quando se tornou república,
agora presidida por Sandra Mason, até então representante da rainha. No mês
passado, Lidia Thorpe, senadora de origem aborígene, chamou Elizabeth II de
colonizadora ao prestar juramento na cerimônia de posse no Parlamento
australiano. Foi obrigada a repetir a sentença de lealdade a sua majestade sem
a palavra tida como ofensiva.
Embaixador do Brasil no Quênia, Silvio
Albuquerque contou que a morte de Elizabeth II foi recebida com “respeito e
lamento” em Nairóbi. Foi durante viagem ao país, em fevereiro de 1952, que
Elizabeth soube da morte do pai, o rei George VI, a quem sucederia. No país
africano, que se tornou independente em 1963, vivem 250 mil cidadãos
britânicos; no Reino Unido,
200 mil quenianos. Conta Albuquerque:
— Profundas marcas foram deixadas aqui,
para o bem e para o mal. Hoje, historiadores, políticos e intelectuais
quenianos frequentemente lembram que o passado colonial, acompanhado de brutal
repressão, confisco de terra e segregação dos povos locais, não pode ser
esquecido.
Recentemente, o presidente do Quênia, Uhuru
Kenyatta, declarou:
— A escuridão desta “guerra suja” e sua
marca na psique de nossa nação permanecerão vivas em nossas memórias para
sempre. Devemos perdoar, mas nunca podemos esquecer.
O governante repetiu lema eternizado por
Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul,
Nobel da Paz em 1993, símbolo da luta contra o apartheid. É recado que serve ao
Quênia. E ao Brasil do Bicentenário da Independência.
Perdoar, sem nunca esquecer? Difícil... Os britânicos e sua rainha recentemente morta são responsáveis pelo passado colonial, acompanhado de brutal repressão, confisco de terras e riquezas, segregação dos povos locais. Portugal fez o mesmo em nosso país. Elizabeth II foi mais diplomática que seus antecessores e até angariou simpatia entre muitos súditos. No Brasil, Bolsonaro ainda tem apoio de quase 1/3 dos eleitores depois de todos os crimes e as barbaridades e mentiras do seu DESgoverno. Parece que os explorados e enganados mantêm mesmo uma certa dependência dos poderosos que lhes causaram tanto mal e sofrimento! Jamais esqueceremos Bolsonaro! Perdoá-lo? Talvez depois que ele passe uns 30 anos na cadeia... Pode fazer jus a um perdão presidencial a partir de 2053!
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