quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Míriam Leitão - O dia da infâmia de Jair Bolsonaro

O Globo

Bolsonaro abusou do poder de chefe de Estado, usou recursos públicos para campanha, dividiu o país e, sim, ameaçou com golpe de Estado

Houve o esperado, mas nem por isso é menos ilegal, ilegítimo e perigoso. O presidente Bolsonaro tomou para si o que era coletivo, fez uma apropriação indébita de uma data nacional, usou todos os recursos do Estado em campanha eleitoral. Tudo o que Bolsonaro fez ontem é inaceitável. O golpismo esteve presente nas falas, nos convidados aos quais ele deu mais destaque, nas palavras de ordem dos seus apoiadores, no aparato do qual se cercou com a ambiguidade de sempre. Mas o pior foi que ele repetiu ameaças às instituições.

Bolsonaro deu a demonstração de força que queria dar. Conseguiu levar muita gente para a rua, verdadeiras multidões. Isso era importante para ele, porque estava começando a perder apoio político e financeiro. Pode ter novo fôlego a partir de agora. Por outro lado, terá de enfrentar as consequências jurídicas do dia da infâmia, em que ele transformou o Sete de Setembro.

A fala dele de que recolocará de “volta às quatro linhas quem ousou ficar fora dela” deve ser entendida dentro da realidade paralela de Bolsonaro e seus assessores. Na visão deles, o governo joga dentro das quatro linhas, quem não joga é o Supremo e a imprensa. Por isso, Bolsonaro falou, em Brasília, essa expressão se referindo ao STF e, no Rio, depois de uma fala sobre a imprensa.

Ao falar isso ele está dizendo para a militância que atenderá ao pedido de enquadrar o STF. Ali, muitos cartazes pediam em sofrível português, e pior inglês, suas palavras de ordem favoritas. Fechamento do Supremo e intervenção militar com Bolsonaro. E essas palavras de ordem sempre aparecem porque o presidente as autoriza e as estimula. Por isso portam esses cartazes e gritam tais slogans.

No dia de ontem, Bolsonaro fez um strike nas leis eleitorais. Desde cedo, todo o aparato de comunicação foi usado para a campanha. Supostamente era para transmitir o evento cívico-militar. Na prática, era campanha. Em entrevista à TV Brasil, pela manhã, nas suas primeiras palavras do dia, ele nem tentou disfarçar. Fez propaganda descarada. E sempre se fez acompanhar por empresários que estão sendo investigados pelo STF pela suspeita de financiamento de atos antidemocráticos.

Os contribuintes pagaram toda a campanha eleitoral de Bolsonaro ontem porque sustentam a TV pública que virou canal de propaganda, mais do que nunca, custeiam todo o aparato do qual se cerca um presidente da República e arcaram com os custos dos deslocamentos dele entre os dois comícios, o de Brasília e o do Rio. Oficialmente, foram eventos governamentais aos quais ele participava como chefe de Estado comemorando os 200 anos da independência. Mas, na verdade, foram eventos de campanha.

Uma das maiores provas de que haveria essa mistura entre o oficial com o eleitoreiro foi dada pelos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira. Até Lira, que é do mesmo partido do presidente e faz dobradinha com ele em tantos absurdos, não quis ir ao palanque.

No momento mais oficial do dia, ele também errou. Não há protocolo presidencial, de nenhum país, que justifique colocar um empresário investigado pela Justiça entre dois chefes de Estado. Entre Bolsonaro e o presidente de Portugal estava Luciano Hang. Isso é inadmissível do ponto de vista do funcionamento da presidência da República.

É necessário que as instituições não se deixem enganar pela falsa interpretação de que este ano foi mais “suave” pelo fato de Bolsonaro não ter dito coisas como chamar um ministro do Supremo de canalha. Bolsonaro ontem abusou do seu poder como chefe de Estado, usou recursos públicos para a campanha, dividiu o país em dia de união, apropriou-se de data nacional, desrespeitou códigos, protocolos e leis. E, sim, ameaçou a todos com golpes de Estado.

No ano passado ele disse “ou o chefe do Supremo enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”. Este ano ele disse “esperem a reeleição para vocês verem se todos não vão jogar dentro das quatro linhas”. E para não haver dúvida de quem ele falava, Bolsonaro usou em Brasília e no Rio a mesma estratégia de dizer “vocês conhecem o STF”, para deixar os seguidores gritarem palavras de ordem contra o Supremo.

Se Bolsonaro sair de novo impune de todo o escandaloso abuso de poder exibido durante todo este infeliz Sete de Setembro, é porque o país se deixou encurralar por um golpista que usa todas as técnicas de manipulação para destruir a democracia.

2 comentários:

  1. Anônimo8/9/22 14:26

    Faltam palavras para qualificar a total falta de caráter do genocida! Infâmia apenas se aproxima do que o imbecil aprontou nesta comemoração que poderia ser realmente patriota e cívica, e foi tão esculhambada por um indivíduo demente e desqualificado! E tem Patetas que acreditam e idolatram o Pinóquio!

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  2. O antipetismo da imprensa colaborou para chegarmos onde chegamos,não é?Reinaldo Azevedo que o diga.

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