sexta-feira, 2 de setembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Boas notícias na economia trarão votos a Bolsonaro

O Globo

Resultados positivos na inflação, emprego e crescimento terão efeito na urna — mas não se sabe quanto

Boas notícias continuam a se suceder na economia brasileira. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) anunciou nos últimos dias três indicadores positivos — inflação, desemprego e crescimento — que deverão ter impacto relevante nas eleições de outubro.

A inflação acumulada em 12 meses continua em trajetória descendente e ficou em agosto abaixo de 10% pela primeira vez em um ano (9,6%, pelo IPCA-15). Foi o segundo mês consecutivo de deflação, resultado dos malabarismos do governo Jair Bolsonaro para segurar os preços dos combustíveis e da energia. As expectativas para os preços até o fim do ano são otimistas.

O desemprego atingiu 9,1%, 4,6 pontos percentuais abaixo do patamar de um ano atrás. O contingente de ocupados chegou a 98,7 milhões, recorde na série histórica iniciada em 2012. É verdade que a informalidade continua alta (39,8%). Mas ela vem caindo, e a maior parte da alta no nível de emprego advém da criação de postos de trabalho no setor formal — sinal do êxito inequívoco da reforma trabalhista promovida em 2017 pelo governo Michel Temer.

Por fim, o PIB cresceu 1,2% no segundo trimestre. Nos últimos 12 meses, a alta acumulada foi de 2,6%, resultado da recuperação do setor de serviços, o maior gerador de empregos. Boa parte do crescimento se concentrou no primeiro semestre deste ano, cujo PIB subiu 2,5% na comparação com o mesmo período de 2021. Numa lista com 29 das principais economias do mundo, o crescimento brasileiro no trimestre ficou em sétimo lugar.

As privatizações neste ano aceleraram (o último sucesso foi a venda do aeroporto de Congonhas, em São Paulo), e há uma chance razoável de o Brasil fechar 2022 com o primeiro resultado no azul em oito anos nas contas públicas — em razão, é bom lembrar, do adiamento do pagamento de dívidas judiciais e da alquimia fiscal que permitiu ao governo federal distribuir um sem-número de benesses e auxílios de cunho eleitoral, com boa parte da conta transferida ao caixa de estados e municípios. É certo também que o refluxo da maré internacional — com indicadores pessimistas na China e na Europa — em algum momento deverá alcançar as praias brasileiras, mas por enquanto surfamos uma onda positiva.

Historicamente, bons indicadores econômicos estão associados a maior aprovação do governo, e aprovação em alta se converte em mais votos. Numa campanha eleitoral, debates, entrevistas e sabatinas são fundamentais para informar eleitores engajados, mas a decisão do eleitor médio sofre mais influência da situação econômica. É esperado, portanto, um efeito positivo dos indicadores na votação do presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados.

A dúvida é até que ponto se dará a conversão das boas notícias econômicas em votos — e se o tempo que resta até a eleição (quatro semanas para o primeiro turno e oito para o segundo) será suficiente para Bolsonaro virar o quadro ainda desfavorável nas pesquisas. No primeiro debate entre os candidatos, ele não teve sucesso ao tentar elencar as conquistas de seu governo na economia. Enrolou-se nos números e transmitiu a sensação de estar despreparado para tratar do tema. Mas quem precisa se preocupar mais com os indicadores econômicos positivos é seu rival, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja estratégia de campanha é tirar o foco da corrupção e mudar o assunto justamente para a economia.

Manutenção de emendas do relator deteriora Orçamento de 2023

O Globo

Na proposta enviada por Bolsonaro ao Congresso, R$ 19,4 bilhões serão gastos sem critério nem transparência

É um absurdo o presidente Jair Bolsonaro ter mantido as emendas do relator, conhecidas pela sigla RP9, na proposta de Orçamento da União de 2023 enviada na quarta-feira ao Congresso. Pior foi ter repetido o erro de prever para esse fim mais do que a soma das demais emendas. Bolsonaro reservou R$ 38,7 bilhões aos parlamentares, dos quais R$ 19,4 bilhões abastecerão as emendas RP9, que deram origem ao famigerado orçamento secreto. São gastos destinados a fins paroquiais, feitos sem critério nem transparência, flanco aberto à corrupção.

A aberração das emendas do relator retirou do Executivo a capacidade de comandar as políticas públicas, como escreveu o colunista do GLOBO Merval Pereira. Quase R$ 20 bilhões do Orçamento vão parar nas mãos de deputados e senadores da base de apoio do governo para que gastem como bem entenderem, segundo tão somente os seus interesses políticos, quando não pecuniários.

O dinheiro não vai para os brasileiros que mais precisam. Recebem aqueles que moram no reduto eleitoral do congressista do governo agraciado. Na maior parte das vezes, o investimento vai na contramão de uma estratégia sensata para os estados, para as regiões, para o país. Não têm sido raras as denúncias e evidências de pura roubalheira, casos que ainda esperam apuração rigorosa.

Enfraquecido e preocupado com a possibilidade de perder o mandato por impeachment, Bolsonaro comprou o apoio do Centrão transferindo aos líderes do Congresso o controle sobre uma vultosa fatia do Orçamento. Tal decisão é a culminação de um problema antigo. No sistema político brasileiro, um presidencialismo multipartidário, quando quem está à frente do Executivo é ou fica fraco, o preço cobrado pelo Legislativo sobe.

Quando estava em situação de extrema vulnerabilidade, a presidente Dilma Rousseff atendeu a uma demanda histórica dos congressistas. Eles reclamavam do poder do governo de contingenciar suas emendas. Para liberar a execução, tinham de ir em romaria aos ministérios e quase implorar. Dilma abriu mão da discricionariedade na execução das emendas individuais. Não foi suficiente para que escapasse do impeachment, mas serviu para erodir o poder de barganha do Executivo. Para satisfazer a sanha dos congressistas, Bolsonaro teve de ir além. Abriu mão também da transparência e do controle sobre a execução.

Talvez a única boa notícia sobre as emendas do relator seja que o próximo presidente não é obrigado a mantê-las. O difícil será convencer os congressistas. Se perderem o orçamento secreto, muitos poderão partir para a retaliação. O principal adversário de Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também se mostrou um gerente sofrível de coalizões, como comprovaram os casos do mensalão e petrolão. Seja quem for o eleito em outubro, a questão continua à espera de uma solução que preserve a transparência e a qualidade do gasto público. Com quase R$ 20 bilhões em emendas do relator, ambas são impossíveis.

Acima do esperado

Folha de S. Paulo

PIB mostra vigor no 2º trimestre, mas permanecem incertezas em relação a 2023

O crescimento do Produto Interno Bruto novamente superou expectativas. A alta de 1,2% no segundo trimestre do ano, divulgada nesta quinta (1º), já permite antever crescimento acima de 2,5% neste ano.

A se confirmar tal prognóstico, será o melhor desempenho desde 2013 —sem incluir na conta o ano atípico de 2021, que marcou a recuperação do impacto da pandemia. Também relevante, a produção no segundo trimestre superou em 3% o patamar imediatamente anterior à crise sanitária, quase retomando o pico da série histórica, observado no início de 2014.

A demanda interna teve expansão robusta e disseminada, que deve se manter por algum tempo. O consumo aumentou 2,6% e os investimentos também surpreenderam, com alta de 4,8%. Do lado da oferta, nota-se dinamismo na indústria (2,2%) e nos serviços (1,3%).

Além da retomada de atividades direcionadas às famílias, na continuidade da abertura pós-pandemia, há inúmeros fatores que contribuem para o momento positivo. Preços de matérias-primas ainda elevados e a boa safra ampliaram a renda do agronegócio, que no conjunto perfaz cerca de 25% do PIB.

A retomada do emprego é outro vetor importante. Embora a renda do trabalho no trimestre encerrado em julho esteja ainda 2,9% abaixo do mesmo período de 2021, a taxa de desocupação caiu a 9,1%, menor nível desde 2015.

Com isso, a massa salarial se expande cerca de 6,1% no período, o suficiente para manter o ânimo do consumo, que deve ganhar algum fôlego extra com a entrada do Auxílio Brasil de R$ 600 mensais para cerca de 21 milhões de beneficiários.

Também há o impacto positivo da redução da inflação, ainda que por ora concentrado nos combustíveis —proporcionado por cortes de impostos federais e estaduais.

Para 2023, contudo, o cenário é mais duvidoso. Além das dificuldades no âmbito internacional, como juros em alta no mundo desenvolvido e conflitos geopolíticos, há enorme incerteza em relação à política econômica do próximo governo —qualquer que seja o vencedor da eleição presidencial.

Novas temeridades na gestão do Orçamento podem trazer impacto negativo nas variáveis financeiras, como taxas de câmbio e juros.

A política monetária contracionista para combater a inflação terá peso crescente adiante. Juros básicos em 13,75% ao ano são escorchantes para padrões históricos e devem conter a demanda por crédito e o ímpeto do consumo. O aumento recente da inadimplência também é um sinal de alerta.

O PIB traz alívio, enfim, mas não significa que estão superadas as fragilidades da economia nacional.

Lua crescente

Folha de S. Paulo

Nasa volta ao satélite de olho em Marte e, do ponto de vista terrestre, na China

Está marcada para este sábado (3) a decolagem rumo à Lua do foguete SLS, na missão Artemis 1 da Nasa (agência espacial americana). O voo não tripulado ocorre meio século após o último pouso de astronautas no satélite, com a Apollo 17.

No panteão grego de deuses, Ártemis é irmã gêmea de Apolo, ambos filhos do grande Zeus. O vínculo entre os dois programas dos EUA vai além da mitologia, contudo, relançando uma corrida espacial impulsionada por objetivos estratégicos bem terrestres.

Na edição anterior, a nêmesis era a União Soviética, cuja descendente Rússia ainda tem presença espacial e ora se enreda em guerra prolongada na Ucrânia, ponta de lança da Otan. No front sideral da nova Guerra Fria, a China tem a vez de se preparar para a longa marcha.

Marte figura como objetivo final das potências, com paradas estratégicas na Lua. A nação asiática já enviou três sondas robóticas ao satélite, sempre com sucesso, e planeja montar lá uma base.

Em 2009, a sonda americana LCROSS confirmou a existência de água em crateras no polo lunar. O recurso seria crucial para missões ao planeta vermelho, como fonte de oxigênio para tripulantes e hidrogênio para propulsão, mas pode não ser abundante.

Ainda na administração Barack Obama, o governo americano decidiu contrastar os planos lunares de chineses. O voo atual serve para estudar o equipamento que, em poucos anos, levaria até cinco astronautas por vez à Lua.

Decerto que tais missões servem igualmente a propósitos científicos e tecnológicos. As rochas ali coletadas contribuíram para entender melhor o Sistema Solar, por exemplo, e novas missões, com instrumentação 50 anos mais avançada, contribuirão para expandir o conhecimento humano.

Difícil acreditar, no entanto, que os EUA se aventurem a gastar US$ 100 bilhões com Artemis só para avançar a ciência, como faz parecer a propaganda da Nasa. O programa reanima o orçamento da própria agência e do complexo industrial a ela associado.

Em paralelo, a Nasa lustra o prestígio com as imagens deslumbrantes do telescópio James Webb, por um décimo daquele valor.

Nem por isso é o caso de pôr em dúvida a imensidão de dados que o instrumento soberbo fornecerá para a astronomia e a astrofísica na próxima década. Ver a ciência avançar com a disputa geopolítica na Terra sempre é melhor do que despender bilhões em desastres humanitários como na Ucrânia.

Bolsonaro deve explicações

O Estado de S. Paulo

A compra de imóveis em dinheiro vivo costuma servir à lavagem de dinheiro. A família Bolsonaro comprou 51 imóveis em dinheiro vivo. Está claro que o presidente deve explicações

O governo Bolsonaro tem problemas sérios envolvendo corrupção e gestão obscura de recursos públicos, com destaque para negociações suspeitas de vacina anti-covid, pedidos de dinheiro por pastores evangélicos no Ministério da Educação e, principalmente, o orçamento secreto – que cria as condições ideais para o florescimento da corrupção, por permitir gastos sem transparência e sem critério. Tudo isso é rigorosamente contrário à promessa de Jair Bolsonaro de combate implacável à corrupção. No entanto, há algo ainda mais explicitamente avesso à moralidade pública e diretamente relacionado ao presidente da República: o sistema metódico de compra de imóveis com o uso de dinheiro vivo da família Bolsonaro. 

O caso é gravíssimo e deveria merecer mais atenção dos eleitores brasileiros. Afinal, o Brasil aprovou a Lei da Ficha Limpa, de iniciativa popular, justamente porque a sociedade se cansou de políticos delinquentes. Está claro que Bolsonaro precisa explicar a origem dos milhões de reais em dinheiro que ele e sua família conseguiram movimentar na negociação de dezenas de imóveis, aparentemente sem ter renda suficiente que a justifique.

O site UOL revelou que, desde os anos 90, o presidente, seus irmãos e seus filhos negociaram 107 imóveis, dos quais pelo menos 51 foram adquiridos total ou parcialmente com o uso de dinheiro vivo. Em valores corrigidos pelo IPCA, o montante pago em dinheiro vivo equivale a R$ 25,6 milhões.

Não é crime comprar um imóvel usando dinheiro vivo. Mas essa modalidade de pagamento, especialmente se é recorrente, consiste em forte indício de lavagem de dinheiro. É justamente um dos crimes pelos quais o ex-presidente Lula da Silva foi condenado no caso do triplex do Guarujá. O crime de lavagem de dinheiro consiste em “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”. Uma vez que o dinheiro vivo não tem rastreabilidade, seu uso é muito propício para ocultar ou dissimular a real origem de determinado recurso. 

Quando veio à tona que a família Bolsonaro comprou 51 imóveis envolvendo pagamento em dinheiro vivo, o presidente não contestou o dado. Limitou-se a perguntar, com sua habitual truculência: “Qual o problema comprar com dinheiro vivo algum imóvel?”.

Ora, não foi apenas “algum imóvel”. Foram 51. E tudo fica ainda mais suspeito quando se toma conhecimento de que as declarações de bens e renda da família Bolsonaro entregues à Justiça Eleitoral, como revelou o Estadão, não indicam guarda de dinheiro em espécie em casa. De 1998 até agora, apenas o filho Carlos informou ter guardado R$ 20 mil em espécie por ao menos oito anos.

Tudo isso é escandaloso – e demanda pronto e inequívoco esclarecimento. Os mesmos eleitores que, com razão, cobram de Lula da Silva explicações sobre os casos cabeludos de desvio de recursos públicos nos governos do PT devem exigir de Bolsonaro que explique qual foi a mágica financeira que permitiu que ele e seus filhos parlamentares, cujos salários não superam R$ 40 mil brutos, fossem capazes de movimentar milhões de reais no ramo imobiliário, e tudo em cash.

Nem Bolsonaro nem seus filhos foram capazes, até agora, de esclarecer os muitos indícios da prática de rachadinha (apropriação de salários de assessores parlamentares) por parte do clã. Ou seja, há a suspeita de ocultação da origem de bens (pelo uso de dinheiro vivo na compra de 51 imóveis) e, ao mesmo tempo, há a suspeita da origem ilícita desses recursos (a rachadinha), elementos do crime de lavagem de dinheiro. Por muito menos, e com base em indícios muito mais frágeis, inúmeras pessoas foram denunciadas e chegaram a ser presas na época da Lava Jato.

Como candidato à reeleição e, sobretudo, como candidato que se apresenta como incorruptível, Bolsonaro tem o dever de esclarecer a origem desses recursos. Quem quer ser (ou continuar a ser) presidente da República não pode deixar dúvidas sobre sua honestidade, ainda mais quando se está diante de suspeitas de lavagem de dinheiro.

A resistência da economia brasileira

O Estado de S. Paulo

O significativo crescimento do PIB no 2.º trimestre é grande prova de resiliência do País; juros em alta no Brasil e cenário internacional confuso desafiam continuidade desse desempenho

A capacidade de reação da economia brasileira chega a surpreender. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 1,2% no segundo trimestre do ano na comparação com o trimestre anterior, constatado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra a força e a intensidade com que o País conseguiu enfrentar os imensos problemas que se acumularam desde o início da pandemia e os novos que o cenário mundial trouxe. É uma grande prova de resiliência. É também um elemento precioso para alimentar o discurso ufanista com que o presidente Jair Bolsonaro tenta impulsionar sua campanha pela reeleição, hoje fortemente ameaçada por outra candidatura. Afinal, na hipótese – pouco provável, ressalte-se – de repetição desse desempenho ao longo de quatro trimestres sucessivos, o crescimento em 12 meses alcançaria 4,9%.

O governo Bolsonaro comemora esses números. Além da expressiva expansão do PIB, melhoram os principais indicadores do mercado de trabalho e a inflação dá sinais de recuo. A área técnica do governo garante que, “desde 2021, a economia brasileira demonstra capacidade de sustentar a retomada da atividade após choques adversos, como a pandemia e a elevação histórica da inflação mundial”.

Os números divulgados pelo IBGE são, de fato, auspiciosos. O crescimento é generalizado. O setor de serviços teve alta de 1,3%; a indústria, de 2,2%; e a agricultura, de 0,5%. Na comparação com o segundo trimestre de 2021, o aumento do PIB no período abril-junho de 2022 foi de 3,2%. No acumulado dos quatro trimestres terminados em junho de 2022, a expansão foi de 2,6%. No ano, a alta é de 2,5%.

Ao mesmo tempo que é preciso ressaltar o impacto positivo da evolução recente da economia, é necessário examinar as razões da melhora e, em especial, avaliar sua resistência. A expansão do PIB decorre principalmente da gradual normalização de atividades que haviam sido fortemente comprimidas no período mais difícil da pandemia, como os serviços. Havia uma grande demanda reprimida por serviços, sobretudo os presenciais, em razão da necessidade de redução de aglomerações e contatos pessoais durante a pandemia. Assim, do lado da demanda, o consumo das famílias cresceu 5,3% na comparação com o resultado de 2021.

Também a recuperação do mercado de trabalho fez crescer a demanda por serviços e bens em geral. Por fim, medidas do governo Bolsonaro em favor das pessoas de baixa renda, entre as quais a antecipação do pagamento do 13.º de aposentados e pensionistas e a liberação de saques do FGTS, igualmente impulsionaram a demanda.

É possível que o impacto dessas medidas sobre a evolução do PIB já tenha se esgotado ou se torne bem menos intenso doravante. Parte da perda pode ser compensada pelo aumento do valor do benefício do Auxílio Brasil, de R$ 400 para R$ 600, que vale até dezembro.

Outros fatores, porém, podem ter efeito mais relevante nos próximos meses. Um deles, a alta contínua pelo Banco Central da taxa básica de juros, a Selic, será mais sentido daqui para a frente. A alta é expressiva: a Selic, hoje fixada em 13,75% ao ano, estava em 2% ao ano até março do ano passado. Mesmo reconhecendo a melhora no cenário inflacionário, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse há pouco que “muito do que a gente fez (na condução da política monetária) ainda não tem efeito na economia”. Por isso, afirmou, “não podemos baixar a guarda”.

Apesar da frequente revisão para cima das projeções para o crescimento do PIB em 2022, Campos advertiu para a necessidade de “olhar a continuidade desse processo”. Há desaceleração da economia mundial e a inflação continua alta nos principais países. No plano interno, a política fiscal é marcada por medidas populistas ou destinadas a beneficiar aliados do governo, e a proposta de Orçamento para 2023 sintetiza a irresponsabilidade na gestão do dinheiro público. E a taxa de investimentos, que garante o crescimento futuro, embora venha subindo, é muito baixa (18,7%) se comparada com a de outros países em desenvolvimento.

Populismo na saúde

O Estado de S. Paulo

Ao derrubarem ‘rol taxativo’ da ANS, parlamentares arriscam a segurança futura dos usuários de planos de saúde

O Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 2.033/2022, que transforma o chamado “rol taxativo” da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em mera “lista de referência” de procedimentos médicos que devem ser cobertos pelos planos de saúde. O projeto, que já havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados, seguiu para sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro.

A aprovação do PL 2.033 foi um erro. A um só tempo, o Congresso gerou insegurança jurídica no setor de saúde suplementar, pois flexibilizou os limites de cobertura previstos nos contratos firmados entre os usuários dos planos e as empresas, e esvaziou o poder de regulação técnica da ANS.

A julgar por seus discursos, os parlamentares que aprovaram o PL 2.033 sobrepuseram o interesse eleitoral à segurança jurídica e econômica de cidadãos e empresas. Decerto não quiseram lidar de forma mais responsável com um tema tão sensível em ano eleitoral. Muitos desses parlamentares concorrem à reeleição neste ano, de modo que não lhes interessa contrariar os 49 milhões de usuários de planos de saúde privados no País. Ocorre que, ao agirem assim, colocaram em risco a segurança futura dos mesmos cidadãos que hoje eles dizem proteger. Isso tem nome: populismo.

O “rol taxativo” da ANS não é uma maldade dos técnicos da agência reguladora nem tampouco é fruto da ganância das operadoras de planos de saúde. Há boas razões para que haja uma lista bem definida dos procedimentos médicos que devem ser cobertos pelas empresas do segmento.

Com o equilíbrio que o tema requer, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) havia decidido em meados de junho que a taxatividade do rol da ANS se impunha por dar previsibilidade à administração das empresas que operam os planos de saúde. De fato, a ninguém interessa uma cobertura ilimitada de procedimentos terapêuticos no papel se, ao fim e ao cabo, as empresas não tiverem condições de arcar com seus custos, totalmente imprevisíveis.

O STJ também teve o cuidado de não deixar totalmente desamparadas as famílias de pessoas acometidas por doenças raras ou que necessitam de terapias que não constam do rol da ANS. Em casos excepcionais, julgou a Corte, a Justiça poderá determinar a cobertura com base em avaliações técnicas. Eis o mérito da decisão: trata exceções tais como são. Já o PL 2.033 torna regra essa excepcionalidade.

De acordo com o projeto, qualquer tratamento terapêutico que não conste do rol da ANS deverá ser coberto pelos planos quando houver comprovação de eficácia baseada em evidências científicas, quando for recomendado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) ou caso seja indicado por um órgão de saúde de renome internacional para seus nacionais.

A lei de mercado, no entanto, é implacável. Em que pesem as supostas boas intenções dos parlamentares, a imprevisibilidade de custos levará as empresas a elevar o valor das mensalidades dos planos. Muitos cidadãos não terão condições de arcar com esse aumento. A consequência é óbvia: crescerá a pressão sobre o já combalido e subfinanciado SUS.

Desempenho da economia pode suavizar desaceleração

Valor Econômico

Com impulsos fiscais e parafiscais já dados, e outros que possam vir, a desaceleração esperada para o 3º trimestre pode ser amenizada

A economia brasileira cresceu mais do que o previsto no segundo trimestre do ano (1,2%) em relação ao primeiro trimestre, que teve sua taxa revista para cima (1,1%). A remoção de entraves não econômicos à expansão, o passado, explica parte da recuperação - o arrefecimento da pandemia e praticamente o fim das restrições às atividades presenciais, o que liberou a energia do setor de serviços, que compõe 70% do PIB. A outra parte diz respeito ao presente: o ano eleitoral e as estratégias de gastos dos governantes para se manterem no poder.

O setor de serviços, pelo lado da oferta, recuperou sua expansão e mantém um ritmo de atividade já razoavelmente superior ao de antes da pandemia. O fim dos obstáculos à mobilidade fez com que a rubrica “outras atividades de serviços”, onde entram aquelas mais diretamente dependentes de salários e proximidade física, se destacassem em crescimento por qualquer padrão de comparação: de um trimestre contra o anterior, ante o mesmo período do ano passado ou o acumulado em quatro trimestres. Sem a plena mobilidade não haveria esta expansão. Sem o aumento do consumo das famílias, também não.

O consumo das famílias deu um salto de 2,6% no segundo trimestre e de 5,3% em relação ao mesmo período do ano passado. Foi nesse trimestre que o desemprego caiu com mais força (a 9,1%) e, em consequência, que a massa salarial aumentou com força, ainda que os salários continuassem caindo. A oferta de crédito, apesar da elevação da taxa de juros e da alta da inadimplência, seguiu aumentando em dois dígitos.

O calendário político deu um estímulo considerável ao consumo das famílias, que em valores atingiu o maior ponto da série com ajuste sazonal com valores a preços de 1995 (comparação até 2010). O fim do auxílio emergencial, criado na pandemia, reduziu o avanço do consumo no primeiro trimestre do ano em relação ao anterior, mas o governo promoveu nova liberação emergencial do FGTS (R$ 30 bilhões) e outra antecipação do 13º salário de aposentados e pensionistas (R$ 56 bilhões). A preços correntes, isto explica em parte o aumento das despesas de consumo do primeiro trimestre (R$ 1,406 trilhão) para o segundo (R$ 1,490 trilhão).

O arsenal eleitoral do governo não se esgotou e o Auxílio Brasil, que começou a ser pago em agosto, levará para a economia mais R$ 60 bilhões, ou cerca de R$ 40 bilhões a mais do que os recursos que já circulariam em decorrência do Bolsa Família, cujo valor médio era um terço de seu substituto. Estimularão ainda indiretamente o consumo a remoção federal dos impostos sobre combustíveis (R$ 52 bilhões em um ano) e a redução das alíquotas de ICMS sobre itens essenciais, como transportes, telecomunicações e combustíveis (cerca de R$ 65 bilhões em um ano).

No bom desempenho da economia do trimestre influíram ainda o aumento de 4,8% do investimento (formação bruta de capital fixo), impulsionado pela expansão forte da construção (2,7% no trimestre, 9,9% ante o mesmo trimestre de 2021). Eles se beneficiaram dos gastos feitos por Estados e municípios, repletos de recursos em caixa. A maior parte dos governadores tenta agora a reeleição.

A grande valorização das cotações das commodities ajudou a movimentar a economia e empurrar para cima a contribuição da agricultura, prejudicada por adversidades climáticas, que ficaram para trás (o setor avançou 0,5% no segundo trimestre, ainda assim, menos que os demais componentes da oferta, como indústria e serviços).

Maiores cotações de produtos exportados pelo país e desvalorização do real não produziram, no entanto, um impulso do setor externo à economia. As importações cresceram e as exportações recuaram no segundo trimestre. Segundo o economista Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, a demanda externa reduziu o PIB em 1,34 ponto percentual. Esse resultado foi amenizado pela expansão de 2,5% da demanda final doméstica.

As revisões do PIB de 2022 entraram, então, em alta, para perto dos 3%. Se não houver crescimento no segundo semestre, o PIB fechará o ano em 2,6%. Não se descarta que, com impulsos fiscais e parafiscais já dados, e outros que possam vir, a desaceleração esperada para o 3º trimestre seja postergada ou amenizada. A queda da inflação, além disso, pode dar novo alento ao consumo, assim como os salários, que ensaiam uma recuperação.

 

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