Editoriais / Opiniões
Lula ainda deve ao eleitor um plano
econômico coerente
O Globo
Ele acena ao mercado financeiro e distribui
agrados aos petistas fanáticos. Se vencer, ninguém sabe como governará
O ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, candidato do PT à Presidência, ainda deve ao país um
plano econômico que faça sentido e justifique sua larga vantagem nas pesquisas
de intenção de voto. Ao mesmo tempo que faz acenos ao centro e envia emissários
ao mercado financeiro e ao setor produtivo, Lula continua a discursar como se
falasse apenas a um grupo de petistas fanáticos. Que Lula governará? Aquele que
escolheu Geraldo
Alckmin como vice-presidente e posou para foto ao lado de
Henrique Meirelles? Ou o que volta e meia torpedeia as reformas e
privatizações? A oito dias da eleição, ninguém sabe.
As contradições dele na economia ficaram evidentes na última semana. No evento em que recebeu apoio de Meirelles, aplaudido pelo mercado, Lula soltou o seguinte absurdo sobre as agências reguladoras: “Na verdade, as agências foram criadas para que o empresariado tomasse conta do governo. Porque a indicação passa pelo Senado, e todo mundo sabe como é difícil uma indicação passar no Senado, se não tiver interesses que não são os nossos”. Num país que precisa da independência técnica das agências para regular mercados em benefício de todos, esse tipo de visão é um total contrassenso.
Dois dias depois, em entrevista ao Canal
Rural, questionado sobre o que pensava da reforma administrativa — essencial e
urgente para aumentar a eficiência dos serviços prestados pelo Estado à
população —, respondeu que “essas coisas não me preocupam”. Em seguida engatou
num raciocínio tortuoso, argumentando que gasto é investimento e desvirtuou a
conversa. Para não desagradar sua base no funcionalismo, negou-se a debater o
tema de forma honesta. Na mesma entrevista, voltou a defender o investimento em
refinarias de petróleo, uma das decisões mais desastradas dos governos
petistas, que resultou em obras-fantasmas e numa roubalheira bilionária.
Em encontro com associações de aposentados
e idosos, prometeu recriar o Ministério da Previdência. Em comícios recentes,
já garantira pastas para mulheres, pesca, cultura e igualdade racial. É pura
ilusão a ideia de que problemas são resolvidos com a indicação de um ministro
para tratar do assunto. Novos ministérios significam em geral apenas mais
gastos e mais burocracia, portanto mais cargos e mais dinheiro para os
apaniguados.
Na área econômica, a crença renitente no
Estado como motor do desenvolvimento se traduz noutra quimera. Lula defendeu o
crescimento baseado na concessão de crédito por bancos públicos. Citou
nominalmente BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, focos históricos
de patrimonialismo e corrupção. Se fosse fácil, o Brasil já seria um país rico
há décadas.
Na entrevista que concedeu ao apresentador
Ratinho, do SBT, Lula voltou a aventar a inadmissível regulação dos meios de
comunicação “de acordo com os interesses da sociedade”. É o conhecido eufemismo
para o controle da imprensa que volta e meia surge nos devaneios petistas.
Lula pode muito bem proferir todas essas
barbaridades na campanha e, se vitorioso, voltar a governar com o bom senso que
demonstrou na primeira metade de seu primeiro mandato. Mas nada garante. A uma
semana da eleição, os eleitores ainda aguardam dele um compromisso explícito
com os pilares da sensatez econômica e uma avaliação honesta dos erros que as
gestões petistas cometeram nesse campo.
Não faz sentido proposta de fixar metas
para reservas internacionais
O Globo
Principal função delas continua a ser
proteger o Brasil da volatilidade provocada pelas crises cambiais
Acumuladas nos anos 2000, quando o país
obteve superávits comerciais como resultado do ciclo mundial de alta das
commodities, as reservas internacionais — hoje acima de US$ 330 bilhões —
estimulam a imaginação de economistas e políticos. Toda sorte de criatividade
costuma ser empregada para usá-las com objetivos além do papel estratégico de
seguro contra as crises cambiais. O mais recente produto dessa capacidade
imaginativa veio da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. Consiste na
ideia inusitada de, com a finalidade de reduzir a volatilidade do câmbio, estabelecer
metas para as reservas, como se fossem um indicador semelhante
a inflação ou desemprego.
O balão de ensaio lançado prevê estabelecer
um nível de reservas que o governo considere adequado e fixar parâmetros, ou
metas, para aumentá-las ou reduzi-las. Toda vez que as reservas subissem além
do nível preestabelecido, seria sinal de que o real estaria desvalorizado em
excesso. Aí o Banco Central (BC) precisaria agir para valorizar a moeda, com a
venda de dólares ou outros ativos aceitos no mercado financeiro global. Caso
elas caíssem abaixo de certo limite, o BC agiria de maneira oposta, comprando
dólares. Nada muito diferente do que o BC já faz por meio de contratos de
compra ou venda de divisas (swaps).
Não parece necessário transformar as
reservas em mais um barômetro do câmbio. O principal motivo é que a
volatilidade da moeda, por natureza, tende a sofrer mais influência da
conjuntura externa que das políticas do governo. É verdade que no Brasil os
fatos desafiam essa realidade, pois a oscilação excessiva da taxa de câmbio nos
últimos tempos foi reflexo de medidas desastrosas do ponto de vista fiscal e de
desvarios do presidente Jair
Bolsonaro — caso da intervenção nos preços dos combustíveis e
das emendas à Constituição que atropelaram o teto de gastos para autorizar
despesas eleitoreiras.
Diante desse tipo de desatino, é inevitável
que o dólar suba, pois mais investidores querem distância de um país em que
regras podem mudar a qualquer momento, a depender do humor do presidente. Em
condições normais, contudo, o que determina a cotação da moeda é a
competitividade da economia, refletida no balanço entre exportações e
importações, e a conjuntura externa — por definição, imprevisível.
Por isso, o volume ideal de reservas no caso do Brasil é o maior possível. Somos um país com histórico de calotes na dívida externa, um dos primeiros de onde os investidores querem fugir à menor ameaça de crise mundial. Basta olhar o que acontece na economia argentina para entender que, neste momento, ainda são necessárias reservas elevadas para conter a fuga de divisas, mesmo que elas tenham um custo (a diferença entre os juros que rendem aplicadas lá fora, em geral em títulos do Tesouro americano, e o que captariam aqui emprestadas à taxa de juros básica brasileira, sempre mais alta). É o preço a pagar por erros cometidos no passado. Pior seria tornar o Brasil mais vulnerável a crises cambiais.
As armas de Fachin
Folha de S. Paulo
STF limita decretos que violam lei e podem
agravar casos de violência na eleição
Com uma decisão provisória e tardia, o
Supremo Tribunal Federal enfim suspendeu a eficácia de trechos de três decretos
editados pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) que flexibilizavam as regras para
compra de armas e munições no país.
Provisória porque se trata de medida
cautelar, não de posição definitiva da corte; os trechos foram suspensos, mas
ainda não revogados —o que pode vir a acontecer ao final do julgamento.
E tardia porque duas das ações tramitam
desde o primeiro semestre de 2019, enquanto a terceira data de meados de 2020.
Se só agora o STF conseguiu deliberar sobre o tema, foi porque dois ministros
abusaram da prerrogativa de solicitar mais tempo para analisar o caso.
Quem primeiro segurou as ações em sua mesa
foi Alexandre de Moraes, que as reteve por cerca de cinco meses antes de
devolvê-las aos colegas em setembro de 2021. Ato contínuo, Kassio Nunes
Marques, indicado ao posto por Bolsonaro, pediu vista dos autos e com eles
teria ficado sabe-se lá até quando se não fosse a intervenção recente do
ministro Edson Fachin.
Relator dos processos, Fachin usou a arma a
seu alcance: concedeu
decisão monocrática, antecipando seu juízo e contornando o obstáculo
criado pelo colega.
"Conquanto seja recomendável aguardar
as contribuições, sempre cuidadosas, decorrentes dos pedidos de vista, passado
mais de um ano e à luz dos recentes e lamentáveis episódios de violência
política, cumpre conceder a cautelar", escreveu Fachin em 5 de setembro.
Para não carregar sozinho o peso dessa
decisão, o relator a dividiu com o plenário do Supremo, e na terça-feira (20)
esgotou-se o prazo para os votos dos demais ministros. Por 9 a 2, prevaleceu o
entendimento de Fachin.
Bons argumentos não faltam. De mais
imediato, resta evidente o risco de que
a campanha eleitoral deste ano seja manchada por episódios de intolerância e
truculência.
Dois petistas já foram mortos por
apoiadores do presidente; nesta semana, um pesquisador
do Datafolha foi covardemente agredido com chutes e socos por
um bolsonarista, e já passam de dez os casos de hostilidade contra o instituto.
Quanto ao debate de fundo, é evidente que
as medidas editadas por Bolsonaro violam o Estatuto do Desarmamento; e este,
uma lei aprovada pelo Congresso, não pode ser contrariado por decretos
presidenciais, instrumentos inferiores na hierarquia normativa.
Passou da hora de o STF dar um basta
definitivo nessa falsa polêmica. Favorecer o acesso a armas pode ser uma
escolha legítima de política pública —a despeito da discordância frontal desta Folha quanto
a seu mérito. Atropelar uma legislação em vigor decerto não é.
Convulsão iraniana
Folha de S. Paulo
Protestos contra opressão a mulheres abalam
a teocracia islâmica, já em crise
Em 13 de setembro, uma mulher de 22 anos
foi detida na entrada de uma estação de metrô de Teerã, capital do Irã,
enquanto visitava a cidade com a família, oriunda de uma província curda ao sul
do país.
Mahsa Amini foi acusada pela polícia moral
do regime teocrático de vestir "trajes inadequados", numa violação do
severo código de vestimenta imposto às mulheres da nação persa, que incluem a
exigência do uso do hijab, um lenço que cobre a cabeça.
Levada pelos agentes para ser
"convencida e educada", Amini saiu da prisão para o hospital,
onde morreu
três dias depois.
Embora as autoridades aleguem que ela
sofreu um ataque cardíaco, são fortes os indícios de abusos e maus-tratos —um
vídeo que circulou amplamente nas redes sociais mostra a jovem inconsciente e
entubada numa cama de hospital, com hematomas nos olhos e sangue escorrendo das
orelhas.
Foi o estopim de protestos
de rua que já duram quase uma semana, na maior e mais ousada manifestação
recente de repúdio às restrições impostas às mulheres no país. Iniciados na
província de origem de Amini, onde ela foi enterrada, eles se espalharam por
dezenas de cidades, incluindo a capital.
Iranianas passaram a protestar queimando
seus véus e cortando os cabelos, num desafio explícito às autoridades, enquanto
multidões gritavam "morte ao ditador".
Em vigor no Irã desde 1981, a imposição do
hijab há muito tem sido questionada no país. Pudera: a norma não só tira das
mulheres a liberdade de escolha sobre sua aparência em público como as submete
à violência e ao assédio das forças de repressão moral.
Diante da fúria feminina, as autoridades responderam
com mais repressão e violência. Centenas de pessoas já foram presas, e ONGs
de direitos humanos falam em mais de 30 mortos, enquanto as fontes oficiais
apontam 17 vítimas até o momento. Num expediente típico de ditaduras, o governo
bloqueou o acesso às redes sociais.
Enfrentando uma grave crise econômica,
exacerbada por sanções internacionais, o Irã vem buscando reviver o acordo
nuclear com as potências ocidentais, mas as tentativas vêm falhando
sistematicamente. Ademais, o líder supremo, aiatolá Khamenei, de 83 anos,
encontra-se gravemente doente.
A convulsão social mostra que, para parte
expressiva do país, também doentes estão a teocracia islâmica e seus ditames
opressores.
A democracia não depende de Lula
O Estado de S. Paulo
É legítimo advogar pelo voto útil, mas desqualificar intenção de voto que não seja em Lula é pouco democrático. Democracia é feita com liberdade de escolha, e não com oportunismos
É cada vez mais evidente o clima de
constrangimento a quem não adere ao lulismo no primeiro turno. Em vários
setores da sociedade, há uma desqualificação de toda intenção de voto que não
seja no candidato do PT, tratando-a não apenas como apoio à reeleição de Jair
Bolsonaro, mas como uma explícita atitude antidemocrática. Perante essa pressão
rigorosamente inconstitucional, é preciso lembrar alguns pontos básicos sobre
liberdade política e regime democrático.
É plenamente legítimo advogar pelo chamado
“voto útil” desde o primeiro turno. Faz parte da liberdade política a
ponderação, a partir das informações trazidas pelas pesquisas de intenção de
voto, entre os riscos e as oportunidades de cada escolha política. No entanto,
não é legítimo – atenta contra a liberdade política – desqualificar o voto em
candidatos mal posicionados nas pesquisas de opinião em razão de eventuais
efeitos sobre a realização ou não de um segundo turno.
Diante de algumas manifestações mais
recentes sobre um pretenso imperativo cívico de votar em Lula da Silva no
primeiro turno, parece que o suprassumo da democracia seria a abdicação de
todas as candidaturas à Presidência da República em favor do candidato petista.
Ora, o regime democrático brasileiro é pluripartidário. Não há como qualificar
de antidemocrático que um partido – ou um grupo deles – queira apresentar ao
eleitorado uma proposta política específica, por mais minoritária que possa
ser.
Além de ser pluripartidário, o regime
democrático brasileiro prevê, nas eleições para presidente da República,
governador e prefeito, a possibilidade de dois turnos, precisamente para
assegurar a maior amplitude possível de liberdade política: que cada eleitor
tenha a oportunidade, ao menos num primeiro momento, de escolher a candidatura
que mais corresponde a seus anseios e suas preferências. De novo, não há nenhum
problema que o eleitor, se assim o desejar, antecipe suas escolhas finais para
o primeiro turno. O que não faz sentido é impor essa antecipação como uma
obrigação moral.
Certamente, faz parte da liberdade política
a avaliação sobre o presidente Jair Bolsonaro e seus devaneios autoritários. E
muitos, no exercício dessa liberdade, podem concluir que, diante das ameaças e
bravatas bolsonaristas, é mais seguro para o País que a eleição para presidente
da República seja concluída num só turno. Mas há também muitos outros
argumentos legítimos para defender a realização de dois turnos. Por exemplo, se
a grande questão no momento é a defesa da democracia, pode-se entender que a
melhor resposta é sempre mais democracia, mais liberdade política, mais
envolvimento da sociedade, e não menos.
Aos que alegam a imensa excepcionalidade
dos tempos atuais para defender o voto em Lula no primeiro turno, pois não
seria prudente dar a Bolsonaro nenhuma chance de vitória, cabe fazer duas
perguntas. Primeira: o PT defenderia o voto em algum candidato de outro partido
que estivesse mais bem posicionado nas pesquisas? A julgar pelo histórico do
partido, que jamais apoiou nada que não fosse petista, a resposta é não.
Segunda: por que o PT, tão preocupado com as ameaças bolsonaristas à
democracia, não trabalhou pelo impeachment de Bolsonaro? Ocasiões, motivos e
clamor popular não faltaram. No entanto, Lula e o PT acharam que era preferível
vencer Bolsonaro nas urnas. Ou seja, julgaram que manter Bolsonaro na
Presidência poderia ser útil para alimentar a polarização que os petistas sabem
explorar como ninguém.
Mais do que defesa da democracia, essa
campanha de voto útil no primeiro turno é utilíssima aos interesses de Lula. É
um modo de pedir voto – às vezes, de impor – sem dizer qual será o seu efetivo
programa de governo, sem enfrentar temas difíceis como corrupção e
aparelhamento partidário, sem se comprometer a não repetir os erros das gestões
petistas passadas. Essa tática é ainda mais perversa quando tenta demonizar
outros candidatos que estão fazendo precisamente o que é mais próprio de uma
campanha eleitoral em um regime democrático: apresentar suas propostas para
tentar convencer o eleitorado.
O risco externo e a limitação interna
O Estado de S. Paulo
Dois alertas soam ao mesmo tempo, apontando para o risco da inflação e dos juros internacionais e chamando a atenção para o desafio interno de uma economia próxima do limite de expansão
Não basta crescer, é preciso criar
condições para sustentar um crescimento seguro, sem desarranjar as contas do
Tesouro, sem desajustar as contas externas e sem jogar combustível na inflação.
Alertas voltam a soar, quando boas notícias sobre a economia mostram o País bem
próximo, segundo analistas do setor financeiro, do limite de sua capacidade
produtiva. Os cálculos podem variar, neste momento, mas dois pontos são
geralmente aceitos. Primeiro, o potencial de crescimento é muito baixo.
Projeções de médio prazo dificilmente apontam expansão anual superior a 2%.
Além disso, até esse número já é qualificado como excessivo por alguns
economistas. Segundo, o escasso potencial é atribuído ao baixo investimento
produtivo, inferior a 20% do Produto Interno Bruto (PIB) na maior parte deste
século. Em países mais dinâmicos essa relação frequentemente supera 25%.
O temor de uma economia próxima de seu
limite foi reforçado, nos últimos dias, por uma boa notícia: a atividade
cresceu 1,17% em julho, segundo indicador do Banco Central (BC), e nos
primeiros sete meses a produção foi 2,52% maior que a de um ano antes. Essa
informação positiva contrabalançou, em parte, os temores associados a um quadro
internacional preocupante, com inflação elevada no mundo rico, juros em alta
nos Estados Unidos e na Europa, risco de recessão em grandes economias
capitalistas e forte desaceleração na China.
Cenário sombrio no exterior e recuperação
no Brasil apareceram, na mesma semana, como fatores de inquietação para
investidores e analistas econômicos do mercado brasileiro. É preciso evitar ou
pelo menos atenuar, tanto quanto possível, os danos provenientes de uma nova
deterioração do quadro internacional. Mas é necessário pensar, ao mesmo tempo,
nos desafios impostos por uma economia interna operando perto de seu limite e
ainda afetada por desarranjos de preços de itens essenciais, como os alimentos.
De onde vêm, afinal, as ameaças? Do quadro
externo de insegurança e dos juros elevados para conter a inflação ou do vigor
agora observado na atividade interna? De todos esses fatores? Internamente, os
brasileiros só encontram apoio, por enquanto, na disposição dos dirigentes do
BC de enfrentar a inflação, de calibrar suas ações levando em conta as
limitações externas e de, eventualmente, corrigir algum exagero do mercado de
câmbio.
O Executivo continua concentrado nos
interesses pessoais e eleitorais do presidente Jair Bolsonaro, como sempre
esteve desde 2019. Do ministro da Economia pouco se pode esperar, realisticamente,
além da obediência às determinações presidenciais, precedida, talvez, de alguma
breve encenação de desagrado. Depois da eleição, poderá surgir alguma novidade,
na cúpula federal, mas quase toda previsão sobre isso, neste momento, é muito
insegura.
É mais fácil esboçar o provável quadro de
janeiro, início do novo mandato presidencial. Em 2022 o crescimento econômico
ficará, segundo as projeções mais otimistas, na faixa de 2,5% a 3%. O
presidente eleito encontrará uma economia pouco dinâmica, apesar do entusiasmo
agora exibido por investidores e analistas. Além disso, terá de trabalhar com
um Orçamento muito ruim, elaborado para agradar ao Centrão e para favorecer a
imagem presidencial.
Ao desarranjo orçamentário deverá somar-se
um quadro fiscal desfavorável e complicado por juros ainda altos. Além disso, o
eleito será provavelmente pressionado para restabelecer o crescimento
duradouro. Isso dependerá de estratégias de modernização e de fortalecimento da
indústria, ignoradas no atual mandato, e de uma dinamização geral da economia.
Será preciso mobilizar capitais para infraestrutura, favorecer a ampliação do
parque de máquinas e equipamentos empresariais e cuidar, renegando a orientação
dominante a partir de 2019, da educação e da saúde, isto é, da formação de
capital humano. Ao mesmo tempo, será indispensável trabalhar, sem truques, pela
estabilidade de preços. Tudo isso envolverá a completa negação das políticas
seguidas nestes quatro anos.
Superávit enganoso
O Estado de S. Paulo
Receita extraordinária garantirá resultado positivo em 2022; para 2023, a projeção é de novo déficit primário
Em 2022, pela primeira vez nos últimos nove
anos, as contas do governo federal fecharão o exercício fiscal com superávit
primário (isto é, sem considerar o custo da dívida pública). A projeção,
contida no relatório de avaliação das despesas e receitas primárias no quarto
trimestre apresentado pela Secretaria Especial do Tesouro e Orçamento do
Ministério da Economia, é surpreendente. No relatório anterior, a previsão era
de déficit primário de R$ 59,3 bilhões; no mais recente, projeta-se superávit
de R$ 13,6 bilhões.
Isso significa uma melhora de R$ 72,9
bilhões (cobre-se o déficit e ainda se obtém um superávit). O governo explica a
mudança no resultado primário com uma inopinada evolução das receitas. Entre os
relatórios do terceiro e do quarto trimestre, a previsão de receitas líquidas
(já excluídas as transferências para Estados e municípios) aumentou R$ 69,9
bilhões. Já as projeções para as despesas tiveram redução de R$ 2,95 bilhões.
Trata-se, de fato, caso o resultado se confirme,
de uma multiplicação inesperada de receitas. Mas é uma melhora que, por sua
natureza, deixa dúvidas. O aquecimento da atividade econômica nos últimos meses
já havia sido considerado nas projeções da arrecadação federal ao longo deste
ano. O aumento expressivo entre as estimativas para o terceiro e para o quarto
trimestres, por isso, se deve basicamente a receitas especiais, que não
decorrem do ritmo da economia, mas de fatores específicos que não se repetirão
em outros exercícios fiscais.
O governo conta, por exemplo, com a
devolução de R$ 69 bilhões dos recursos que forneceu ao Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para fortalecer sua capacidade de
operação. O empréstimo do Tesouro ao banco seria amortizado em longo prazo, mas,
por meio de acerto com a instituição e determinação do Tribunal de Contas da
União (TCU), está sendo quitado antecipadamente.
O superávit primário a ser alcançado em
2022 poderá até ser maior, admite o secretário especial do Tesouro e Orçamento,
Esteves Colnago, pois ainda há “um dever fiscal a ser feito”. No entanto,
qualquer que seja o resultado, embora positivo, está longe de representar pelo
menos o início do necessário ajuste estrutural das finanças do governo federal.
O resultado primário positivo de 2022 será obtido por meio de receitas que não
se repetirão no próximo exercício. O próprio governo reconheceu problemas nas
contas em 2023 quando elaborou o projeto do Orçamento do ano que vem com rombo
de R$ 65,9 bilhões.
Mesmo o resultado primário de 2022 não será suficiente para encobrir severas dificuldades na gestão fiscal. A lei do teto do gasto público imporá novo bloqueio de R$ 2,6 bilhões, que se somam aos R$ 7,9 bilhões já bloqueados. Sejam quais forem os gastos a serem cortados desta vez, é certo que R$ 5,6 bilhões de emendas parlamentares, incluindo R$ 3,5 bilhões do orçamento secreto, serão preservados. Isso mostra como o governo estabelece prioridades na gestão do dinheiro do contribuinte.
Eu sou favorável ao voto útil,mas cada um faz o quer com o seu direito de votar.
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