O Globo
É difícil se conectar com as supostas
beneficiárias
Por ignorância, incompetência, má-fé — ou
tudo isso junto —, o governo de Jair
Bolsonaro tem imensa dificuldade de acertar na política social.
Por isso, para o candidato à reeleição, seja no discurso, seja na prática, é
tão difícil se conectar com as supostas beneficiárias. Desde o início da
campanha, o time do presidente vem enfileirando estratégias para se aproximar
das eleitoras, em particular, as de baixa renda. Sem sucesso. Todas as
pesquisas apontaram preferência das mulheres pelo candidato do PT, o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, que bateu o adversário no primeiro turno por 6 milhões de votos,
um Pará inteirinho
de eleitores.
Na largada do segundo turno, Bolsonaro anunciou pagamento, em 2023, de uma 13ª parcela do Auxílio Brasil, sucessor mal elaborado do Bolsa Família. Inaugurou, com isso, a política social pré-datada, uma espécie de bolsa-fiado, pela qual a eleitora vota nele em outubro de 2022 e recebe R$ 600 em dezembro do ano seguinte. É promessa tão inédita quanto estúpida, porque carrega a evidência do erro de um programa elaborado somente para aumentar o capital político-eleitoral de um líder que jamais se preocupou com as mulheres. Nem com os pobres, os negros, os indígenas.
O benefício mínimo de R$ 600 do Auxílio
Brasil é má política, porque privilegia famílias menores. Desde 2018, segundo
levantamento de Tereza Campello, economista na USP, ex-ministra do
Desenvolvimento Social, o total de famílias unipessoais (adulto morando
sozinho) beneficiárias do Bolsa Família/Auxílio Brasil saltou de 1,8 milhão
para 4,9 milhões (+172%), enquanto lares com dois ou mais membros passaram de
12,2 milhões para 15,3 milhões (+25%). A decisão de repassar um mínimo sem
levar em conta o total de pessoas prejudica principalmente as mães solo, uma
vez que o valor per capita diminui quanto maior o número de filhos. Quem mais
precisa menos ganha.
No primeiro ano de governo, em 2019,
Bolsonaro já tinha anunciado uma 13ª parcela para o Bolsa Família. O benefício
foi pago uma única vez. Em 2020, em razão da pandemia da Covid-19, foi
implantado o Auxílio Emergencial de R$ 600 por cinco meses. Caiu para R$ 300,
foi interrompido no primeiro trimestre de 2021, o período mais letal da
pandemia. Neste ano, seria de R$ 400. Às vésperas da campanha, com o aval do
Congresso Nacional, voltou aos R$ 600. Mas só até dezembro. Na Lei Orçamentária
que enviou ao Legislativo, o governo não incluiu Auxílio Brasil no mesmo valor
em 2023. O eleitorado sabe.
A promessa de 13º às mulheres em 2023 não
resolve o problema das famílias que têm fome — portanto, muita pressa — hoje. A
insegurança alimentar severa alcança principalmente lares chefiados por
mulheres, com crianças, negras, em área rural. O governo descuidou das
brasileiras, mas implementou políticas de transferência de renda que,
certamente, beneficiaram mais os homens, caso dos auxílios para caminhoneiros e
taxistas. Sem falar na redução do ICMS sobre combustíveis, que barateou a
gasolina e o etanol da classe média e dos ricos e retirou receitas dos estados
que iriam para saúde e educação.
A boa política social necessita de foco,
estabilidade e previsibilidade. As famílias se planejam se sabem quanto e
quando vão receber. O vaivém dos valores aumenta a vulnerabilidade,
principalmente em tempos de inflação dos alimentos. O calendário do Bolsa
Família era fixo. Por causa da eleição, Bolsonaro já mexeu duas vezes na data
de pagamento do Auxílio Brasil. Fez em agosto e, de novo, em outubro, na
esperança de contar com o voto dos beneficiários. Ao impor flutuações, o
presidente informalizou a política social, tal como ocorre no mercado de
trabalho. Uma lástima.
Mulheres são maioria entre desempregados,
informais, trabalhadoras domésticas com e sem carteira assinada. Ganham menos
que os homens. Políticas sociais de inclusão, trabalho e renda devem levar em
conta assimetrias de gênero, raça, território. O governo Bolsonaro despreza a
diversidade. Por isso não produz boas medidas. Quando deixa o salário mínimo
sem ganho real por quatro anos, alcança as mulheres, porque elas ganham menos.
Quando congela a verba da merenda escolar igualmente as afeta, porque são as
mães que precisam dar conta da comida dos filhos.
Massacra as brasileiras também quando abre
mão de um Ministério da Educação como articulador das políticas estaduais e
municipais, após dois anos praticamente sem aulas, em decorrência da pandemia.
Se a criança não tem creche ou educação integral, a mãe não consegue dedicar
mais tempo ao trabalho remunerado para dar qualidade de vida à família. Se
sabota o programa de vacinação, são as crianças doentes que as levarão ao
desespero. Quando corta orçamento de universidades, mina o futuro dos jovens,
seus filhos e netos. Se não investe na saúde, agrava condições dos membros das
famílias. E são elas as cuidadoras, remuneradas ou não.
Sem qualidade nas políticas nem argumentos,
resta à equipe do presidenciável assombrar mulheres conservadoras
—especialmente as evangélicas — com pautas de natureza moral, que só entraram
no debate eleitoral para perturbá-las. É mais uma cortina de fumaça das muitas
que o bolsonarismo cria para desviar das prioridades do eleitorado que o
governo foi incapaz de enfrentar: saúde, educação, trabalho e renda, inclusão,
cidadania.
"Por ignorância, incompetência, má-fé — ou tudo isso junto —, o governo de Jair Bolsonaro tem imensa dificuldade de acertar na política social"
ResponderExcluirÉ por incompetência e má-fé. Não é ignorância pois a informação, os diagnósticos dos especialistas estão à disposição.
Mas eu troco o termo incompetência por burrice. Por ex., o auxílio de $600 era, sabido por todos, necessário. Bozo demorou pra aprovar o q causou prejuízos aos necessitados E AO BOZO TAMBÉM na perda de votos.
Prejuízos PREVISÍVEIS mas a burrice impediu a ação. Eu chamo de burrice mas a autora prefere incompetência.