segunda-feira, 12 de setembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

É inadmissível cortar orçamento de áreas essenciais

O Globo

Para ampliar emendas parlamentares, governo propõe cortes em segurança, saúde, educação — e até na merenda

Em sua última manobra orçamentária, o presidente Jair Bolsonaro mudou por decreto a regra de autorização de despesas , para permitir a liberação de R$ 5,6 bilhões do orçamento secreto ainda antes da eleição, enquanto mantém o veto a verbas aprovadas pelo Congresso para Cultura e Ciência e Tecnologia. Cortes no Orçamento são naturais em qualquer governo diante do vaivém da arrecadação e das despesas previstas. O que não é natural é fechar a torneira em áreas essenciais, como educação, saúde ou segurança, e ao mesmo tempo deixá-la jorrar nas nebulosas emendas do relator, essenciais apenas para comprar apoio político no Parlamento.

Um exemplo cruel desse descontrole foi o veto de Bolsonaro ao reajuste, aprovado pelo Congresso, no valor que a União repassa a estados e municípios para comprar merenda escolar. São ridículos R$ 0,36 para alimentar um aluno do ensino fundamental ou médio e R$ 0,53 para crianças na pré-escola. Os valores estão congelados desde 2017, enquanto o preço dos alimentos disparou nos últimos meses. Não se deve ignorar que o refeitório das escolas é porto seguro para milhares de crianças que não têm o que comer em casa. A situação ficou evidente na pandemia, quando as escolas fecharam, e famílias pobres não tinham o que dar aos filhos.

Não é a única insensatez orçamentária deste governo. Na Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) divulgada pelo Ministério da Economia, o Executivo propõe reduzir em 29% os investimentos do Ministério da Saúde (para R$ 1,52 bilhão). A insensibilidade é tamanha que o valor reservado à compra de remédios imunobiológicos para prevenir e controlar doenças — inclusive vacinas — sofreu corte de R$ 508 milhões. Um disparate, considerando que a Covid-19 continua a fazer vítimas e que os índices de vacinação infantil são vergonhosos.

A educação também é tratada com desprezo. O governo propõe cortar R$ 1,1 bilhão no programa Educação Básica de Qualidade. Não é admissível que a União queira economizar num setor tão fundamental, especialmente depois da tragédia provocada pelas escolas fechadas na pandemia. É verdade que a responsabilidade não foi só do governo federal, mas o papel do Ministério da Educação foi de mero espectador enquanto o ensino ruía.

Nem setores que costumam ser incensados pelo governo Bolsonaro, como as Forças Armadas ou a Polícia Federal (PF), saíram ilesos. O Ministério da Defesa perdeu R$ 901 milhões. O corte deverá afetar programas como o controle do espaço aéreo e a construção de um submarino com propulsão nuclear. A PF sofreu uma facada drástica de R$ 89 milhões, ou 96% em relação a este ano, nos investimentos previstos para prevenção e repressão ao crime. Um contrassenso num governo que se elegeu tendo como uma de suas bandeiras a segurança pública.

Curioso é que o governo se empenhou para furar o teto de gastos nos projetos que lhe interessavam, todos de cunho eleitoral. Mas economiza na merenda das crianças e noutras áreas que deveria tratar como prioridade. Ao mesmo tempo, reserva R$ 38,7 bilhões para as emendas parlamentares, 8,7% a mais que em 2022, o maior valor já registrado. Para as emendas do relator, que irrigam o orçamento secreto, em que faltam transparência e critérios técnicos no uso de recursos públicos, foram destinados quase R$ 20 bilhões. Eis as prioridades reais deste governo.

Próxima conferência do clima é chance derradeira para evitar o pior

O Globo

COP27 no Egito terá de chegar a acordo para limitar emissões, do contrário metas não serão cumpridas

A próxima conferência mundial do clima, a COP27, prevista para novembro em Sharm El-Sheik, no Egito, será, mais que as anteriores, realizada sob a pressão do tempo. Repetem-se os alertas dos cientistas de que, até agora, todo o conjunto de ações formuladas para evitar que a temperatura global não suba mais do que 1,5 oC em relação à era pré-industrial ainda é insuficiente para proteger o planeta dos eventos climáticos extremos decorrentes do aquecimento global. A continuar assim, a situação do planeta estará pior a cada COP, até chegar a um ponto sem retorno possível.

Um relatório do governo americano divulgado em agosto reafirma a preocupação com as emissões de gases do efeito estufa, cujo principal responsável são os próprios Estados Unidos, como maior emissor de carbono, à frente de China, Rússia e Brasil. Eis o diagnóstico de Rick Spinrad, diretor da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA): “Seguimos vendo mais evidências científicas convincentes de que mudanças climáticas têm impactos globais e não mostram sinais de desaceleração”.

Os fatos não cessam de comprovar os temores no mundo todo. No Brasil, chama a atenção a quebra de safra que levou o Seguro Rural, do Ministério da Agricultura, a pagar indenizações recordes somando R$ 7,7 bilhões no primeiro semestre, 353% mais que no mesmo período do ano passado.

Na Europa, o verão escaldante deste ano fez os termômetros escalar até 40 °C, rios baixar de nível ou secar, como nunca ocorrera em 500 anos. Na Austrália, as fortes ondas de calor e chuvas não têm precedentes. Enxurradas também se abateram de maneira anormal sobre o Nordeste brasileiro, enquanto o Leste da África continua, pelo quarto ano consecutivo, a ser castigado por uma seca dramática. No Paquistão, a temporada das monções provocou inundações que deixaram 1.100 mortos.

Não é que não se saiba o que fazer. O relatório divulgado em abril pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) apresenta opções para geração de energia, eficiência energética, transporte, urbanização, agricultura e outras atividades com a finalidade de reduzir as emissões. Falta a decisão de fazer.

Para limitar a 1,5 °C a alta na temperatura global neste século, é imprescindível cortar em 90% o uso do carvão mineral até 2050, em relação a 2019. O consumo de petróleo precisa cair 60%, e o de gás 45%. Há ainda a necessidade de produzir sistemas que capturem gases do efeito estufa de refinarias e outras instalações que continuarão a funcionar à base de combustíveis fósseis para colocá-los abaixo da terra ou no fundo dos mares.

O relatório de abril do IPCC prevê para daqui a apenas dois anos o momento a partir do qual as emissões precisarão cair em 43% até 2030 para que a temperatura da Terra não ultrapasse o limite definido no Acordo de Paris, em 2015. Por isso a COP no Egito é a chance derradeira de chegar a um acordo que garanta o futuro do nosso planeta.

Auxílio sem voto

Folha de S. Paulo

Alta de benefício não tem, até aqui, impacto eleitoral relevante para Bolsonaro

O aumento do valor do Auxílio Brasil para R$ 600 mensais foi anunciado em fins de junho por Jair Bolsonaro (PL) e aprovado em meados de julho pelo Congresso. O novo benefício começou a ser pago faz pouco mais de um mês.

Desde o final de julho, a diferença entre as intenções de voto em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Bolsonaro se estreitou. Segundo o Datafolha, passou de 18 para 11 pontos percentuais no primeiro turno. No entanto a melhoria relativa da votação do presidente não se deveu à mudança das preferências dos eleitores mais pobres ou dos beneficiários do auxílio.

Tampouco a crença de que Bolsonaro possa manter o valor desse benefício em 2023 parece levar mais votos para sua candidatura.

A parcela de eleitores inclinados a acreditar que o mandatário vai manter o valor majorado em 2023 é maior do que aqueles que pretendem reconduzi-lo ao cargo de presidente (40% a 34%).

Entre os beneficiários do programa, tal situação se repete: 37% acreditam que o Auxílio Brasil ainda será de R$ 600 sob um segundo mandato, e 29% declaram voto no presidente no primeiro turno.

Já no caso de Lula, os percentuais de intenção de voto e de crença na prorrogação do aumento em um governo petista são muito semelhantes —e, portanto, maiores do que os do incumbente.

A perspectiva de receber um Auxílio Brasil maior não parece, pois, associada à propensão maior de votar no presidente. Além disso, a preferência por Bolsonaro entre os beneficiários do programa assistencial praticamente não se alterou nas últimas seis semanas.

Em fins de julho, o presidente tinha 26% dos votos dos eleitores que recebem o auxílio. Na pesquisa Datafolha da semana passada, eram 29%. Uma elevação pequena, e além do mais semelhante à de Lula nesse estrato —o petista passou de 53% para 56%.

Em um segundo turno, a situação não se alterou. Bolsonaro continuou com 32% entre os eleitores do Auxílio Brasil; Lula, com 63%.

Cerca de 26% dos eleitores vivem em domicílios em que algum morador recebe o benefício. Entre as famílias com renda até dois salários mínimos, são 41%; no Nordeste, 40%. Do total dos eleitores, 82% dizem que o valor deve ser mantido em R$ 600, em vez de R$ 400.

Talvez novas rodadas de pagamentos do auxílio, associadas ainda a alguma discreta melhora da economia, possam carrear alguns votos para o presidente.

Mas a decisão de voto parece cada vez mais consolidada. Diminui o número de indecisos ou inclinados a alterar sua escolha. Uma das grandes iniciativas eleitoreiras do governismo mostra efeito modesto, a 20 dias do primeiro turno.

Após a deflação

Folha de S. Paulo

Na sequência da queda nos preços, país vislumbra a desaceleração da economia

A trégua da inflação continuou em agosto. A queda de 0,36% do IPCA, o principal índice de preços ao consumidor, foi a segunda consecutiva e levou a variação acumulada em 12 meses para 8,73%, o primeiro resultado abaixo de dois dígitos desde setembro de 2021.

A boa notícia decorre principalmente da redução no preço dos combustíveis. Como resultado de cortes de impostos domésticos e do barateamento do petróleo no mercado mundial, a gasolina caiu 11,64% e sozinha subtraiu 0,67 ponto percentual do índice.

De modo geral, preços industriais também proporcionam alívio, conforme se normalizam as condições de produção e transporte no mundo, passados os piores impactos da pandemia. A valorização do real também tem contribuição relevante, ao baratear importações. A alimentação no domicílio, embora tenha subido 13,4% em 12 meses, também deve perder fôlego.

Com isso, as projeções para o fechamento do ano caíram de quase 9%, em junho, para 6,6% agora. É um progresso relevante, mas ainda incipiente e longe de garantir uma trajetória sustentável de redução.

Como é usual no Brasil, o longo período de inflação elevada reforça a indexação, o que confere caráter inercial aos preços, dificultando seu controle. Sinal disso é a aceleração dos serviços, que deve manter o IPCA acima das metas oficiais pelo menos até 2024, pelas projeções mais recentes.

Daí os sinais de conservadorismo do Banco Central. Embora tenha indicado o fim do ciclo de alta de juros, a instituição sugere que sua taxa, hoje em 13,75% ao ano, deverá permanecer alta por vários meses.

Inflação e juros elevados são uma combinação ruim para a atividade econômica. Ainda que o crescimento do Produto Interno Bruto venha surpreendendo positivamente e possa superar 2,5% neste ano, espera-se um impacto crescente do torniquete financeiro.

O custo é visível para ampla parcela da população que tem dificuldades de manter o consumo de serviços mais caros —um novo golpe após dois anos de alimentos e outros itens essenciais em disparada.

Com o endividamento em alta, o encarecimento do crédito restringe o orçamento das famílias. Indicadores relativos ao início do terceiro trimestre já mostram perda de fôlego da atividade. São críveis as projeções que apontam para crescimento menor em 2023, apenas 0,5%. Melhorar esse prognóstico será desafio do próximo governo.

O eleitor não é ingênuo

O Estado de S. Paulo

Benefícios eleitoreiros não diminuíram a reprovação de Jair Bolsonaro. As altas taxas de rejeição dele e de Lula mostram maturidade do eleitor. Ele sabe o que faz mal ao País

Há muita desinformação e muita manipulação nas redes sociais, o que tensiona aspectos vitais do regime democrático. A mentira massiva não apenas difunde conteúdo inverídico, como corrói o ambiente de confiança tão necessário numa sociedade. Tudo isso pode produzir certo pessimismo em relação à qualidade da decisão do eleitor. De toda forma – e aqui está o ponto a ser destacado –, as pesquisas de opinião indicam que o eleitor não é ingênuo. Os quase quatro anos de governo Bolsonaro tiveram profundas e duradouras consequências na percepção do eleitor: metade da população diz que não votará em Jair Bolsonaro de jeito nenhum.

A taxa de rejeição de Bolsonaro não é um fenômeno temporário, fruto de uma insatisfação pontual. Desde a pandemia, parte considerável da população vem manifestando profundo descontentamento com a administração Bolsonaro, rejeição esta que se consolidou ao longo do tempo. O dado recente, extremamente positivo em relação à maturidade do eleitor, é que a concessão de benefícios eleitoreiros neste segundo semestre não modificou a reprovação do presidente Jair Bolsonaro. A última pesquisa do Ipec indicou que 49% dos eleitores afirmam que não votarão de jeito nenhum em Jair Bolsonaro. Também é expressiva a rejeição de Lula: 36% dos eleitores dizem que não votam nele de forma nenhuma.

Esse quadro revela que os atos dos governantes têm consequências políticas. Certamente, pode-se argumentar que o eleitor poderia e deveria ser ainda mais exigente. Por exemplo, a combinação de compra de 51 imóveis com dinheiro vivo pela família Bolsonaro e as fortes suspeitas de rachadinha – nunca esclarecidas – deveria ser motivo para que ninguém preocupado com o combate à corrupção no País apoiasse ou votasse em Jair Bolsonaro. Não é razoável reconduzir ao mais alto cargo do Executivo federal um político envolvido em suspeitas de lavagem de dinheiro. Seja pela responsabilidade da função, seja pela dimensão de exemplaridade, a Presidência da República merece ser ocupada por pessoas com reputação ilibada.

De toda forma, mesmo que o cenário de consciência cívica tenha muito a melhorar, é preciso reconhecer que já existe de fato uma responsabilização pelo modo como o governante exerce o cargo que lhe foi atribuído. Metade da população não quer um presidente da República que coloca em dúvida o sistema eleitoral, que descuida da educação pública, que não tem planejamento, que desrespeita as mulheres, que dificulta a transparência dos atos do governo, que debocha dos doentes e, principalmente, que não trabalha. O eleitor médio pode ter dificuldades de entender toda a gravidade do orçamento secreto – verdadeira aberração antirrepublicana –, mas ele sabe que o País tem muitos problemas e que o chefe do Executivo federal precisa trabalhar, e trabalhar bem: sem criar desordem, sem fugir de suas responsabilidades e sem favorecer os amigos.

A rejeição de Lula revela também que, ao contrário do que às vezes se diz, o eleitor não se esquece completamente das gestões passadas. O PT pode fingir que, por estar à frente nas intenções de voto para a Presidência da República, não precisa explicar os casos de corrupção de seus 13 anos no governo federal e, principalmente, que não necessita apresentar o que fará de diferente para evitar que, num eventual futuro governo, os escândalos se repitam. A tática diversionista, no entanto, não funciona com parte relevante da população. Mais de um terço da população diz que não vota de jeito nenhum em Lula.

A democracia não é uma ilusão. Por mais que haja fake news – o governo de Jair Bolsonaro chegou a montar um gabinete do ódio no Palácio do Planalto para atacar e difamar adversários políticos –, a população está em contato com a realidade. Não se governa um País com motociata. Não se vence a pandemia com cloroquina. Que até o dia 2 de outubro o eleitor possa fazer uma avaliação responsável dos diversos candidatos, suas trajetórias e respectivas propostas. É preciso não colocar no poder gente tão eficiente em gerar rejeição.

Mergulho na era das incertezas

O Estado de S. Paulo

A pandemia reduziu o IDH global após décadas de evolução. Mais que um desvio momentâneo, queda acentua um complexo de incertezas que traz riscos, mas também oportunidades

O primeiro relatório do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU a medir os impactos da pandemia foi publicado com o sugestivo título: Tempos Incertos, Vidas Instáveis – Construir o futuro num mundo em transformação.

O IDH caiu em mais de 90% dos países. Seria tentador considerar a pandemia, ou a guerra na Ucrânia, como turbulências: bastaria segurar firme, à espera do retorno à normalidade. Afinal, nas últimas três décadas indicadores como saúde, educação e padrão de vida melhoraram continuamente. Mas, argutamente, os pesquisadores descrevem a pandemia mais como uma “janela para uma nova realidade” do que um desvio da vida de sempre.

Há milênios os humanos são impactados por pestes, guerras ou desastres naturais. Mas, agora, “novas camadas de incertezas estão interagindo para criar novos tipos de incertezas – um novo complexo de incertezas nunca visto na história da humanidade”. O estudo destaca três “camadas”: os riscos do chamado “Antropoceno” – em que os humanos se tornaram uma força maior de transformações planetárias –; a transição para novas formas de organização das sociedades industriais; e a intensificação da polarização política e social, nos países e entre eles, facilitada por novas tecnologias de comunicação.

Esse complexo é chave para elucidar um cenário enigmático: as percepções das pessoas sobre suas vidas e sociedade contrastam com a elevação objetiva do bem-estar humano no último século. Pesquisas em mais de 14 milhões de livros publicados nesse período mostram um aumento acentuado em expressões de angústia e ansiedade – intensificadas desde 2012. Mais do que uma “distorção ótica”, esse contraste convida a reavaliar as noções de “desenvolvimento”.

A pandemia ofereceu um vislumbre do potencial de desenvolvimento humano – mas também evidenciou a lacuna entre esse ideal e a realidade. Estima-se que o extraordinário desenvolvimento das vacinas tenha salvado 20 milhões de vidas em um ano. Mas igualmente extraordinário é o número de vidas desnecessariamente perdidas pela imensa desigualdade no acesso aos imunizantes.

O Brasil ilustra muitos desses contrastes. Com 2,7% da população mundial, o País registrou 10,5% das mortes por covid, mesmo contando com o maior sistema de saúde pública do mundo e um programa de vacinação com boa reputação. Como se sabe, essas vantagens comparativas foram sabotadas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, por razões ideológicas. O impacto no índice de mortalidade foi o principal fator a fazer com que a retração do IDH brasileiro fosse maior que a média mundial.

Mas há disfunções estruturais. O IDH nacional – 0,754, de 0 a 1 – é considerado elevado e está acima da média mundial (0,732). Mas, analogamente à “armadilha da renda média”, há uma “armadilha do IDH médio”. Quando o indicador é ajustado à desigualdade, ele despenca para 0,576, espantosos 23,6%.

Períodos de transição despertam apreensões, mas também oportunidades. É certo que “não está tudo bem”, mas nem por isso “tudo está perdido”. Assim como o mundo aprendeu a conviver com a covid, precisa aprender a conviver com esse complexo de incertezas. Isso significa mais que mera acomodação. Para concretizar todas as potencialidades desse mundo em transição, o estudo destaca três alavancas: investimentos que o preparem para riscos como novas pandemias ou as mudanças climáticas; seguridade e fortalecimento de serviços universais como educação e saúde para proteger contra contingências; e inovação – tecnológica, econômica e cultural – para responder criativamente a essas instabilidades, transformando-as em oportunidades.

Não há espaço para fatalismo. Crises agudas relembram, nas palavras da poeta e ativista Maya Angelou, citadas no relatório, a importância de “se trazer todas as nossas energias a cada encontro, de permanecer suficientemente flexíveis para notar e admitir quando aquilo que esperávamos que acontecesse não acontece”. E ela arremata: “Precisamos lembrar que fomos criados criativos e podemos inventar novos cenários tão frequentemente quanto eles são exigidos”.

Famílias se endividam

O Estado de S. Paulo

Mais famílias buscam o crédito para aumentar seu consumo, mas o número de devedores em atraso também cresce

O aumento do endividamento das famílias, que em agosto alcançou o recorde de 79% dos lares, mostraria, em condições normais, maior disposição dos consumidores de assumir compromissos financeiros para antecipar compras e, assim, estimular a atividade econômica. Esse dado, constatado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), também sinalizaria confiança das pessoas em sua situação financeira. Neste momento, porém, o alto endividamento pode indicar também maior fragilidade das finanças domésticas.

O aumento da proporção de famílias endividadas é expressivo. Em um ano, cresceu 6,1 pontos porcentuais. É provável que boa parte das famílias que assumiram dívidas esteja em uma ou em ambas as situações mencionadas, pois são vários os sinais de melhora do ambiente econômico. A atividade se intensifica, a inflação começa a ceder depois de ter superado os dois dígitos e, apesar dos 10 milhões de pessoas sem ocupação, o desemprego está diminuindo. O crédito, de sua parte, impulsiona o consumo e, assim, estimula o crescimento. Seu crescimento é um dos fatores do aquecimento da economia.

O quadro econômico, no entanto, continua incerto, e o aumento da proporção de famílias endividadas é um dos fatores que alimentam as incertezas. A renda real, por exemplo, não cresce na mesma velocidade que o endividamento. Ao contrário, as estatísticas do IBGE mostram perda do rendimento real médio no período de 12 meses. Em determinado momento, a capacidade de endividamento das pessoas pode se esgotar. Políticas sociais como o Auxílio Brasil, com o pagamento de R$ 600 até o fim do ano, também aliviam os orçamentos das famílias de menor renda, mas o valor atual está assegurado somente até 31 de dezembro.

Não por acaso, analistas veem limite para a manutenção do processo de expansão das dívidas domésticas. “Chega uma hora que se esgota”, disse ao Estadão a economista da CNC Ízis Janote Ferreira. Na sua avaliação, o aumento do endividamento foi uma das formas que as famílias encontraram para manter as despesas correntes. A redução de 7,3 para 6,8 meses no prazo médio dos financiamentos é uma indicação disso. 

Mas, ao mesmo tempo que sua capacidade de tomar empréstimos se esgota, uma parcela expressiva das famílias continua a enfrentar fortes pressões sobre seus gastos, em razão da persistência da alta dos preços de itens de grande peso em seus orçamentos, a começar pelos alimentos.

O aumento constante da inadimplência praticamente desde o início deste ano é o principal sinal de que boa parte dos tomadores de crédito enfrenta dificuldades crescentes para honrar seus compromissos financeiros. Em agosto, 29,6% das famílias tinham dívidas ou contas em atraso; um ano antes, eram 25,6%.

O aumento dos juros tende a criar mais dificuldades para as famílias. Os juros básicos, que estavam em 2,0% ao ano no início de 2021, agora alcançam 13,75%, e ainda podem subir, como observou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. “A batalha da inflação não está ganha”, justificou.

É hora de debater a qualidade no uso dos recursos públicos

Valor Econômico

Emendas do relator reduz transparência e eficiência dos gastos da União

Em 2018, quando disputou a Presidência da República pela primeira vez, o então deputado Jair Bolsonaro apresentou à nação o lema “Mais Brasil, menos Brasília”. Sua tese era que os ministérios deveriam se transformar em coordenadores dos esforços de governadores e prefeitos em relação às ações de suas respectivas áreas, tendo sempre em vista metas claras e se afastando de líderes partidários.

As legendas políticas, à época demonizadas por Bolsonaro e seus aliados, deveria ficar à margem dessas tratativas. E o envolvimento dos congressistas teria que se dar apenas por meio de frentes parlamentares temáticas, as quais, também em teoria, precisariam se alinhar aos planos do Executivo. Quatro anos depois, porém, está claro que a estratégia não funcionou como o esperado.

Eleito presidente, Bolsonaro precisou ceder às lideranças do chamado Centrão quando começou a correr risco de enfrentar um processo de impeachment. Estas, por sua vez, aproveitaram a oportunidade para reverter uma situação que sempre as incomodou: a necessidade de ir de porta em porta na Esplanada dos Ministérios na busca por recursos para suas bases eleitorais.

O resultado é conhecido. E ele fica claro ao se analisar a proposta de Orçamento para 2023, enviada no fim do mês passado pelo governo ao Congresso Nacional: é crescente o volume de recursos reservados para as emendas de relator, as quais se tornaram um instrumento central nas negociações entre os dois Poderes e também ficaram conhecidas pelo apelido nada lisonjeiro de “orçamento secreto” devido à falta de transparência com a qual tratam o dinheiro público.

Para 2023, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) estima nada menos que R$ 38,8 bilhões em emendas parlamentares, sendo R$ 19,4 bilhões de relator, R$ 7,7 bilhões de bancada e R$ 11,7 bilhões individuais. Uma alta em relação à peça deste ano, a qual prevê emendas totais em R$ 35,7 bilhões e as de relator em R$ 16,5 bilhões.

São recursos que recebem tratamento privilegiado do Executivo, como demonstrou o Valor na última semana. A poucos dias do primeiro turno, o governo desbloqueou R$ 5,6 bilhões para serem distribuídos por meio desse tipo de emenda. E pagou cerca de R$ 1,7 bilhão em um curtíssimo período de tempo.

Ocorre que essas verbas acabam sendo destinadas para as pastas e localidades de preferência dos deputados e senadores. Como consequência, reduz-se a capacidade do Estado de utilizar com maior eficiência o dinheiro público. As emendas parlamentares acabam sendo fundamentais para a elevação do nível de investimentos públicos federais.

Segundo uma nota técnica elaborada pelas consultorias da Câmara dos Deputados e do Senado, estes desembolsos podem alcançar em 2023 o menor nível dos últimos 14 anos. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) prevê R$ 22,4 bilhões, um valor 50,4% menor do que o autorizado neste ano.

Tal piso histórico para investimentos foi constatado a partir da série da Secretaria do Tesouro Nacional de 2008 a 2021, atualizada pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) pelo Valor Data. O dado para 2022, utilizado na nota técnica, é R$ 45,2 bilhões. Ele corresponde ao valor autorizado para o ano todo, mas, de acordo com dados do Tesouro, de janeiro a julho de 2022 os investimentos federais somaram R$ 23,9 bilhões.

As emendas de relator podem acabar sendo fundamentais para melhorar esses números. Ainda assim, autoridades do governo ponderam que a ideia sempre foi reduzir a presença do Estado na economia e abrir caminho para investimentos privados.

Segundo o Valor apurou, nas contas de integrantes da equipe econômica os investimentos em infraestrutura em projetos federais já assinados ou leiloados desde 2019 alcançarão aproximadamente R$ 925 bilhões nos próximos dez anos. É um volume de recursos considerável. No entanto, isso não afasta a necessidade de se discutir formas de elevar a eficiência na utilização dos recursos do Orçamento Geral da União.

Como se vê, o debate sobre o tema foi pouco aprofundado durante a campanha eleitoral de 2018 e o resultado disso, além de bastante questionável, deve ter consequências a longo prazo. É desejável que os candidatos a presidente declarem mais do que frases de efeito acerca do "orçamento secreto". Eles precisam detalhar quais são as suas propostas efetivas para dar mais transparência às emendas de relator e elevar a qualidade dos desembolsos do governo federal.

 

Um comentário:

  1. Este é o DESgoverno Bolsonaro! Prometeu a Nova Política, se entregou pro Velho Centrão e virou Tchutchuca... Agora, corta verbas da Educação, Saúde e merenda escolar pra pagar o aluguel do Centrão através do corrupto orçamento secreto! Este miliciano mentiroso quer mais 4 anos pra nos ferrar ainda mais! Fora genocida!

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