Para ex-subsecretário de Estado americano, tendência de setores do centro a apoiar Lula é crucial para evitar cenário de completo autoritarismo no Brasil
Por Marsílea Gombata / Valor Econômico
O alto nível de polarização que há no
Brasil hoje continuará, independentemente do resultado da eleição. Para o país
sair desse cenário de animosidade, o centro político tem papel crucial, afirma
Arturo Valenzuela, professor da Universidade Georgetown e ex-subsecretário de
Estado americano no governo Obama.
“[A
polarização] provavelmente não acaba com a eleição. O que permitiu que [Joe]
Biden fosse eleito foram forças de centro. [No Brasil], vejo certa tendência em
direção a setores de centro que poderiam apoiar Lula”, diz, em entrevista
ao Valor. “E, no
discurso, creio que Lula está tomando uma posição mais centrista.”
Ele alerta que uma vitória do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno pode levar a um governo mais
esquerdista. A reeleição de Jair Bolsonaro, por outro lado, pode levar o
Brasil, em tese, para um rumo autoritário.
Valenzuela diz, contudo, que a polarização
em um país multipartidário como o Brasil é menos preocupante do que nos Estados
Unidos, com dois partidos fortes.
Doutor pela Universidade Columbia, onde foi
aluno do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Valenzuela é um dos maiores
especialistas em América Latina. Foi subsecretário de Estado para o continente
americano além de assessor especial da Casa Branca para segurança nacional e
diretor sênior para assuntos interamericanos do conselho de segurança nacional,
na presidência Bill Clinton.
No campo acadêmico, é especialista em
sistemas políticos, retrocesso democrático e autoritarismo. Entre seus
trabalhos mais importantes estão “A Opção Parlamentarista” (1991), em coautoria
com referências como Juan Linz, Arend Lijphart e Bolívar Lamounier, e “The
Failure of Presidential Democracy” (1994), com Linz.
Valenzuela concedeu a entrevista por Zoom, de sua casa, em Washington. Veja trechos:
Valor: O Brasil vive um risco autoritário?
Arturo Valenzuela: É difícil
dizer que esse [governo Bolsonaro] seria um governo completamente autoritário.
Não estamos frente a uma situação que se vê em outras partes do mundo, onde a
política é controlada por uma pessoa em um sistema autoritário. Mas, sem
dúvida, o governo atual se porta de forma bastante autoritária. E isso não
significa que o país seja completamente autoritário. É como dizer que sob Trump
tivemos nos EUA um governo autoritário, mesmo com ele não reconhecendo a
eleição e se portando de maneira autoritária. Bolsonaro atua da mesma maneira.
Lembremos que, em determinado momento, Trump pede que as Forças Armadas
intervenham para anular a eleição. E, com o que vimos outro dia com a
celebração do bicentenário [da independência] do Brasil, a parada militar, a militarização,
os ataques contínuos ao Supremo Tribunal Federal, há preocupações de que se
Bolsonaro se reeleger poderia ocorrer uma recaída autoritária no Brasil.
O que permitiu que Joe Biden fosse eleito
nos EUA foram forças de centro entrando em acordo
Valor: Com mais quatro anos de Bolsonaro, crescem as
chances de o Brasil vir a ser tomado pelo autoritarismo?
Valenzuela: Sim, da mesma
forma que teria ocorrido nos EUA, se Trump houvesse ganhado no segundo turno.
Certamente, Bolsonaro, que critica o sistema eleitoral brasileiro, irá criticar
também o resultado das eleições, caso não ganhe. Se ele é um negador das
eleições (“election denier”), teríamos um padrão parecido.
Valor: O que pode ter levado a uma erosão democrática
no Brasil?
Valenzuela: No início dos
anos 1990, Ulysses Guimarães [deputado que presidiu a Assembleia Contituinte]
me convidou para falar sobre a importância de um sistema parlamentarista no
Brasil, porque esse é meu trabalho acadêmico. E fui ao Brasil [antes do
plebiscito de 1993]. Se o Brasil tivesse evoluído para um sistema
parlamentarista, teria tido menos choques, que sempre ocorrem em um sistema
presidencial de dupla minoria - no qual o presidente não é majoritário [em
termos de votação], mesmo se eleito no segundo turno, e a Presidência tampouco
é apoiada pelo Congresso, o que é um problema mais sério.
Valor: Seríamos comparáveis à Venezuela chavista ou à
Nicarágua com Daniel Ortega?
Valenzuela: O Brasil
ainda não está assim. O que estamos vendo na Nicarágua é uma coisa terrível
porque foram presos todos os dirigentes opositores, que não puderam participar
da eleição porque estavam na prisão. E na Venezuela também. O sistema evoluiu a
um autoritarismo quando [Hugo] Chávez e depois [Nicolás] Maduro apelaram à
Constituinte para unificar o Parlamento, que se deslegitimizou e perdeu sua
força. Isso é algo bastante preocupante. O Brasil não está perto disso, e
espera-se que em 2 de outubro a coisa não vá em uma direção perigosa.
Valor: A polarização que há no Brasil deve acabar com
a eleição?
Valenzuela: Provavelmente
não. Mas insisto: o que permitiu que Biden fosse eleito foram forças de centro
entrando em acordo. Em quase todos os países, a direção política é como um
formato de sino, em que a maioria das pessoas no meio são independentes, não
fanáticos. Os fanáticos estão na ultradireita e na ultraesquerda. E o que
estamos vendo é que esse cenário [do meio] é composto por seguidores de Ciro
Gomes, a quem não convém dividir a esquerda no Brasil. Vejo certa tendência em
direção a setores do centro que estão vendo que poderiam apoiar Lula. E, no
discurso, creio que Lula está tomando uma posição mais centrista. É isso que
tem de acontecer.
Valor: Isso seria uma mudança em relação ao Lula do
passado?
Valenzuela: Creio que
sim. Ele disse que não é favorável a travas às privatizações. Vê-se seu
discurso mais moderado neste momento. Mas depende muito. Se ele ganhar no
primeiro turno, pode ser que seja mais esquerdista, mas não sei. Para governar,
ele precisará do centro, de apoio do Parlamento. Até certo ponto, Lula é um
personagem que vai da esquerda até o centro. Um pouco como Biden, que era uma
pessoa que ia um pouco mais da direita ao centro. Uma reeleição de Bolsonaro
seria dramaticamente mais difícil para o Brasil, aí seria perigoso, por tudo o
que tem dito, feito e comentado. O que vimos nessa terrível celebração do
bicentenário, a militarização, seu discurso contra o Poder Judiciário. Lula não
é assim.
Um massivo problema na AL é ter presidentes
que se elegem sendo minoritários, ou seja, construídos no 2º turno
Valor: Como sair de um autoritarismo mais aprofundado?
Valenzuela: Tem de ir
consolidando o que chamamos de democracia representativa. A sociedade se
divide, mas elege representantes para que possam ter um diálogo no Parlamento.
Isso é muito importante. O perigo é a democracia direta porque acaba projetando
um messias. As pessoas querem que uma pessoa salve a situação, e esse é o
caminho ao autoritarismo. É o que vemos no México, vindo da esquerda, com
Andrés Manuel López Obrador, e também no Brasil, do lado da direita, com
Bolsonaro. E há outros países da região que estão com muitos desafios, como
Chile e Uruguai. Mas é preciso ir consolidando a democracia. E lembremos também
que os EUA têm tido problemas muito sérios. Chegar a uma democracia estável não
é algo sólido e perpétuo. É preciso ir buscando melhorar, fortalecer a
democracia o tempo todo.
Valor: Se Bolsonaro ganha e é reeleito, isso significa
que os brasileiros preferem um regime autoritário a um democrático?
Valenzuela: O problema é
o segundo turno, ao qual eu sou um grande crítico. E tenho dito isso em muitas
situações. Um massivo problema na América Latina é ter presidentes que se
elegem sendo minoritários, ou seja, construídos no segundo turno. Os candidatos
que chegam ao segundo turno são dos extremos do espectro político. Acaba sendo
eleito um dos candidatos dos extremos. Ou seja, Keiko [Fujimori] por um lado e
Ollanta Humala de outro lado [no Peru]. Vimos isso em muitos outros países,
como no Chile com [José Antonio] Kast e [Gabriel] Boric.
Isso contribui também para minorias no
Congresso. Ou seja, as presidências latino-americanas passam a ser de minoria.
Como eu disse anteriormente, na maior parte das sociedades, a maioria das
pessoas está no centro, e não são extremistas. A diferença será muito grande se
Lula ganhar no primeiro turno. Se [a eleição] vai para o segundo turno, será
mais difícil porque qualquer um que seja eleito não irá representar
necessariamente a maioria da população.
Valor: Uma vitória de Bolsonaro significa que a
democracia não está funcionando para os brasileiros?
Valenzuela: Me
assombraria muito se o Bolsonaro ganhasse a presidência no primeiro turno. Se
isso acontecer, significa que a grande maioria dos brasileiros compraram a
figura de um messias autoritário. Mas, se não ganhar no primeiro turno e vencer
no segundo turno, não seria o messias de todos os brasileiros. Teria uma
situação muito mais difícil de governabilidade, porque também terá um
Parlamento que será adverso a ele. Então haverá uma situação de instabilidade
democrática. Por isso, são necessárias algumas reformas. Estou convencido de
que o segundo turno não deveria ser eleitoral. O segundo turno deveria ser no
Parlamento. A primeira maioria do primeiro turno teria somente uma semana para
criar um governo, um programa, um gabinete etc. Se não o pode fazer, então
passa-se à segunda maioria. Parlamentarizar o presidencialismo seria muito
importante.
Valor: Reeleição é bom ou ruim?
Valenzuela: É saudável
ter um sistema presidencialista em que se possa governar por dois mandatos e
acabou. Mas sabemos, pela lógica distinta do sistema parlamentarista, que a
primeira-ministra é primus
inter pares (está entre iguais) e nada mais. Não é o
presidente do Executivo. Quando tiraram do poder Margareth Thatcher, tiraram a
primeira-ministra mais importante do período pós-guerra. Mas não foi como fazer
o impeachment de um presidente.
Mas quero deixar claro: creio que tem de
haver um segundo turno, mas esse não pode ser eleitoral, tem de ser no
Parlamento. Porque isso incentiva que setores afins, que estão de acordo, criem
uma coalizão governante antes da eleição. E o que acontece quando há uma
eleição com o segundo turno eleitoral? Os que são mais afins, mais similares,
se dividem. Deixa eu dar um exemplo. O caso do Peru: Ollanta Humala à esquerda
e Keiko à direita, no primeiro turno. E quem estava no centro? Pedro Pablo
Kuczynski, [Alejandro] Toledo, e o prefeito de Lima, [Luis] Castañeda. E por
que não chegaram a um acordo [no primeiro turno]? Porque cada um deles queria
passar para o segundo turno. Ou seja, o segundo turno divide os que são mais
afins. Não se cria uma coalizão de governo prévia, eles se dividem e isso
dificulta. O sistema democrático tem de ter nas regras do jogo incentivos
políticos para a cooperação. A chave é dar à primeira maioria uma ou duas
semanas para formar o governo. E, se não o pode fazer porque é uma primeira
maioria fictícia, então a segunda maioria teria a chance de fazê-lo. E depois
passaria a uma terceira maioria, inclusive. Houve um momento na Bolívia em que
o Parlamento elegia [o presidente] no segundo turno. E foi eleito Jaime Paz
Zamora, que ficou em terceiro no primeiro turno, apesar de Gonzalo Sánchez ter
obtido maioria. Tem de haver uma lógica na regra do jogo que incentiva a
cooperação.
De maneira alguma, podem ser as Forças
Armadas que irão determinar como será a contagem da votação
Valor: Como se mede a resiliência de uma democracia? O
Brasil é uma democracia resiliente?
Valenzuela: Uma definição
clara tem de estar baseada em duas coisas. Tem de haver Estado de direito. Se
não há Estado de direito é impossível uma democracia se consolidar. Tem de
haver Estado de direito em primeiro lugar. Se há corrupção, aquilo que ocorria
muito no Brasil, de a Presidência com minoria parlamentar comprar parlamentares
para ter maioria, então há um problema. Segundo, é preciso consolidar a
democracia representativa com partidos políticos fortes, porque são o canal das
preferências dos cidadãos até o poder. Quando os partidos caem, desprestigiam o
Parlamento, o que leva a uma situação difícil. As pessoas querem um salvador ou
uma salvadora. É o que temos visto. Por isso, é preciso consolidar a democracia
representativa, que é uma democracia na qual há uma capacidade de negociação para
o país, apesar da possibilidade de diferenças muito grandes.
Valor: A forte polarização que há no Brasil é ruim
para a democracia? Acaba afetando a economia?
Valenzuela: Estou menos
preocupado com uma polarização que possa existir em um país onde há múltiplos
partidos, ou seja, em sistemas multipartidários, com um sistema eleitoral que
permite listas com opiniões distintas. O problema mais sério que têm os EUA é
que sempre se opuseram a ter sistemas eleitorais multipartidários, de listas.
E, como há somente dois partidos, a polarização é muito maior - ou se é
republicano ou se é democrata. É melhor ter um sistema multipartidário. Depende
muito também da qualidade do sistema eleitoral. Tem de ser um que privilegie
bem a representatividade do cidadão, ainda que se crie um multipartidismo. Isso
evita também a polarização.
Valor: Qual papel a oposição e a comunidade
internacional têm em deter o processo de erosão democrática de um país?
Valenzuela: A comunidade
internacional tem um papel importante obviamente, e é bastante positivo desde
as Nações Unidas e de países importantes. Lembro bem que a primeira defesa da
democracia mais forte depois do fim da Guerra Fria não foi iniciativa
necessariamente dos EUA, mas dos países latino-americanos, que queriam voltar à
democracia. E essa é a famosa resolução 1080 na Organização dos Estados
Americanos (OEA), promovida por Chile, Argentina e outros países. Os EUA,
durante o governo de Bush pai [George H. W. Bush] e também com Clinton, quando
eu estive na Casa Branca, ajudam a consolidar a noção de que os golpes de
Estado não são aceitáveis e tem de haver mudanças de governo que sigam o
processo constitucional.
Valor: Atualmente, há um debate forte no Brasil sobre
as Forças Armadas apurarem a contagem de votos de maneira paralela nas
eleições. Como o senhor vê isso?
Valenzuela: As Forças
Armadas têm de obedecer ao poder civil. Quando as Forças Armadas passam [disso]
- como foi com o golpe de 1964 no Brasil e o de 1973 no Chile - e passam a
governar, é algo inaceitável porque [elas] não deveriam ser deliberantes. As
Forças Armadas devem obedecer ao poder civil. Dito isso, lembro que no Chile
elementos das Forças Armadas ou da polícia militar ajudavam a garantir que não
houvesse desordem [na votação]. Nos EUA, é a Guarda Nacional, e não as Forças
Armadas, [que fazem isso]. Mas, de maneira alguma, podem ser as Forças Armadas
que irão determinar como será a contagem da votação ou qualquer coisa do tipo.
Isso tem que ser feito por autoridades eleitorais e civis. Trump, em seu
desespero pela reeleição, queria mobilizar as Forças Armadas para apoiar a
mentira (“the big lie”), que havia, de fato, ganhado a eleição.
Valor: Há indicativos de outros retrocessos
democráticos na região, além de Nicarágua e Venezuela, que são exemplos muito
claros?
Valenzuela: Obviamente,
ainda há muito a ser fortalecido. Há uma crise na América Central muito séria.
Estamos falando não somente da Nicarágua, mas também de El Salvador, que tem
tomado uma postura autoritária de direita. E a Guatemala [vai] nesse sentido
também. E nesses países, francamente, se requer a presença da Comissão
Internacional Contra a Impunidade na Guatemala (Cicig), instituição de Nações
Unidas que buscava consolidar o Estado de direito. Isso é importante. Lembremos
que a América Latina é muito distinta. O Uruguai, a Costa Rica e o Chile têm a
uma tradição democrática mais forte, mas agora essas tradições democráticas
estão em perigo, infelizmente. Assim como na Bolívia e no Peru. E sem falar
também dos desafios no Equador.
Mas eu tenho certo otimismo. Os países das
Américas são as repúblicas mais antigas do mundo. Há muitas de tradição muito
mais longa. Com exceção do Brasil, que não abandonou a monarquia até mais
tarde, porque os monarcas vieram de Portugal ao Brasil. Quando votou-se pela
criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, 40% dos signatários
eram países das Américas. Porque a grande maioria dos países do mundo, até
meados do século 20, ainda estavam nos grandes impérios. E os grandes impérios
não terminaram até os anos 1960 do século passado.
Valor: Depois da terceira onda de democratização,
alguns estudiosos falam em uma terceira onda de autocratização hoje. Como vê
isso?
Valenzuela: É preciso ter muito cuidado com temas como “terceira onda”. Depende do quão recente é o processo de democratização. Países que tiveram somente alguns anos ou décadas de democratização são mais vulneráveis ao retrocesso. Por isso, um esforço para melhorar o Estado de direito e a democracia terá mais êxito na América Latina ou no leste europeu do que na África ou em países como Mianmar.
Vocês foram buscar lá traz um esquerdista que foi assessor do Obama, o maluco beleza que agora a gente sabe da sua incapacidade de governar os Estados Unidos
ResponderExcluirÉ lamentável o desespero de vocês , fica claro nas entre linhas que vocês já perceberam a possibilidade real do Bolsonaro se eleger no primeiro turno, e é o que vai acontecer ,
Depois de Garanhuns, terra natal do Lula, receber o Presidente com aquela multidão incontável nas ruas e praças
A mesma coisa se repetiu em Caruaru em que a cidade parou e foi pra rua aplaudir Bolsonaro
Isso acontece em todas as cidades em cada canto do Brasil a população de cidade grande ou pequena vai pras ruas aplaudir e apoiar Jair Messias Bolsonaro
Essa é a realidade , e vocês já devem começar a reestruturar os editoriais e as narrativas
Se não vai ficar feio, vai ficar muito na cara o partidarismo de esquerda de vocês
Tem gente que gosta de se tapear. Até a Venezuela dando opinião no Brasil? Vai falar com seu passarinho, chofer de ônibus ignorante e rastreiro, que da mais certo.
ResponderExcluirSe deixasse por conta de Bolsonaro,é claro que o País já seria uma ditadura.
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