O Globo
Forças Armadas aceitam indisciplina de
ativos se forem bolsonaristas, mas atingem inativo por ter dado opinião
contrária ao atual governo
A Marinha puniu com um Processo Administrativo
Disciplinar (PAD) o contra-almirante Antonio Nigro por ter me dado uma entrevista
na Globonews. Ele é reformado, portanto, não recai sobre ele nada do
regramento que cabe aos da ativa ou mesmo aos da reserva remunerada. Mesmo
assim, foi convocado a se explicar e teve que responder ao processo. “Não
escondo meu constrangimento, porém não me sinto humilhado”, me escreveu ele.
Tudo isso fica mais espantoso se pensarmos nos antecedentes recentes. O Exército permitiu que o general Pazzuello subisse em um palanque eleitoral com o presidente da República e ainda colocou a investigação do caso sob sigilo de 100 anos. Ele era da ativa quando isso aconteceu e pelo Regimento do Exército não poderia ter ido ao evento. O coronel Ricardo Sant’Anna, chefe da Divisão de Sistemas de Segurança Cibernética do Exército, fez postagens com críticas a candidatos, campanha para Bolsonaro e ataque às urnas. Permanece no mesmo posto, segundo o seu Linkedin, e só foi tirado da Comissão de Transparência das Eleições por determinação do ministro Edson Fachin. Perguntado sobre o episódio, o Exército não respondeu até o fechamento desta edição.
Nesses dois casos, militares da ativa
desrespeitaram leis e ficaram impunes. Já o contra-almirante Nigro enfrentou um
PAD por ter dito no meu programa na Globonews frases de absoluta sensatez. Uma
delas foi que “os militares sabem que não entraram nas escolas navais, ou nas
academias militares, para serem fiscais de eleições ou exercerem qualquer outra
atividade policial”. Em outro momento, perguntei sobre a politização das Forças
Armadas, ele respondeu: “ocorreu a partidarização das Forças Armadas, e essa
partidarização se expressa por quem foi convidado para exercer cargo político
na chefia do Ministério da Defesa.”
O contra-almirante foi intimado a se
explicar e em sua defesa disse que o Regimento Disciplinar Militar (RDM) “não é
aplicável à minha posição de militar reformado e analista de situação do
interesse público naquele momento”. O RDM é de 1983 e estabelece que o militar
inativo pode “opinar livremente sobre qualquer assunto político e externar pensamento
e conceito ideológico, filosófico ou relativo à matéria de interesse público”.
Entre os militares há três níveis de
ligação com as Forças. Os da ativa, obviamente, têm que obedecer a todos os
regimentos. Os da reserva remunerada podem teoricamente ser convocados a
qualquer momento. É um segundo nível de ligação. O terceiro, totalmente
desligado, é o militar reformado. Não faz qualquer sentido que ele seja
alcançado por um Procedimento Administrativo Disciplinar por parte do Comando
da Marinha.
“Mais grave, o procedimento da Marinha deu
início à persecução administrativa, sem justa causa, contra quem sabe inocente
o que fere a Lei 13.869/19 que dispõe sobre o crime de abuso de autoridade”,
escreve o almirante Nigro.
O caso dele é pior que dois pesos e duas
medidas. Porque as Forças Armadas aceitam indisciplina de ativos se forem
bolsonaristas, e atingem um inativo por ter manifestado opinião que desagrada
ao atual governo.
No texto que me enviou, o contra-almirante
Nigro descreve: “No decorrer da audiência na Marinha, tomei conhecimento
tratar-se de um Processo Administrativo Disciplinar e não de uma explicação
oral atinente a uma Parte da Ocorrência. Na oportunidade, deixei claramente
exposta essa argumentação legal, sem êxito. Na prática, no caso em tela, como
militar reformado da Marinha, meus direitos como cidadão sob a guarda superior
da Constituição não foram considerados. Mais grave ainda, diante do ocorrido,
infere-se que os Veteranos, no exercício da Cidadania, podem ser submetidos a
procedimentos disciplinares na Marinha, em que pese gozarem de amparo legal”.
Ele disse que decidiu tornar público o caso
dele por duas razões, “em caráter pedagógico para as autoridades navais” e “em
defesa dos colegas veteranos”. Além disso, afirmou que respeita o princípio da
transparência.
Ao fim, diz o seguinte. “Não escondo o meu
constrangimento, porém não me sinto humilhado. Pelo contrário, sinto-me honrado
com esses acontecimentos e engajado na defesa da Cidadania”. Mas lamenta que
“justo no dia da Democracia fui submetido ao rito disciplinar da Marinha ao
arrepio da lei”.
Se queriam um flagrante de partidarização
das Forças Armadas, esse caso é exemplar.
Os bolsonaristas são podres em todos os níveis, mas os militares são ainda mais perigosos, pois armados e incompetentes. O canalha Pazuello foi cúmplice do genocida enquanto estava na ativa e obteve 100 anos de sigilo para sua situação claramente ilegal. Já o militar citado pela colunista está sendo perseguido por emitir opiniões como qualquer cidadão brasileiro. A canalhice bolsonarista não tem limites!
ResponderExcluirUma vergonha de nível nacional.
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