sábado, 24 de setembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Lula ainda deve ao eleitor um plano econômico coerente

O Globo

Ele acena ao mercado financeiro e distribui agrados aos petistas fanáticos. Se vencer, ninguém sabe como governará

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT à Presidência, ainda deve ao país um plano econômico que faça sentido e justifique sua larga vantagem nas pesquisas de intenção de voto. Ao mesmo tempo que faz acenos ao centro e envia emissários ao mercado financeiro e ao setor produtivo, Lula continua a discursar como se falasse apenas a um grupo de petistas fanáticos. Que Lula governará? Aquele que escolheu Geraldo Alckmin como vice-presidente e posou para foto ao lado de Henrique Meirelles? Ou o que volta e meia torpedeia as reformas e privatizações? A oito dias da eleição, ninguém sabe.

As contradições dele na economia ficaram evidentes na última semana. No evento em que recebeu apoio de Meirelles, aplaudido pelo mercado, Lula soltou o seguinte absurdo sobre as agências reguladoras: “Na verdade, as agências foram criadas para que o empresariado tomasse conta do governo. Porque a indicação passa pelo Senado, e todo mundo sabe como é difícil uma indicação passar no Senado, se não tiver interesses que não são os nossos”. Num país que precisa da independência técnica das agências para regular mercados em benefício de todos, esse tipo de visão é um total contrassenso.

Dois dias depois, em entrevista ao Canal Rural, questionado sobre o que pensava da reforma administrativa — essencial e urgente para aumentar a eficiência dos serviços prestados pelo Estado à população —, respondeu que “essas coisas não me preocupam”. Em seguida engatou num raciocínio tortuoso, argumentando que gasto é investimento e desvirtuou a conversa. Para não desagradar sua base no funcionalismo, negou-se a debater o tema de forma honesta. Na mesma entrevista, voltou a defender o investimento em refinarias de petróleo, uma das decisões mais desastradas dos governos petistas, que resultou em obras-fantasmas e numa roubalheira bilionária.

Em encontro com associações de aposentados e idosos, prometeu recriar o Ministério da Previdência. Em comícios recentes, já garantira pastas para mulheres, pesca, cultura e igualdade racial. É pura ilusão a ideia de que problemas são resolvidos com a indicação de um ministro para tratar do assunto. Novos ministérios significam em geral apenas mais gastos e mais burocracia, portanto mais cargos e mais dinheiro para os apaniguados.

Na área econômica, a crença renitente no Estado como motor do desenvolvimento se traduz noutra quimera. Lula defendeu o crescimento baseado na concessão de crédito por bancos públicos. Citou nominalmente BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, focos históricos de patrimonialismo e corrupção. Se fosse fácil, o Brasil já seria um país rico há décadas.

Na entrevista que concedeu ao apresentador Ratinho, do SBT, Lula voltou a aventar a inadmissível regulação dos meios de comunicação “de acordo com os interesses da sociedade”. É o conhecido eufemismo para o controle da imprensa que volta e meia surge nos devaneios petistas.

Lula pode muito bem proferir todas essas barbaridades na campanha e, se vitorioso, voltar a governar com o bom senso que demonstrou na primeira metade de seu primeiro mandato. Mas nada garante. A uma semana da eleição, os eleitores ainda aguardam dele um compromisso explícito com os pilares da sensatez econômica e uma avaliação honesta dos erros que as gestões petistas cometeram nesse campo.

Não faz sentido proposta de fixar metas para reservas internacionais

O Globo

Principal função delas continua a ser proteger o Brasil da volatilidade provocada pelas crises cambiais

Acumuladas nos anos 2000, quando o país obteve superávits comerciais como resultado do ciclo mundial de alta das commodities, as reservas internacionais — hoje acima de US$ 330 bilhões — estimulam a imaginação de economistas e políticos. Toda sorte de criatividade costuma ser empregada para usá-las com objetivos além do papel estratégico de seguro contra as crises cambiais. O mais recente produto dessa capacidade imaginativa veio da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. Consiste na ideia inusitada de, com a finalidade de reduzir a volatilidade do câmbio, estabelecer metas para as reservas, como se fossem um indicador semelhante a inflação ou desemprego.

O balão de ensaio lançado prevê estabelecer um nível de reservas que o governo considere adequado e fixar parâmetros, ou metas, para aumentá-las ou reduzi-las. Toda vez que as reservas subissem além do nível preestabelecido, seria sinal de que o real estaria desvalorizado em excesso. Aí o Banco Central (BC) precisaria agir para valorizar a moeda, com a venda de dólares ou outros ativos aceitos no mercado financeiro global. Caso elas caíssem abaixo de certo limite, o BC agiria de maneira oposta, comprando dólares. Nada muito diferente do que o BC já faz por meio de contratos de compra ou venda de divisas (swaps).

Não parece necessário transformar as reservas em mais um barômetro do câmbio. O principal motivo é que a volatilidade da moeda, por natureza, tende a sofrer mais influência da conjuntura externa que das políticas do governo. É verdade que no Brasil os fatos desafiam essa realidade, pois a oscilação excessiva da taxa de câmbio nos últimos tempos foi reflexo de medidas desastrosas do ponto de vista fiscal e de desvarios do presidente Jair Bolsonaro — caso da intervenção nos preços dos combustíveis e das emendas à Constituição que atropelaram o teto de gastos para autorizar despesas eleitoreiras.

Diante desse tipo de desatino, é inevitável que o dólar suba, pois mais investidores querem distância de um país em que regras podem mudar a qualquer momento, a depender do humor do presidente. Em condições normais, contudo, o que determina a cotação da moeda é a competitividade da economia, refletida no balanço entre exportações e importações, e a conjuntura externa — por definição, imprevisível.

Por isso, o volume ideal de reservas no caso do Brasil é o maior possível. Somos um país com histórico de calotes na dívida externa, um dos primeiros de onde os investidores querem fugir à menor ameaça de crise mundial. Basta olhar o que acontece na economia argentina para entender que, neste momento, ainda são necessárias reservas elevadas para conter a fuga de divisas, mesmo que elas tenham um custo (a diferença entre os juros que rendem aplicadas lá fora, em geral em títulos do Tesouro americano, e o que captariam aqui emprestadas à taxa de juros básica brasileira, sempre mais alta). É o preço a pagar por erros cometidos no passado. Pior seria tornar o Brasil mais vulnerável a crises cambiais.

As armas de Fachin

Folha de S. Paulo

STF limita decretos que violam lei e podem agravar casos de violência na eleição

Com uma decisão provisória e tardia, o Supremo Tribunal Federal enfim suspendeu a eficácia de trechos de três decretos editados pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) que flexibilizavam as regras para compra de armas e munições no país.

Provisória porque se trata de medida cautelar, não de posição definitiva da corte; os trechos foram suspensos, mas ainda não revogados —o que pode vir a acontecer ao final do julgamento.

E tardia porque duas das ações tramitam desde o primeiro semestre de 2019, enquanto a terceira data de meados de 2020. Se só agora o STF conseguiu deliberar sobre o tema, foi porque dois ministros abusaram da prerrogativa de solicitar mais tempo para analisar o caso.

Quem primeiro segurou as ações em sua mesa foi Alexandre de Moraes, que as reteve por cerca de cinco meses antes de devolvê-las aos colegas em setembro de 2021. Ato contínuo, Kassio Nunes Marques, indicado ao posto por Bolsonaro, pediu vista dos autos e com eles teria ficado sabe-se lá até quando se não fosse a intervenção recente do ministro Edson Fachin.

Relator dos processos, Fachin usou a arma a seu alcance: concedeu decisão monocrática, antecipando seu juízo e contornando o obstáculo criado pelo colega.

"Conquanto seja recomendável aguardar as contribuições, sempre cuidadosas, decorrentes dos pedidos de vista, passado mais de um ano e à luz dos recentes e lamentáveis episódios de violência política, cumpre conceder a cautelar", escreveu Fachin em 5 de setembro.

Para não carregar sozinho o peso dessa decisão, o relator a dividiu com o plenário do Supremo, e na terça-feira (20) esgotou-se o prazo para os votos dos demais ministros. Por 9 a 2, prevaleceu o entendimento de Fachin.

Bons argumentos não faltam. De mais imediato, resta evidente o risco de que a campanha eleitoral deste ano seja manchada por episódios de intolerância e truculência.

Dois petistas já foram mortos por apoiadores do presidente; nesta semana, um pesquisador do Datafolha foi covardemente agredido com chutes e socos por um bolsonarista, e já passam de dez os casos de hostilidade contra o instituto.

Quanto ao debate de fundo, é evidente que as medidas editadas por Bolsonaro violam o Estatuto do Desarmamento; e este, uma lei aprovada pelo Congresso, não pode ser contrariado por decretos presidenciais, instrumentos inferiores na hierarquia normativa.

Passou da hora de o STF dar um basta definitivo nessa falsa polêmica. Favorecer o acesso a armas pode ser uma escolha legítima de política pública —a despeito da discordância frontal desta Folha quanto a seu mérito. Atropelar uma legislação em vigor decerto não é.

Convulsão iraniana

Folha de S. Paulo

Protestos contra opressão a mulheres abalam a teocracia islâmica, já em crise

Em 13 de setembro, uma mulher de 22 anos foi detida na entrada de uma estação de metrô de Teerã, capital do Irã, enquanto visitava a cidade com a família, oriunda de uma província curda ao sul do país.

Mahsa Amini foi acusada pela polícia moral do regime teocrático de vestir "trajes inadequados", numa violação do severo código de vestimenta imposto às mulheres da nação persa, que incluem a exigência do uso do hijab, um lenço que cobre a cabeça.

Levada pelos agentes para ser "convencida e educada", Amini saiu da prisão para o hospital, onde morreu três dias depois.

Embora as autoridades aleguem que ela sofreu um ataque cardíaco, são fortes os indícios de abusos e maus-tratos —um vídeo que circulou amplamente nas redes sociais mostra a jovem inconsciente e entubada numa cama de hospital, com hematomas nos olhos e sangue escorrendo das orelhas.

Foi o estopim de protestos de rua que já duram quase uma semana, na maior e mais ousada manifestação recente de repúdio às restrições impostas às mulheres no país. Iniciados na província de origem de Amini, onde ela foi enterrada, eles se espalharam por dezenas de cidades, incluindo a capital.

Iranianas passaram a protestar queimando seus véus e cortando os cabelos, num desafio explícito às autoridades, enquanto multidões gritavam "morte ao ditador".

Em vigor no Irã desde 1981, a imposição do hijab há muito tem sido questionada no país. Pudera: a norma não só tira das mulheres a liberdade de escolha sobre sua aparência em público como as submete à violência e ao assédio das forças de repressão moral.

Diante da fúria feminina, as autoridades responderam com mais repressão e violência. Centenas de pessoas já foram presas, e ONGs de direitos humanos falam em mais de 30 mortos, enquanto as fontes oficiais apontam 17 vítimas até o momento. Num expediente típico de ditaduras, o governo bloqueou o acesso às redes sociais.

Enfrentando uma grave crise econômica, exacerbada por sanções internacionais, o Irã vem buscando reviver o acordo nuclear com as potências ocidentais, mas as tentativas vêm falhando sistematicamente. Ademais, o líder supremo, aiatolá Khamenei, de 83 anos, encontra-se gravemente doente.

A convulsão social mostra que, para parte expressiva do país, também doentes estão a teocracia islâmica e seus ditames opressores.

A democracia não depende de Lula

O Estado de S. Paulo

É legítimo advogar pelo voto útil, mas desqualificar intenção de voto que não seja em Lula é pouco democrático. Democracia é feita com liberdade de escolha, e não com oportunismos

É cada vez mais evidente o clima de constrangimento a quem não adere ao lulismo no primeiro turno. Em vários setores da sociedade, há uma desqualificação de toda intenção de voto que não seja no candidato do PT, tratando-a não apenas como apoio à reeleição de Jair Bolsonaro, mas como uma explícita atitude antidemocrática. Perante essa pressão rigorosamente inconstitucional, é preciso lembrar alguns pontos básicos sobre liberdade política e regime democrático.

É plenamente legítimo advogar pelo chamado “voto útil” desde o primeiro turno. Faz parte da liberdade política a ponderação, a partir das informações trazidas pelas pesquisas de intenção de voto, entre os riscos e as oportunidades de cada escolha política. No entanto, não é legítimo – atenta contra a liberdade política – desqualificar o voto em candidatos mal posicionados nas pesquisas de opinião em razão de eventuais efeitos sobre a realização ou não de um segundo turno.

Diante de algumas manifestações mais recentes sobre um pretenso imperativo cívico de votar em Lula da Silva no primeiro turno, parece que o suprassumo da democracia seria a abdicação de todas as candidaturas à Presidência da República em favor do candidato petista. Ora, o regime democrático brasileiro é pluripartidário. Não há como qualificar de antidemocrático que um partido – ou um grupo deles – queira apresentar ao eleitorado uma proposta política específica, por mais minoritária que possa ser. 

Além de ser pluripartidário, o regime democrático brasileiro prevê, nas eleições para presidente da República, governador e prefeito, a possibilidade de dois turnos, precisamente para assegurar a maior amplitude possível de liberdade política: que cada eleitor tenha a oportunidade, ao menos num primeiro momento, de escolher a candidatura que mais corresponde a seus anseios e suas preferências. De novo, não há nenhum problema que o eleitor, se assim o desejar, antecipe suas escolhas finais para o primeiro turno. O que não faz sentido é impor essa antecipação como uma obrigação moral.

Certamente, faz parte da liberdade política a avaliação sobre o presidente Jair Bolsonaro e seus devaneios autoritários. E muitos, no exercício dessa liberdade, podem concluir que, diante das ameaças e bravatas bolsonaristas, é mais seguro para o País que a eleição para presidente da República seja concluída num só turno. Mas há também muitos outros argumentos legítimos para defender a realização de dois turnos. Por exemplo, se a grande questão no momento é a defesa da democracia, pode-se entender que a melhor resposta é sempre mais democracia, mais liberdade política, mais envolvimento da sociedade, e não menos.

Aos que alegam a imensa excepcionalidade dos tempos atuais para defender o voto em Lula no primeiro turno, pois não seria prudente dar a Bolsonaro nenhuma chance de vitória, cabe fazer duas perguntas. Primeira: o PT defenderia o voto em algum candidato de outro partido que estivesse mais bem posicionado nas pesquisas? A julgar pelo histórico do partido, que jamais apoiou nada que não fosse petista, a resposta é não. Segunda: por que o PT, tão preocupado com as ameaças bolsonaristas à democracia, não trabalhou pelo impeachment de Bolsonaro? Ocasiões, motivos e clamor popular não faltaram. No entanto, Lula e o PT acharam que era preferível vencer Bolsonaro nas urnas. Ou seja, julgaram que manter Bolsonaro na Presidência poderia ser útil para alimentar a polarização que os petistas sabem explorar como ninguém.

Mais do que defesa da democracia, essa campanha de voto útil no primeiro turno é utilíssima aos interesses de Lula. É um modo de pedir voto – às vezes, de impor – sem dizer qual será o seu efetivo programa de governo, sem enfrentar temas difíceis como corrupção e aparelhamento partidário, sem se comprometer a não repetir os erros das gestões petistas passadas. Essa tática é ainda mais perversa quando tenta demonizar outros candidatos que estão fazendo precisamente o que é mais próprio de uma campanha eleitoral em um regime democrático: apresentar suas propostas para tentar convencer o eleitorado.

O risco externo e a limitação interna

O Estado de S. Paulo

Dois alertas soam ao mesmo tempo, apontando para o risco da inflação e dos juros internacionais e chamando a atenção para o desafio interno de uma economia próxima do limite de expansão

Não basta crescer, é preciso criar condições para sustentar um crescimento seguro, sem desarranjar as contas do Tesouro, sem desajustar as contas externas e sem jogar combustível na inflação. Alertas voltam a soar, quando boas notícias sobre a economia mostram o País bem próximo, segundo analistas do setor financeiro, do limite de sua capacidade produtiva. Os cálculos podem variar, neste momento, mas dois pontos são geralmente aceitos. Primeiro, o potencial de crescimento é muito baixo. Projeções de médio prazo dificilmente apontam expansão anual superior a 2%. Além disso, até esse número já é qualificado como excessivo por alguns economistas. Segundo, o escasso potencial é atribuído ao baixo investimento produtivo, inferior a 20% do Produto Interno Bruto (PIB) na maior parte deste século. Em países mais dinâmicos essa relação frequentemente supera 25%.

O temor de uma economia próxima de seu limite foi reforçado, nos últimos dias, por uma boa notícia: a atividade cresceu 1,17% em julho, segundo indicador do Banco Central (BC), e nos primeiros sete meses a produção foi 2,52% maior que a de um ano antes. Essa informação positiva contrabalançou, em parte, os temores associados a um quadro internacional preocupante, com inflação elevada no mundo rico, juros em alta nos Estados Unidos e na Europa, risco de recessão em grandes economias capitalistas e forte desaceleração na China.

Cenário sombrio no exterior e recuperação no Brasil apareceram, na mesma semana, como fatores de inquietação para investidores e analistas econômicos do mercado brasileiro. É preciso evitar ou pelo menos atenuar, tanto quanto possível, os danos provenientes de uma nova deterioração do quadro internacional. Mas é necessário pensar, ao mesmo tempo, nos desafios impostos por uma economia interna operando perto de seu limite e ainda afetada por desarranjos de preços de itens essenciais, como os alimentos.

De onde vêm, afinal, as ameaças? Do quadro externo de insegurança e dos juros elevados para conter a inflação ou do vigor agora observado na atividade interna? De todos esses fatores? Internamente, os brasileiros só encontram apoio, por enquanto, na disposição dos dirigentes do BC de enfrentar a inflação, de calibrar suas ações levando em conta as limitações externas e de, eventualmente, corrigir algum exagero do mercado de câmbio.

O Executivo continua concentrado nos interesses pessoais e eleitorais do presidente Jair Bolsonaro, como sempre esteve desde 2019. Do ministro da Economia pouco se pode esperar, realisticamente, além da obediência às determinações presidenciais, precedida, talvez, de alguma breve encenação de desagrado. Depois da eleição, poderá surgir alguma novidade, na cúpula federal, mas quase toda previsão sobre isso, neste momento, é muito insegura.

É mais fácil esboçar o provável quadro de janeiro, início do novo mandato presidencial. Em 2022 o crescimento econômico ficará, segundo as projeções mais otimistas, na faixa de 2,5% a 3%. O presidente eleito encontrará uma economia pouco dinâmica, apesar do entusiasmo agora exibido por investidores e analistas. Além disso, terá de trabalhar com um Orçamento muito ruim, elaborado para agradar ao Centrão e para favorecer a imagem presidencial.

Ao desarranjo orçamentário deverá somar-se um quadro fiscal desfavorável e complicado por juros ainda altos. Além disso, o eleito será provavelmente pressionado para restabelecer o crescimento duradouro. Isso dependerá de estratégias de modernização e de fortalecimento da indústria, ignoradas no atual mandato, e de uma dinamização geral da economia. Será preciso mobilizar capitais para infraestrutura, favorecer a ampliação do parque de máquinas e equipamentos empresariais e cuidar, renegando a orientação dominante a partir de 2019, da educação e da saúde, isto é, da formação de capital humano. Ao mesmo tempo, será indispensável trabalhar, sem truques, pela estabilidade de preços. Tudo isso envolverá a completa negação das políticas seguidas nestes quatro anos.

Superávit enganoso

O Estado de S. Paulo

Receita extraordinária garantirá resultado positivo em 2022; para 2023, a projeção é de novo déficit primário

Em 2022, pela primeira vez nos últimos nove anos, as contas do governo federal fecharão o exercício fiscal com superávit primário (isto é, sem considerar o custo da dívida pública). A projeção, contida no relatório de avaliação das despesas e receitas primárias no quarto trimestre apresentado pela Secretaria Especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, é surpreendente. No relatório anterior, a previsão era de déficit primário de R$ 59,3 bilhões; no mais recente, projeta-se superávit de R$ 13,6 bilhões.

Isso significa uma melhora de R$ 72,9 bilhões (cobre-se o déficit e ainda se obtém um superávit). O governo explica a mudança no resultado primário com uma inopinada evolução das receitas. Entre os relatórios do terceiro e do quarto trimestre, a previsão de receitas líquidas (já excluídas as transferências para Estados e municípios) aumentou R$ 69,9 bilhões. Já as projeções para as despesas tiveram redução de R$ 2,95 bilhões.

Trata-se, de fato, caso o resultado se confirme, de uma multiplicação inesperada de receitas. Mas é uma melhora que, por sua natureza, deixa dúvidas. O aquecimento da atividade econômica nos últimos meses já havia sido considerado nas projeções da arrecadação federal ao longo deste ano. O aumento expressivo entre as estimativas para o terceiro e para o quarto trimestres, por isso, se deve basicamente a receitas especiais, que não decorrem do ritmo da economia, mas de fatores específicos que não se repetirão em outros exercícios fiscais.

O governo conta, por exemplo, com a devolução de R$ 69 bilhões dos recursos que forneceu ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para fortalecer sua capacidade de operação. O empréstimo do Tesouro ao banco seria amortizado em longo prazo, mas, por meio de acerto com a instituição e determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), está sendo quitado antecipadamente.

O superávit primário a ser alcançado em 2022 poderá até ser maior, admite o secretário especial do Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago, pois ainda há “um dever fiscal a ser feito”. No entanto, qualquer que seja o resultado, embora positivo, está longe de representar pelo menos o início do necessário ajuste estrutural das finanças do governo federal. O resultado primário positivo de 2022 será obtido por meio de receitas que não se repetirão no próximo exercício. O próprio governo reconheceu problemas nas contas em 2023 quando elaborou o projeto do Orçamento do ano que vem com rombo de R$ 65,9 bilhões.

Mesmo o resultado primário de 2022 não será suficiente para encobrir severas dificuldades na gestão fiscal. A lei do teto do gasto público imporá novo bloqueio de R$ 2,6 bilhões, que se somam aos R$ 7,9 bilhões já bloqueados. Sejam quais forem os gastos a serem cortados desta vez, é certo que R$ 5,6 bilhões de emendas parlamentares, incluindo R$ 3,5 bilhões do orçamento secreto, serão preservados. Isso mostra como o governo estabelece prioridades na gestão do dinheiro do contribuinte.

Um comentário:

  1. Eu sou favorável ao voto útil,mas cada um faz o quer com o seu direito de votar.

    ResponderExcluir