Editoriais / Opiniões
Todos terão dever de aceitar o resultado do
segundo turno
O Globo
A duas semanas da votação, são inaceitáveis
novos ataques velados de Bolsonaro à lisura do sistema eleitoral
É responsabilidade das altas autoridades da
República garantir que o segundo turno das eleições transcorra de forma
tranquila, como transcorreu o primeiro no dia 2 de outubro. Mas, a julgar pelas
últimas declarações do presidente Jair Bolsonaro, dele não se poderão esperar
pedidos de serenidade e respeito aos resultados das urnas na hipótese de ser
derrotado no final deste mês. Mais uma vez, suas palavras despertam inquietação
e se faz necessário exigir que ele recobre um mínimo de sensatez.
Num discurso em Pelotas, no Rio Grande do Sul, Bolsonaro voltou a fazer declarações veladas que põem em dúvida sua confiança no resultado do segundo turno. Fez a sugestão estapafúrdia de que seus eleitores fiquem perto das seções eleitorais até a divulgação dos números no dia 30. A quem interessa esse tipo de intimidação? Com ela, tudo o que o presidente faz é semear confusão. Precisa ser advertido pelo círculo próximo de que poderá ser responsabilizado caso esse tipo de “vigilância” resulte em violência.
Não há, obviamente, nenhuma razão que
justifique tal exortação. O sistema eleitoral é confiável. Os boletins de urna
ficam disponíveis por meio da internet em tempo real, e há processos
transparentes para fiscalizar a votação. Na eleição do dia 2, não houve nenhum
indício de irregularidade, seguindo, por sinal, o padrão desde a adoção do voto
eletrônico. As urnas do segundo turno serão as mesmas do primeiro. Como
Bolsonaro aceitou os resultados do começo do mês — e não tinha como ser
diferente —, é um despropósito manter essa estratégia sorrateira de
desqualificar a validade dos votos.
Antes do primeiro turno, Bolsonaro defendeu
em várias ocasiões uma fiscalização sem nenhum cabimento das Forças Armadas no
sistema eleitoral. Pois bem. Passada a votação e realizada a inspeção, nada de
anormal foi encontrado, como se sabia desde o início. Que fez o presidente? Até
ontem, não autorizara a divulgação dos resultados. Bolsonaro ainda teve a
pachorra de dizer que os militares tinham de ter se esforçado mais. Em nome da
transparência, as Forças Armadas têm o dever de vir a público informar que nada
encontraram, ainda que isso contrarie o interesse de Bolsonaro ou sabe-se lá
que planos ele tenha para o caso de ser derrotado na eleição.
Mesmo que a fiscalização dos militares
tivesse apontado algum problema pontual, isso certamente não implicaria a
anulação do pleito. As eleições foram acompanhadas por diferentes organismos
nacionais e internacionais. Todos foram unânimes em validar os resultados e em
elogiar o sistema eleitoral brasileiro. Não custa repetir que o organismo
máximo para a tomada de decisões sobre as eleições continua a ser, pelo que
determina a Constituição, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O episódio envolvendo o presidente e os
militares só revela, mais uma vez, que Bolsonaro mantém sua intenção de erodir
a confiança no processo eleitoral para criar um clima de discórdia entre os
brasileiros. A pouco mais de duas semanas do segundo turno, quem acredita na
democracia tem o dever de se opor a qualquer tipo de golpismo, venha de onde
vier. Todos terão o dever de aceitar o resultado das urnas, qualquer que ele
seja. Ser omisso ou ficar em cima do muro será sinônimo de conivência.
Nova rotulagem dos alimentos fará bem à
saúde dos brasileiros
O Globo
Cabe ao consumidor fazer suas escolhas, mas
ele estará mais informado sobre o que leva para casa
As novas normas para rótulos de alimentos e
bebidas que entraram em vigor no último domingo têm tudo para fazer bem à saúde
dos brasileiros. A partir de agora, produtos processados com alto teor de
açúcar, sódio e gorduras saturadas, os vilões da alimentação saudável, serão
obrigados a apresentar na parte frontal da embalagem um alerta identificado por
uma lupa. Será obrigatório também informar os nutrientes por porção de 100g ou
100ml, para que o consumidor possa fazer comparações corretas entre diferentes
produtos e marcas.
Na prática, as novas normas deixarão o
consumidor mais informado e dificultarão o uso de truques para ludibriá-lo.
Tabelas nutricionais passarão a ser impressas apenas em letras pretas sobre
fundo branco, para ser mais legíveis. As informações não poderão ser
apresentadas em áreas da embalagem que ficam encobertas, deformadas ou são
difíceis de enxergar. A intenção é mostrar, não esconder. O consumidor poderá
fazer suas escolhas com base nas informações apresentadas.
É possível que os brasileiros não percebam
as mudanças de imediato, porque elas serão adotadas gradativamente. Lançamentos
já deverão cumprir as novas determinações pactuadas entre a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) e a indústria alimentícia. Produtos nas gôndolas
dos supermercados terão até outubro de 2023 para se adaptar. Pequenos
fabricantes e produtores rurais deverão se ajustar até outubro de 2024.
Embalagens que podem ser reutilizadas ganharam prazo até 2025. Estima-se que a
maior parte dos produtos incorporará as novas exigências até outubro do ano que
vem.
As mudanças nos rótulos dos alimentos,
iniciativa já adotada em países como Chile, Uruguai e México com bons
resultados, são essenciais para reduzir os preocupantes índices de obesidade,
que aumentam o risco de doenças e oneram o Sistema Único de Saúde (SUS).
Segundo o Ministério da Saúde, desde 2006, todo ano 360 mil adultos passaram a
sofrer de excesso de peso. No ano passado, 57% dos moradores das capitais
brasileiras tinham sobrepeso. Nos 16 anos em que a pesquisa foi realizada, em
apenas três não foi constatado aumento nos índices.
Cabe ao consumidor escolher entre um
alimento mais saudável e um processado, mas é fundamental que ele tenha todas
as informações sobre o que leva para casa, especialmente quando se trata de
produtos infantis. As normas de transparência aprovadas pela Anvisa ajudarão o
cidadão a fazer uma escolha melhor, mais consciente.
É possível que as mudanças tenham impacto não só no comportamento do consumidor, mas também nas indústrias, que precisarão adequar seus produtos a cidadãos mais bem informados e atentos. Não está tudo resolvido. O modelo adotado pelo Brasil é pouco rigoroso na comparação com outros países, e as mudanças só estarão implementadas em três anos. Mas sair da inércia já é um avanço. Todo esforço em busca de uma alimentação mais saudável é bem-vindo. É papel da sociedade cobrar para que as novas normas não fiquem só na promessa.
Silêncio injustificável
Folha de S. Paulo
Para não reforçar farsa, Defesa deve
revelar resultado de teste com urnas
esde sua concepção, a candidatura de Jair
Bolsonaro à Presidência em 2018 estava imbuída do desejo do hoje mandatário de
misturar seu passado militar com o prestígio das Forças Armadas.
Apesar do histórico salvacionista, que
remonta à fundação da República, os militares gozavam de boa imagem, associada
ao profissionalismo que emergiu das suas fileiras nos anos da redemocratização.
Capitão reformado de carreira controversa,
o então deputado era visto na cúpula da Defesa como mero sindicalista
verde-oliva.
O candidato que encarnou o antipetismo e a
antipolítica há quatro anos acabou adotado por influentes generais da reserva,
que o viam como veículo manobrável. Com a bênção da chefia do Exército,
Bolsonaro agregou o grupo e outros tantos da ativa a seu governo.
O resto é uma história conhecida de
desgaste institucional, alternando benesses e crises, culminando na implosão de
toda a cúpula militar em 2021. As fronteiras a isolar o serviço ativo da
retórica golpista bolsonarista ficaram mais turvas.
De lá para cá, um ministro da Defesa,
Walter Braga Netto, tornou-se candidato a vice-presidente pelo mesmo PL do
chefe, e o atual, o também general da reserva Paulo Sérgio Nogueira,
instrumento contra o sistema eleitoral.
Para desagrado de oficiais-generais,
Nogueira embarcou no questionamento das urnas, até permitido pelo Tribunal Superior
Eleitorial.
Em 2021, a corte aplicou uma regra aprovada
dois anos antes e convidou militares a participar de uma comissão de
transparência dos pleitos. Criou-se a confusão.
Dúvidas técnicas se multiplicaram e se
converteram em munição para Bolsonaro, que arrastou
também seu partido para a ofensiva. Presidente do TSE, Alexandre de
Moraes buscou contemporizar, cedendo aos fardados e permitindo que fizessem
duas checagens adicionais no primeiro turno.
Numa delas, 385 boletins de urnas foram
fotografados, tendo seu resultado cotejado com os dados enviados a Brasília.
Noutra, até 10% das 640 urnas foram submetidas a testes de integridade e seus
sistemas de biometria avaliados.
Ainda não houve
manifestação da Defesa acerca do resultado aferido. Como não se
trata exatamente de cálculo de física quântica, a demora levou o Tribunal de
Contas da União (TCU) a cobrar explicações.
Não por acaso, Bolsonaro, que segue atrás
de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa, voltou a questionar o sistema
eleitoral e conclamou seus apoiadores a fazerem cercos a pontos de votação, ecoando
a tática de Donald Trump que levou à invasão do Capitólio.
Não há novidade no fato de que o presidente é afeito a golpismos. Mas o silêncio dos militares é injustificável, por permitir a leitura de que são coadjuvantes na farsa.
Suspeita laranja
Folha de S. Paulo
Há novos sinais de candidatos de fachada à
Câmara, hoje mais vital para siglas
O caminho para o inferno está pavimentado
de boas intenções, diz o velho provérbio segundo o qual bons propósitos nem
sempre são suficientes para fazer com que algo funcione adequadamente.
Esse é o caso da legislação e das
resoluções do TSE que estabelecem cotas de gênero e raça na distribuição da
verba do fundo eleitoral.
Pelas regras, os partidos devem destinar
parte da verba na proporção das candidatas (nunca menos de 30%) e dos
candidatos negros que lançar. O objetivo é elevar a participação de minorias em
cargos políticos com mandato.
Na prática, porém, a norma não tem
funcionado tão bem. A participação de mulheres e negros tem crescido, mas não
na proporção que se desejaria. Além disso, e ainda mais grave, manipulações e
até fraudes são investigadas.
Reportagem
da Folha mostrou que, neste ano, R$ 50,6 milhões do fundo
foram destinados a 1.430 candidatos de cotas a deputado federal que obtiveram
menos de 300 votos cada. Alguns desses casos podem ter explicação legítima, mas
parece provável que os números escondam tentativas de burla.
O caso expõe um desalinhamento de
interesses. Os partidos sempre procuraram constituir as maiores bancadas na
Câmara. Recentemente, entretanto, devido a uma série de reformas e decisões
judiciais, ser maioria se tornou prioridade para as siglas.
O Supremo Tribunal Federal proibiu doações
de empresas, em decisão duvidosa que levou ao advento do ainda mais controverso
fundo eleitoral —distribuído conforme o tamanho das bancadas federais. Do lado
das medidas corretas, entraram em vigor a cláusula de desempenho e o fim das
coligações em eleições proporcionais.
Como o número de deputados é fundamental, a
estratégia dos partidos passa a ser investir o máximo nas campanhas dos
chamados puxadores de votos ou, ao menos, nas candidaturas tidas como certas.
Nesse contexto, a obrigação de financiar
nomes menos conhecidos pode levar partidos a simularem candidaturas de minorias
apenas para cumprir as cotas, mas redistribuir o dinheiro para os concorrentes
mais competitivos.
Se tal hipótese for confirmada, trata-se de fraude —a repetir escândalo de 2018 envolvendo o PSL, então partido de Jair Bolsonaro, hoje no PL— que precisa ser identificada e punida pela Justiça Eleitoral.
Um país com medo
O Estado de S. Paulo
A Lula e Bolsonaro parece bastar que os eleitores sintam receio – da volta do PT ou de uma ditadura bolsonarista. Campanha de 2.º turno deveria ser tempo de um debate mais qualificado
O recado das urnas foi claro. Ao não
consagrarem um vencedor no primeiro turno da eleição para a Presidência, os
eleitores manifestaram o desejo de conhecer mais a fundo os planos de governo
de Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL). No entanto, a julgar pela miséria
propositiva que marca as campanhas dos dois candidatos, os eleitores não
poderiam se sentir mais frustrados. Na ausência de um debate maduro sobre o
futuro do País, o que tem sobrado é o culto à personalidade. Ao invés de
propostas, ameaças e chantagens. Ao invés de esperança, aflição e medo.
Lula e Bolsonaro transformaram o segundo
turno da eleição presidencial em uma longa noite de 28 dias. Até parece que não
haverá um Brasil a ser governado com responsabilidade a partir de 1.º de
janeiro de 2023. Grande parte dos eleitores de um e de outro vive em estado de
permanente tensão, em boa medida estimulado pelos próprios candidatos.
Os eleitores de Jair Bolsonaro são levados
pelo medo de que uma eventual vitória do petista representaria a volta dos
grandes escândalos de corrupção, do alinhamento automático do Brasil a
ditaduras de esquerda mundo afora e do avanço de projetos liberais ligados aos
costumes.
Já os eleitores de Lula da Silva temem que,
em caso de reeleição, Bolsonaro teria mais força para avançar com seu projeto
de enfraquecimento da democracia – sobretudo tendo em vista a nova conformação
de bancadas no Congresso a partir do ano que vem, em tese, mais alinhada a
pautas do incumbente. A bem da verdade, não é um receio de todo infundado, haja
vista que a experiência histórica mostra que populistas com pendor para a
autocracia usaram o segundo mandato para minar ainda mais as instituições
democráticas, em especial a independência do Poder Judiciário e da imprensa
profissional.
Para a grande maioria dos eleitores pouco
importa o que há de verdade ou exagero na base desses receios. Eis o sucesso
das campanhas que primam pela desinformação e pela desqualificação do
jornalismo profissional e independente. O conhecimento e a realidade factual parecem
não importar mais para a formação de opinião na era do “relativismo
pós-moderno”, fortemente baseada em um sistema de crenças, não de informações.
Nesse contexto de turvação da realidade, qualquer desvario passa a ser tido
como proposição política legítima, mera forma “alternativa” de ver o País e o
mundo, tão válida quanto qualquer outra.
Campanhas eleitorais, principalmente de
segundo turno, não deveriam servir para instilar medo nos eleitores. Deveriam
ser tempo de uma discussão mais profunda e racional – tanto quanto possível –
sobre o futuro do Brasil. Afinal, não são poucos, muito menos triviais, os
problemas à espera da ação corajosa e republicana do próximo presidente, em
sintonia fina com o Congresso. Contudo, desafortunadamente, a sociedade não
poderia estar mais distante desse objetivo.
Lula e Bolsonaro têm se empenhado em manter
o debate público ao rés do chão. Ambos têm estimulado os eleitores a decidir
seus votos com base no medo de uma eventual vitória do adversário – como se o
próximo presidente, seja quem for, não tivesse a obrigação de governar no
melhor interesse de todos os brasileiros.
Não há espaço para ingenuidade nesta
página. Emoções são componentes indissociáveis de qualquer disputa eleitoral, e
todas as campanhas, sem exceção, exploram os sentimentos mais básicos dos
eleitores. Seria ocioso esperar por um debate puramente racional quando o que
está em jogo é a luta pelo poder político. No entanto, o que há de novo nesta
campanha em particular é o completo abandono da racionalidade e do espírito
público pelos dois candidatos.
Para Lula e Bolsonaro parecem bastar a
desqualificação do adversário e a disseminação da repulsa e do medo, não a
apresentação de suas ideias, supondo que as tenham, para a construção de um
País mais próspero e justo. Trata-se, a um só tempo, de uma afronta ao espírito
da Constituição, que admite a possibilidade de eleição em dois turnos com
vistas ao aprofundamento do debate público, e ao pedido dos eleitores por um
debate mais civilizado e qualificado sobre os problemas mais prementes do
País.
O Brasil no quadro sombrio do FMI
O Estado de S. Paulo
Para 2023, economistas do Fundo preveem mais pressões inflacionárias, juros altos, cenário internacional tempestuoso e crescimento brasileiro, novamente, abaixo da média mundial
Guerra na Ucrânia, inflação elevada e alta
de juros tornam desafiante o cenário mundial, com perspectivas especialmente
sombrias para a América Latina, segundo as novas projeções do Fundo Monetário
Internacional (FMI). O crescimento geral deve passar de 3,2% neste ano para
2,7% no próximo. No caso dos latino-americanos, a taxa deve recuar de 3,5% para
1,7%. Com expansão estimada de 2,8% e 1% nesses dois períodos, o Brasil deve
continuar perdendo espaço na economia global, com crescimento bem inferior às taxas
de outros emergentes. O presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia,
Paulo Guedes, falam como se o País estivesse surfando uma onda de prosperidade
e dando um exemplo de vigor à maior parte do mundo. Cálculos do mercado e de
instituições multilaterais apontam, no entanto, um desempenho brasileiro muito
menos satisfatório. Os números do FMI são do relatório sobre Perspectivas da Economia Mundial,
preparado para a assembleia anual da entidade.
Pelas contas do mercado, o Brasil deve
apresentar neste ano um Produto Interno Bruto (PIB) 2,7% maior que o de 2021.
Em 2023 o crescimento deverá ficar em apenas 0,54%, segundo a última
pesquisa Focus. A mesma pesquisa inclui taxas de 1,7% em 2024 e de 2% em
2025. Pelos cálculos do FMI, o Produto Mundial crescerá 3,2% em 2027; o dos
emergentes, 4,3%, em média; e o do Brasil, 2%.
Nos cenários de médio e de longo prazos,
projeções do mercado e de entidades internacionais normalmente indicam, para a
economia brasileira, expansão anual de 2%, ou próxima dessa taxa. A explicação
vem sendo repetida há muitos anos: pouco se faz, no País, para ampliar seu
potencial produtivo.
A receita básica é bem conhecida. É preciso
investir muito mais em máquinas, equipamentos, infraestrutura, educação, saúde,
ciência e tecnologia. É necessário, também, aumentar a integração
internacional, melhorar o sistema tributário e criar um ambiente geral mais
propício aos negócios. Poucos segmentos industriais se tornaram mais
eficientes, modernos e competitivos nas últimas três décadas. Grandes avanços
foram observados apenas no agronegócio, em algumas atividades de outros
setores, como o financeiro, na exploração mineral e num conjunto restrito de
manufaturas. O segmento manufatureiro já foi mais competitivo no mercado
mundial.
O debate eleitoral teria sido muito mais
produtivo, desde o primeiro turno, se os candidatos houvessem apresentado
ideias mais elaboradas sobre a reindustrialização do País. Quem assumir a
Presidência, no começo de janeiro, só levará o Brasil de volta ao
desenvolvimento se der atenção às condições da indústria. Cometerá um erro
desastroso, no entanto, se confundir política industrial com protecionismo ou
com escolha de vencedores.
Mas o enfraquecimento da indústria,
acentuado nos últimos dez anos, é apenas um dos sinais mais visíveis da
estagnação brasileira. Entre 2004 e 2013, o crescimento brasileiro foi de 4% ao
ano, em média, num empate com o desempenho mundial (4,1%), segundo o FMI. Em
todos os anos entre 2014 e 2021 a evolução do Produto Mundial foi melhor que a
do Brasil e isso deve repetir-se neste ano e no próximo, de acordo com as
estimativas do Fundo.
Quem assumir a Presidência encontrará, de
imediato, dois desafios econômicos. Terá de montar uma política para o
desenvolvimento, assunto esquecido nos últimos anos, e de guiar o País num
ambiente global descrito pelo FMI como tempestuoso. O mundo já enfrenta
inflação, juros altos e efeitos da desaceleração, mas o “pior está por vir”,
segundo o relatório, “e para muitas pessoas 2023 doerá como uma recessão”.
O mais prudente, recomenda o texto, será
enfrentar os problemas sem recuo, com austeridade fiscal e com o aperto
monetário já iniciado. Como em outras ocasiões, o receituário inclui políticas
bem focadas de amparo aos mais vulneráveis. Afrouxar a política, adverte o
Fundo, poderá tornar mais custoso, adiante, o combate à inflação. O recado vale
para o Brasil, certamente, apesar de alguma acomodação recente dos preços ao
consumidor.
A deflação e o diabo dos detalhes
O Estado de S. Paulo
Queda forçada dos combustíveis reduz IPCA, mas índice registra alta em setores como saúde, educação e vestuário
Com a terceira queda mensal consecutiva em
setembro, a inflação em 12 meses medida pelo Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registra uma
notável redução. O recuo de 0,29% em setembro (depois de ter caído 0,68% em
julho e 0,36% em agosto) fez a alta em 12 meses ficar em 7,17%. A variação
continua muito acima da meta de inflação para 2022 (de 3,5%, com tolerância de
1,5 ponto porcentual), mas, se comparada com a alta superior a 10% observada
ininterruptamente de setembro do ano passado a julho deste ano, a inflação alta
dá a impressão de ter passado.
O exame do comportamento dos preços nos
últimos 12 meses dos nove grupos que compõem o IPCA, no entanto, sugere alguma
cautela. Nada menos do que seis grupos registraram alta maior, às vezes bem
maior, do que a do índice geral.
Os gastos com alimentação e bebida, por
exemplo, mesmo com redução de 0,23% em setembro, subiram 11,71% em 12 meses. Os
gastos com saúde aumentaram 9,0%, com educação, 7,21%; e com vestuário, 19,16%.
Por que, com o brasileiro médio continuando a gastar cada vez mais para comprar
a mesma quantidade de bens ou serviços, a inflação parece estar se reduzindo?
O grupo transportes subiu apenas 3,60% em
12 meses e o grupo habitação, 1,64%. Foi a pequena variação desses dois grupos
que puxou o IPCA para baixo. E isso foi alcançado por meio de forte pressão do
presidente Jair Bolsonaro sobre a Petrobras para reduzir o preço dos
combustíveis e de ação do governo federal sobre os governadores para a redução
dos impostos estaduais da energia elétrica. O preço dos combustíveis caiu
17,02% em 12 meses e o da energia elétrica residencial, 17,51%.
Se o preço da gasolina tivesse permanecido
estável, não teria havido deflação no período julho-setembro. É como se a
inflação estivesse sendo contida no grito ou na paulada. Há custos e riscos
implícitos nessa forma de conter preços. O corte da tributação estadual sobre
energia elétrica e outros itens imporá dificuldades para as finanças estaduais
que terão que ser encaradas em algum momento no futuro próximo. A queda forçada
do preço dos combustíveis, auxiliada pela redução da cotação internacional do
petróleo, tem prazo de validade. Novas altas do petróleo estão sendo previstas,
no momento em que os preços internos dos produtos refinados registram defasagem
que, segundo alguns cálculos, já chega a 10%.
Não sem razão, o Banco Central vem advertindo que a inflação continua a preocupar. A alta dos juros decidida seguidamente pelo Copom nos últimos meses começa a fazer efeito. Mais pessoas e empresas começam a ter dificuldades para honrar seus compromissos financeiros. Com ofertas generosas de crédito, mais pessoas buscaram empréstimos nas instituições financeiras. Agora, começam a surgir dificuldades para o pagamento das prestações. O volume de consumidores que atrasaram o pagamento de dívidas chegou a 30%, o maior da pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo desde 2010. É sinal de problemas à frente.
Riscos de crises e de recessão crescem na
economia mundial
Valor Econômico
Para FMI, é melhor pecar por excesso do que
por prudência no aperto monetário em curso
A economia global encerrou o segundo
trimestre em contração e seus piores momentos ainda estão por vir, avalia o
Fundo Monetário Internacional em seu Panorama da Economia Mundial. Na metade
final do ano, países que compõem um terço do PIB mundial registrarão dois
trimestres consecutivos de queda. O Fundo manteve a previsão de crescimento global
de 3,2% neste ano e rebaixou a do ano que vem a 2,7%. O nível corrente de
atividade já é inferior ao da média deste século (2000-2021), de 3,6%.
O relatório do Fundo confirma que tudo o
que poderia dar errado está dando, em uma sucessão de choques que produziu um
desafio inédito em quatro décadas - inflação elevada e persistente nas
economias avançadas. Os fatores de incertezas, que correm risco de se
intensificarem, são conhecidos. Os preços dos alimentos e commodities
dispararam ao fim da pandemia, os programas bilionários de auxílio financeiro
elevaram a demanda quando as cadeias de produção haviam sido rompidas, e seguem
causando distúrbios com a volta da covid-19 a seu berço de origem, a China, que
continua combatendo-a da mesma forma: com rígidos lockdowns envolvendo centenas
de milhões de pessoas em cidades economicamente importantes.
O mais recente impulso inflacionário e de
ruptura na produção veio da invasão da Ucrânia pela Rússia. Os preços da
energia quadruplicaram na Europa e subiram no resto do mundo. O fornecimento de
gás russo, do qual os europeus dependem, é hoje de 20% do que foi. O custo
subiu e pode subir ainda mais no inverno, em uma mudança do setor de energia
que o FMI qualifica de estrutural. Com isso, a inflação chegou perto de 10% nas
economias desenvolvidas e passou disso nas emergentes. A variação do nível de
preços global será de 8,8% em 2022, 6,5% em 2023 e 4,1% em 2024. Seu pico será
no segundo semestre, com a média dos emergentes atingindo 11%, magnitude não
vista desde 1990, no século passado.
A reação aos efeitos dos vários choques
adversos foi a elevação forte e rápida das taxas de juros em toda parte, com
particular intensidade nos países da Europa e nos Estados Unidos, acostumados a
juros muito baixos ou negativos por mais de uma década. Com a reação
unidirecional dos bancos centrais, na maior parte do planeta, as chances de
recessão global cresceram. Não é ainda o cenário do FMI, que a restringe em
2023 à Alemanha e Itália. O relatório disse que há 25% de chances de o crescimento
global ser inferior a 2% em 2023 e 10% de probabilidade de recessão.
O aperto da política monetária trouxe mais
riscos para a economia global, além da ameaça de recessão. O dólar, pelo ritmo
agressivo de aumento dos juros do Federal Reserve, disparou em relação a quase
todas as moedas, colocando pressão adicional sobre países emergentes e pobres
que são muito endividados na moeda americana. Ao mesmo tempo, os fluxos de
recursos estão de novo deixando esses países e procurando o porto seguro dos títulos
americanos.
O dólar valorizou-se no ano 15% em relação
ao euro, 10% sobre a moeda chinesa, 20% sobre a libra esterlina. Em vários
países, isso contribui para elevar uma inflação já alta e forçar uma política
monetária ainda mais restritiva para diminuir o diferencial de juros favorável
aos EUA, que aprecia o dólar, provocando crescimento menor e asfixiando a
capacidade de pagamento diante de uma dívida maior.
Juros mais altos nos EUA e maior força do
dólar podem criar crises de dívida em vários países. Títulos soberanos de 14
nações estão com prêmio de risco superior a 10 pontos percentuais em relação ao
do Tesouro dos EUA, seis dos quais estão em default. Outro relatório, o de
Estabilidade Financeira Global, o Fundo registra que um teste de estresse com
premissas menos favoráveis que o do cenário atual faria com que alguns bancos
dos países desenvolvidos e 29% dos maiores bancos de países emergentes
necessitassem capital adicional.
O Brasil deve crescer 2,8% este ano, abaixo
da média dos emergentes, um pouco abaixo da média mundial, de 3,2%, e bem
abaixo da dos emergentes, de 3,7%, estima o FMI. Em 2023, a previsão para o
Brasil recua a 1%. Os países mais ricos estão tendo maior peso na desaceleração
global. Com os choques de 2022, o PIB global em 2024 será 4,6% menor do que
seria se a tendência de crescimento anterior à pandemia prevalecesse.
O FMI recomenda o prosseguimento do aperto
monetário para debelar a inflação. Como também pensa o Fed, segundo ata
divulgada ontem, o risco maior hoje é errar para menos, e não para mais.
"Não há novidade no fato de que o presidente é afeito a golpismos. Mas o silêncio dos militares é injustificável, por permitir a leitura de que são coadjuvantes na farsa"
ResponderExcluirPois é, milicos coadjuvando uma farsa. Por que não me surpreendo?
Mais trabalho pra Lula, devolver dignidade às FA, tão humilhadas pelo atual governante.
Haverá tanto a reconstruir!
"Bolsonaro ainda teve a pachorra de dizer que os militares tinham de ter se esforçado mais"
ResponderExcluirPô, milicos, essa foi na clavícula.
O ocupante do Palácio diz q vcs ficaram na moleza.
Por que estou sendo desagradavelmente irônico nestes comentários?
Porque percebo q os militares brasileiros ainda apoiam majoritariamente o bolsonaro, q tanto os humilha e os usa como massa de manobra, como instrumento (Aliás, pra q servem as FA? Ótimo, vão fazer isso. Mas percebam q auditar urna não consta na lista.).
E sei q Lula os tratou muito melhor.
E bolsonaro foi e é desastroso pro país.
Repensem o seu apoio.