sábado, 22 de outubro de 2022

Carlos Alberto Sardenberg - Onde buscar os votos que faltam?

O Globo

No primeiro governo, petista contou com a colaboração de líderes do agronegócio. Perdeu parte do apoio, mas tem como recuperá-lo

Então somos quase todos democratas, pelo Datafolha. Nada menos que 79% dos brasileiros, nível recorde, se declaram pela democracia. Mas certamente não se entendem na questão essencial: de que regime mesmo estamos falando?

Ocorre que 80% dos eleitores de Bolsonaro dizem apoiar a democracia. Considerando os votos do primeiro turno, isso dá quase 42 milhões. É claro que não todos, mas muitos desse grupo, a começar pelo próprio presidente Bolsonaro, acham que já existe uma quase ditadura no Brasil, a do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente quando se trata do ministro Alexandre de Moraes.

Portanto, para essa turma, fechar o Supremo ou afastar juízes dessa Corte seria defender a liberdade e, pois, a democracia.

Se alguém acha que isso faz sentido, pode se incluir naquele grupo.

Entre os eleitores de Lula, 78% manifestam preferência pela democracia. Também pela votação do primeiro turno, são quase 45 milhões de eleitores. Em números absolutos, mais que entre os bolsonaristas. Em proporção, menos, mas está, digamos, na margem de erro. É claro que não todos, mas muitos do grupo lulista acham que quem vota no Bolsonaro é fascista.

Se alguém acha que isso faz sentido, tem uma visão bem estreita de democracia.

Claro que estamos querendo criar confusão, mas com um propósito. Se o pessoal não se entende nem sobre as bases da democracia, não é de estranhar que o quadro esteja tão polarizado e tão quente. Nem que grande parte dos votos não seja a favor de nada nem de ninguém, mas contra muita coisa... dos outros.

Não é a melhor situação, mas no segundo turno faz sentido votar contra. No primeiro, deve-se votar com o coração e as convicções. Se no segundo turno nenhum candidato dá match com o eleitor, este terá de decidir na base da exclusão.

Simples assim.

Quando há um candidato à reeleição, fica até mais fácil. Há uma gestão em andamento que pode ser avaliada em tempo real. Isso explica o comportamento recente do governo Bolsonaro. Não está preocupado em fazer uma boa administração para o país. Bem ao contrário. Atropelando a lei eleitoral e as regras básicas de uma eleição limpa, o presidente despeja dinheiro público — de todos os eleitores, portanto — para beneficiar sua clientela ou para pescar votos nos setores em que Lula tem maioria.

Há mesmo algumas barbaridades, como essa de levar a Caixa a fornecer empréstimos a beneficiários do Auxílio Brasil. Acrescente aí as ameaças ostensivas de golpe e resulta uma obra que não é liberal, não é legítima, nem republicana, muito menos democrática.

Mas não é possível que todos os eleitores de Bolsonaro sejam do mal, pró-torturadores e membros de uma sinistra conspiração direitista. Muitos nem são bolsonaristas. São, na verdade, anti-Lula. Sim, em muitos setores da sociedade, pessoas acham que um governo petista seria pior que o atual.

O pessoal do agronegócio é em grande parte moderno, civilizado, globalizado, importante para o futuro do país. No seu primeiro governo, Lula contou com a colaboração de líderes empresariais do agro. Possivelmente, perdeu parte desse grupo. Pode recuperá-los? Pode, apresentando propostas e garantias para a continuidade do negócio: garantia contra invasão de propriedade; garantia de herança, com impostos, claro, e vai por aí.

Petistas de raiz dizem que querem lhes impingir um programa das elites. Quer dizer que não é possível combinar desenvolvimento capitalista com benefícios sociais e melhor distribuição de renda e oportunidades? É possível. Se não quiserem olhar para os Estados Unidos, então pensem na Europa desenvolvida e democrática.

Resumo: Bolsonaro está jogando seu arsenal. Lula, que esperava um jogo mais fácil, pode fazer mais. Depende dele ir em busca dos que não são bolsonaristas, mas pretendem votar no presidente por exclusão. Com sua capacidade de persuasão, e considerando os flancos que Bolsonaro deixa abertos, Lula pode ir atrás de votos fora de sua turma.

 

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