terça-feira, 27 de setembro de 2022

Luiz Carlos Azedo - A “sombra de futuro” de Simone Tebet

Correio Braziliense

Mesmo “cristianizada” pelos velhos caciques da legenda, a candidata do MDB será uma liderança natural da chamada terceira via, qualquer que seja o resultado das urnas

A pesquisa Ipec divulgada na noite de segunda-feira (26/9) mostra que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem chances reais de vencer no primeiro turno, com 48% das intenções de voto. O presidente Jair Bolsonaro (PL) aparece com 31%, uma diferença entre os dois é de 17 pontos percentuais. Ciro Gomes (PDT) tem 6% e Simone Tebet (MDB), 5%. A senadora Soraya Thronicke (União Brasil) e o candidato do Novo, Felipe D’Ávila, ficaram com 1%. Os demais candidatos foram citados, mas não alcançam 1% das intenções de voto. Até domingo, teremos chuvas de pesquisas, com diferentes metodologias e resultados contraditórios, porque o ambiente é muito volátil, com um contingente de 11% de eleitores dispostos a mudar de voto.

Para não chover no molhado, vamos tratar da disputa pelo terceiro lugar nas pesquisas, entre Ciro Gomes e Simone Tebet, que é muito importante, mesmo que a eleição não tenha segundo turno. É aí que entra a “sombra do futuro”, um conceito desenvolvido pelos militares britânicos para explicar o comportamento dos soldados ingleses e alemães nas trincheiras da I Guerra Mundial, que durou quatro anos. Começou em 28 de julho de 1914 e terminou em 11 de novembro de 1918, com a vitória da Tríplice Entente, formada por França, Inglaterra e Estados Unidos.

A Grande Guerra envolveu 17 países dos cinco continentes: Alemanha, Brasil, Áustria-Hungria, Estados Unidos, França, Império Britânico, Império Turco-Otomano, Itália, Japão, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Reino da Romênia, Reino da Sérvia, Rússia, Austrália e China. Deixou 10 milhões de soldados mortos e outros 21 milhões de feridos, além dos 13 milhões de civis que perderam a vida. O conflito ganhou proporções catastróficas quando o Exército alemão, o mais moderno à época, rumou em direção à França, passando pela Bélgica, que era neutra. Isso fez com que a Inglaterra, aliada da Rússia, declarasse guerra à Alemanha.

O uso de novas armas, como o avião e os tanques, provocou uma carnificina. Milhares de homens morreram em bombardeios ou nuvens de gás tóxico. Em 1917, a Rússia se retirou do fronte de batalha, e os revolucionários bolcheviques, com apoio de soldados e marinheiros, tomaram o poder. No mesmo ano, os Estados Unidos entraram na guerra ao lado da Inglaterra e da França e contra a Alemanha. A “Grande Guerra” chegou ao fim em 1918, com vitória dos aliados. A Alemanha foi obrigada a ceder territórios e ressarcir os países vencedores, sobretudo a França.

Guerra de posições

As principais táticas empregadas eram a guerra de trincheiras, ou guerra de posição, que tinha por objetivo a proteção de territórios conquistados; e a guerra de movimento, ou de avanço de posições, que era mais ofensiva e contava com armamentos pesados e infantaria motorizada. O conceito de “sombra de futuro” surge principalmente em razão do Natal de 1914, quando soldados alemães e britânicos interromperam os combates para comemorar o Natal, trocaram presentes e jogaram futebol.

A trégua espontânea ocorreu em vários pontos das frentes de batalha. O estado-maior britânico estudou o fenômeno e chegou à conclusão de que os episódios ocorreram porque a “sombra de futuro” dos soldados, que sonhavam com o fim da guerra e a volta à vida civil, era maior do que a de seus governantes e comandantes militares. Mais importante do que ganhar a guerra era sobreviver nas trincheiras, até o armistício.

Podemos aplicar o conceito à disputa pela Presidência da República. A “sombra de futuro” do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, é menor do que a dos demais candidatos, embora sua expectativa de poder seja maior até do que a do presidente Jair Bolsonaro, que disputa a reeleição. Às vésperas de completar 78 anos, se perder a eleição, Lula deixará de ser uma alternativa de poder; se ganhar, pode até não concorrer à reeleição. Bolsonaro, que tem 67 anos, se perder poder, poderá liderar uma oposição radical e robusta, com sede de vingança.

Ciro Gomes, que fará 65 anos em novembro, embora mais novo, corre o risco de ser marginalizado da política, caso sua candidatura seja volatilizada pelo “voto útil” a favor de Lula, pois será a quarta vez que disputa a Presidência, sem sucesso. Já Simone Tebet, com 52 anos, terá a maior “sombra de futuro”, porque é mais jovem. A senadora emergirá das urnas como a nova cara do MDB no plano eleitoral, mesmo “cristianizada” pelos velhos caciques da legenda. Será uma liderança natural da oposição moderada, em condições de construir um projeto para 2026, caso Lula vença no primeiro turno; se houver segundo turno, pode ter um papel ainda mais importante, inclusive na definição do novo governo.

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