segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Miguel de Almeida – Do que não se falou na campanha

O Globo

Transição climática é um dos temas ignorados por candidatos

À beira do primeiro turno, o brasileiro sai menor que o Augusto Heleno e o Malafaia. Os grandes temas já abordados — potência sexual, a cidade perdida de Ratanabá, Aristides e a volta do churrasco com cerveja — mostram como o Brasil desistiu do futuro.

No conceito hétero-linguístico de Oswald de Andrade, agora profético: somos um país cheio de gente dando adeus.

Bolsonaro, o capitão ufanista do agronegócio, poderia responder: como no “celeiro” do mundo tem tanto brasileiro passando fome?

A miséria antes de tudo é uma decisão política — não é destino.

Basta entender que o governo preferiu zerar imposto de importação do suplemento whey e não mexeu na alíquota dos computadores.

Um bom PC, moderno e lépido, ajudaria os estudantes, a produtividade nas empresas etc. Já o whey, bem...

A desigualdade não nasce em árvore; ela é cevada com afinco pelas elites e corporações. O imposto que as igrejas evangélicas não pagam; a aposentadoria privilegiada (e inexplicável) dos militares; a alíquota menor para o airbag dos motoqueiros etc. fazem falta para comprar merenda escolar.

O que seria melhor para o Brasil: um pastor com jatinho ou crianças bem alimentadas e com computadores nas escolas?

Difícil engolir que os “ricos” artistas como Chico Buarque e Gilberto Gil pagam impostos na fonte e os “apóstolos” sejam isentos na pessoa física e na jurídica. Ao fim e ao cabo, as duas ocupações trazem o bem à nossa alma, não?

É possível que Bolsonaro já esteja no final da leitura de “Uma breve história da desigualdade”, de Thomas Piketty, onde o economista francês anota: “O sistema legal internacional, calcado na circulação descontrolada de capitais, sem objetivo social nem climático, assemelha-se na maioria das vezes a um neocolonialismo em prol dos mais ricos”.

Não precisamos ir tão longe.

Pois a campanha eleitoral se avizinha do primeiro turno sem tocar em temas definitivos para as atuais e as próximas gerações. Voto não é dízimo, nem compra lugar no céu, mas ajuda a definir o presente e o futuro.

Enquanto Bolsonaro faz motociata, dois terremotos estão em curso, ainda maiores do que foi a Revolução Industrial — a transição climática e a digitalização dos meios de produção.

Vejamos estes temas:

1) Transição climática. Faltam mostarda na França, azeite na Espanha e água em regiões da China. A batata está assando porque o planeta esquentou. Em breve, segundo cálculos do cientista Carlos Nobre, se os agrotrogloditas não deixarem de derrubar a Floresta Amazônica, o clima azedará a plantação de soja no Cerrado.

O Brasil é um país com DNA preguiçosamente extrativista, acostumado a deixar o boi na sombra. A crise do clima — haja vista o pacote de Biden nos Estados Unidos — mostra oportunidades de ganho, seja ao manter a floresta em pé, seja ao embarcar na produção de energias renováveis, ou ainda no estímulo a startups em áreas como saúde, educação, meio ambiente e entretenimento. Um livro despretensioso como o de Bill Gates, “Como evitar um desastre climático”, tirando seu viés “comunista”, traz exemplos de diversos empreendimentos à luz da transição climática — como aplicativos para coleta seletiva de lixo etc. Muitos deles já financiados por investidores “esquerdistas” comprometidos com a descarbonização do planeta.

Do sofisticado mecanismo de crédito de carbono ao incentivo do desenvolvimento de culturas originárias, há um cardápio variado trazido como oportunidades pela crise climática.

2) Digitalização dos meios de produção. Fábricas sem trabalhadores, processos industriais reduzidos, robôs no telemarketing, autoatendimento nos supermercados e lojas, sensores substituindo vigilância humana etc. Para não lembrar os exércitos quase sem soldados (exceto o russo).

Lula foi sincero ao dizer que não tem solução para o problema. Ex-torneiro mecânico, já viu de perto a navalha — sua profissão foi extinta há muito. Por causa da robotização e do encurtamento das etapas de produção.

Não se pense que o agronegócio será a salvação da lavoura. Lá também a mecanização reduziu drasticamente a necessidade de mão de obra.

Enquanto a digitalização é uma opção para a baixíssima produtividade do trabalhador brasileiro — equivale quase à metade de um alemão —, de outro lado será (caso já não seja) um dos maiores problemas sociais a ser enfrentados pelo país. Faltam educação e treinamento. Haja vista os paraquedistas caindo feito mangas e quebrando galhos em Ipanema e Copacabana.

3) Estado social. Diversas cidades nos Estados Unidos e na Europa já adotam o programa da renda mínima. Junto à recapacitação de mão de obra.

4) Água. O agronegócio não paga imposto de exportação da soja. A plantação intensiva no Cerrado usa quantidade brutal de água e provoca a destruição da fauna e flora.

Plantando, tudo dá. Até faltar água.

 

4 comentários:

  1. Bozo já respondeu: não tem gente passa do fome no Brasil. Ele não vê ninguém pedindo pão. Kkkkk

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  2. Bozo não lê e menos ainda um livro do Piketty.

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  3. O autor faz um comparação velada entre o coiso e Lula. Deve ser por dever de ofício, pra parecer equilibrado.
    Lula é muito mais capacitado pra resolver os problemas elencados pelo autor. No ambiente, por exemplo. Lula protege, bozo destrói. Estado social é com Lula; bozo o desmonta.
    Lula ainda não tem solução pra informatização da produção mas com certeza a procura; bozo sequer sabe o q é isso.
    Etc.

    Enfim, um equilíbrio artificial por dever de ofício posto q inexistente.

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  4. Ele usou de ironia,claro,ao dizer que Bolsonaro já deve ter lido tal livro,rs.

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