quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Cristiano Romero - Getulismo, lulismo e, agora, bolsonarismo

Valor Econômico

Bolsonarismo sobreviverá ao sucesso ou não de Jair Bolsonaro nesta eleição

A polarização que vem caracterizando a política brasileira nos últimos anos aumentará depois da eleição do próximo dia 30. Não importa quem vença o pleito, se Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou Jair Bolsonaro (PL). A eleição de 2022 marca definitivamente a emergência de novo movimento político no Brasil: o bolsonarismo.

Desde 1989, com o retorno do voto direto para Presidente da República, a disputa de poder se deu com a presença direta ou indireta de Lula. Incluindo-se 2022, Lula concorreu diretamente ao cargo em seis das nove eleições.

Nas três restantes, só não foi candidato em duas porque, em 2014, Dilma Rousseff, escolhida por ele para sucedê-lo em 2010, não abriu mão do direito de buscar a reeleição, e 2018 foi condenado à prisão pelo juiz Sergio Moro, num processo anulado mais tarde pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em 1989, ao ter mais votos do que Leonel Brizola (PDT) para enfrentar Fernando Collor de Mello (PRN) no segundo turno, Lula não deu início propriamente dito ao lulismo. Este só se materializou depois que o petista chegou ao poder, em 2003.

Foi o lulismo que levou Dilma Rousseff ao poder duas vezes e permitiu que Fernando Haddad, um intelectual desconhecido fora da capital paulista, chegasse ao segundo turno da eleição presidencial em 2018 e, agora, da escolha para governador de São Paulo. A eleição de quem vai comandar o Estado mais rico do país reflete justamente o enfrentamento das duas forças políticas predominantes no plano nacional: o lulismo e o bolsonarismo.

Os dois candidatos - Fernando Haddad (PT) e Tarcísio de Freitas (PL) - têm pouca ou nenhuma expressão política junto ao eleitorado. Haddad é mais conhecido porque foi prefeito de São Paulo (2013-2016). Ainda assim, quem lidera as pesquisas e está mais perto de ser eleito é o ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro, que, filho de ex-funcionário do Banco do Brasil, viveu a maior parte de sua vida em Brasília e morou apenas um ano em São Paulo.

Ainda que o improvável aconteça, isto é, que Haddad vença, a disputa em São Paulo é demonstração evidente da força eleitoral do bolsonarismo. O lulismo subjugou o getulismo, que, grosso modo, dominava a política nacional desde 1930. O getulismo, como se viu, sobreviveu à existência de quem o fundou e inspirou - Getúlio Vargas, morto em agosto de 1954. O golpe militar de 1964 não foi motivado pela “ameaça comunista” que rondava o Brasil, mas, sim, para apear do poder o presidente eleito pelo povo, o getulista João Goulart.

Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul, era, ao lado de Goulart, o maior herdeiro do getulismo. Por causa do golpe, teve que fugir às carreiras do país. Retornou, anistiado, em 1979 e, em 1982, elegeu-se governador do Rio de Janeiro. Brizola escolheu o Rio como domicílio eleitoral para ampliar sua presença nacional. Diz-se que o pedetista se aproximou do último general na Presidência - João Baptista Figueiredo - com proposta sui generis: estender seu mandato para 1986 e estabelecer, para aquele ano, a volta da eleição direta para presidente. 1986 coincidiria com o fim do mandato de Brizola no governo fluminense, tornando-o um postulante natural e competitivo ao Palácio do Planalto. Brizola temia justamente a ascensão de Lula, que, egresso do movimento sindical, representava uma alternativa, na esquerda, ao velho getulismo.

No sindicalismo, Lula se colocou como antagonista aos movimentos que predominaram desde Getúlio. Considerava-os pelegos e excessivamente dependentes do Estado - o petista era contrário, por exemplo, à existência do imposto sindical. E o bolsonarismo? Onde está a sua força? Jair Bolsonaro construiu a candidatura para o pleito de 2018 como antipetista, tirando proveito do enorme fracasso do governo Dilma Rousseff (2011-2014 e 2015-2016). O azedume foi tanto que enormes fatias do eleitorado se tornaram contrárias ao PT, cancelando, inclusive, o fato de que Lula fez dois mandatos bem-sucedidos, tendo deixado o cargo em 2010 com 85% de aprovação. O voto em 2018 foi visto como um protesto. Ocorre que, desde então, Bolsonaro governou, não fingiu ser quem não, foi Bolsonaro, portanto, em 100% das ocasiões e, quatro anos depois, temos o seguinte: ele recebeu no primeiro turno da eleição com 51 milhões de votos, o equivalente a 43,2% dos votos válidos. Ora, isso mostra que, agora, o voto em Bolsonaro nada tem a ver com protesto.

No primeiro turno, Lula tinha entre 47% e 50% das intenções de votos, e Bolsonaro, 35%. Lula, então, foi atrás dos votos úteis de Ciro Gomes (PDT). O resultado final mostrou Lula com um pouco mais de 48%, e seu adversário, com 43%. Para quem foram os votos úteis, afinal? O bolsonarismo ajudou a eleger os governadores do Rio e de Minas e deve eleger o de São Paulo, onde estão os três maiores colégios eleitorais.

Na Câmara dos Deputados, o partido de Bolsonaro, PL, foi o campeão de votos. Mesmo que perca a eleição para Lula, Bolsonaro sairá mais forte do que entrou, se se considerar a frente ampla de partidos e de personalidades da sociedade civil que se uniram para aplacá-lo. O bolsonarismo se tornou uma realidade, independentemente da eleição de seu principal líder neste momento.

 

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