domingo, 4 de setembro de 2022

Míriam Leitão - Visão dois pesos e duas medidas

O Globo

Não faz sentido apontar os erros passados do PT na área fiscal e não fazer a mesma cobrança sobre a lambança do governo Bolsonaro nas contas públicas

Economista com preocupação fiscal que não vê o descalabro que é o governo Bolsonaro nesta área têm visão seletiva. O governo furou o teto várias vezes, pedalou precatórios, fez escolhas erradas, usou as crises como uma licença para gastar sem critério e armou bombas fiscais. Os erros cometidos pelo PT são explorados à exaustão por esses analistas, que, no entanto, não parecem se incomodar com os mesmos erros feitos agora. Neste espaço, sempre critiquei os rombos e distorções em governos petistas. Com a mesma régua, alerto para a herança que ficará da atual administração que vai pesar nos próximos anos.

As declarações do ministro Paulo Guedes, na quinta-feira, são emblemáticas da maneira como se administra as contas públicas. No mesmo dia em que exibiu seu ufanismo irrealista, ao dizer que o Brasil cresce mais do que a China, ele falou em decretar calamidade. O uso desse instrumento previsto nas leis fiscais brasileiras foi banalizado e virou licença para fugir de todo o ordenamento das contas públicas. Em julho, decretou-se emergência para fazer um aumento oportunista e eleitoreiro em benefícios sociais. Agora, o ministro acena com a calamidade para tentar sustentar o estelionato eleitoral que Bolsonaro já comete ao prometer manter o benefício nesse valor, mas não incluir no Orçamento.

Essa foi a principal reclamação do relator do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), ao receber o projeto orçamentário enviado pelo Executivo, na última semana: “Quem promete é candidato, ao presidente cabe propor. Por que ele não fez isso?” Tecnicamente, a resposta é que se colocar isso no Orçamento estoura o teto. O problema é que não encontrar uma saída orçamentária é uma confissão da equipe econômica de que aprovou um benefício apenas para ser usado na campanha. Ademais, o teto de gastos já foi desmoralizado várias vezes pela mesma turma.

O colunista Alvaro Gribel escreveu no meu blog sobre as sete armadilhas deixadas no Orçamento para o próximo governo, que em resumo, são: não prevê despesas dadas como certas, faz projeções otimistas sobre arrecadação, adota renúncias fiscais inaceitáveis e confirma a pedalada dos precatórios que já está virando bola de neve. A estimativa do Tesouro é de que R$ 22,3 bilhões em precatórios não serão pagos este ano. No ano que vem, outros R$ 28,85 bilhões. Tudo somado, R$ 51 bilhões de esqueletos vão para o armário, e a conta continuará subindo ano após ano.

O governo aproveita o forte aumento da arrecadação para dizer que faz um ajuste fiscal sério. Não fez, e a prova é que o déficit volta ano que vem. O governo tem contado com receitas temporárias, como antecipação de dividendos, e tem se beneficiado de receitas de commodities, que são voláteis. Pelo lado das despesas, tem postergado despesas, fazendo ajustes na boca do caixa.

Para derrubar a inflação em período eleitoral, o governo federal abriu mão de impostos sobre combustíveis e escreveu no Orçamento que isso custará R$ 53 bilhões no ano que vem. Como sabem os bons economistas, renúncia fiscal é gasto. Nesse caso, regressivo e irracional porque estimula o consumo de combustível fóssil. Além disso, impôs aos estados uma perda de arrecadação que já foi judicializada e virou suspensão do pagamento de dívida, gerando mais um nó federativo.

Contas públicas em desordem produzem efeitos colaterais que atingem principalmente os pobres. O Brasil viu isso no governo Dilma, quando as pedaladas viraram aumento de inflação, queda do PIB e alta do desemprego. O desequilíbrio fiscal sempre piora a vida dos mais pobres. Como na administração petista houve erros e acertos na área fiscal, é natural que o mercado financeiro e todos os economistas perguntem: quais serão as balizas fiscais que Lula pretende adotar caso confirme nas urnas o seu favoritismo nas pesquisas? O PT precisa explicar. Não é conversa de mercado, é preocupação real com a sustentabilidade de qualquer projeto econômico, social e político.

O que não faz sentido é apontar os erros passados do PT e não fazer a mesma cobrança sobre a lambança dos últimos anos. Bolsonaro desestabilizou o teto de gastos, usou decretos de calamidade e emergência como gambiarras para despesas sem controle e contratou várias distorções que amanhecerão na mesa do próximo presidente no dia seguinte ao da posse.

5 comentários:

  1. Anônimo4/9/22 15:07

    A colunista foi brilhante em apontar as contradições entre as declarações mentirosas da dupla Bolsonaro e Guedes: por um lado, mentem que a economia "está bombando" e que temos grande crescimento sem gente passando fome, enquanto decretaram "estado de calamidade" e intervieram de modo sem precedentes na economia. É impressionante a cara de pau destes canalhas!

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  2. Anônimo4/9/22 20:00

    É o dólar flutuante? Parou flutuar e aterissou no paraíso fiscal onde o Guedes esconde- os da inflação. Sujeitinho sujo.

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  3. Anônimo4/9/22 20:01

    Enquanto dita o valor do mesmo. Pode?

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  4. Anônimo5/9/22 19:15

    Guedes ficou um pouco mais rico durante este governo, enquanto quase todos os brasileiros empobreceram. Governo bom pra quem?

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