sexta-feira, 14 de outubro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões 

Vilipêndio da fé e da democracia

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro avança na manipulação eleitoral da fé e desrespeita até o Dia da Padroeira do Brasil. A tática agride a democracia e tira o foco das questões seculares que precisam ser debatidas

Depois de ter transformado o Bicentenário da Independência em comício, o presidente Jair Bolsonaro valeu-se do Dia da Padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, para explícita manipulação da fé com fins eleitorais. Infelizmente, tornou-se habitual que candidatos usem espaços religiosos para angariar votos, mas o bolsonarismo pôs a manipulação religiosa noutro patamar. 

O que ocorreu na cidade de Aparecida (SP) no dia 12 – quando Bolsonaro transformou o evento religioso em oportunidade para a produção de imagens para sua campanha e seus fanáticos seguidores fizeram baderna em frente à Basílica, mostrando ter maior devoção por seu “mito” do que pela Virgem – afronta não apenas o regime democrático, como a própria natureza específica do fenômeno religioso.

No Brasil, o Estado é laico – isto é, não abraça, defende ou privilegia as religiões. Nenhum político concorre a uma função de natureza religiosa. A religião pessoal do candidato – ou a ausência dela – não tem nenhuma relevância pública. É tema de ordem privada.

Jair Bolsonaro, no entanto, não apenas não entende o princípio da laicidade do poder estatal, como o desrespeita explicitamente. Ao indicar André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, repetiu diversas vezes que sua escolha se baseava na orientação religiosa do indicado. Ou seja, Jair Bolsonaro defendeu que a religião deve orientar a atuação de um juiz – o que é rigorosamente inconstitucional – e ainda tentou obter proveito político-eleitoral dessa confusão – como se os fiéis daquela igreja tivessem uma dívida com Jair Bolsonaro por causa da indicação de um “ministro terrivelmente evangélico”.

Precisamente em razão da laicidade do Estado, a Constituição de 1988 assegura a liberdade religiosa e de culto a todos os cidadãos. Professar ou não uma fé não qualifica ou desqualifica ninguém. Todos – sejam crentes, ateus, agnósticos ou indiferentes ao tema religioso – são iguais perante a lei. É incompatível com a República qualquer tipo de privilégio ou discriminação em função da religião.

No entanto, com o bolsonarismo, a laicidade do Estado é relegada a um segundo plano. Sabendo que a grande maioria dos brasileiros é religiosa, a campanha de Jair Bolsonaro tem dado à fé um caráter de trunfo eleitoral, como se as eleições fossem uma batalha entre questões religiosas, e não uma disputa política que, num Estado laico, nada tem a ver com religião. Em Aparecida, foi preciso que um prelado, o padre Camilo Júnior, recordasse o óbvio: que igreja não é lugar de política. “Hoje não é dia de pedir votos, é dia de pedir bênçãos”, disse o padre na missa.

Na véspera do feriado religioso, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) voltou a lembrar que a manipulação religiosa “desvirtua valores do Evangelho e tira o foco dos reais problemas que precisam ser debatidos e enfrentados no País”. A mesma mensagem tinha sido transmitida pelos bispos católicos em uma nota em setembro, diante da instrumentalização da religião “protagonizada por políticos e religiosos”.

Nesta semana, a entidade católica foi firme em reprovar o uso de “momentos especificamente religiosos” por candidatos “para apresentarem suas propostas de campanha e demais assuntos relacionados às eleições”. A mensagem não podia ser mais cristalina: “Ratificamos que a CNBB condena, veementemente, o uso da religião por todo e qualquer candidato como ferramenta de sua campanha eleitoral”.

O alerta da entidade serve a todos os candidatos, sem exceção. Mas é preciso reconhecer que, com Jair Bolsonaro, o tema ganhou outra gravidade. O bolsonarismo tem afirmado que a liberdade religiosa corre risco nessas eleições. Logicamente, sendo a fé um aspecto vital para muitos brasileiros, tal afirmação desperta imediata preocupação. Na quarta-feira, Jair Bolsonaro voltou a fazer insinuações nesse sentido. “Em alguns momentos, passamos um tempo atrás, o fechamento de igrejas e templos evangélicos. Isso não é admissível”, disse.

Como se fosse candidato a sumo sacerdote fundamentalista, e não a presidente, Bolsonaro quer transformar a eleição em guerra santa – que desvia a atenção das questões seculares que o presidente é incapaz de debater.

Abuso da liberdade de expressão

O Estado de S. Paulo

Caso do extremista condenado a indenizar em US$ 1 bi famílias de vítimas de massacre que ele difamou mostra que nem nos EUA liberdade de expressão é licença para disseminar fraudes

Em 2012, um jovem invadiu uma escola do distrito de Sandy Hook, em Connecticut, nos EUA, e matou 20 crianças de seis e sete anos, além de seis funcionários e a própria mãe, antes de se matar. Dez anos depois, o massacre volta a ganhar destaque na mídia, não tanto em razão do debate sobre como combater tiroteios em massa, mas sim sobre como combater mentiras em massa.

Imediatamente após a tragédia, o radialista de extrema direita Alex Jones, criador do site de desinformação InfoWars, afirmou que o ataque foi uma “gigantesca encenação” do governo para justificar o confisco de armas dos cidadãos. Os pais passaram a ser alvo de ameaças de morte e assédio. Muitos se mudaram para longe e têm medo de visitar os túmulos de seus filhos. Ter um filho assassinado por um psicopata é um inferno inimaginável. Mas ser forçado a se esconder por fanáticos políticos acrescenta um grau intolerável de tortura. “Cada uma dessas famílias estava se afogando no luto, e Alex Jones colocou o pé em cima delas”, disse um dos advogados dos pais.

Jones acaba de ser condenado por um júri de Connecticut a indenizar 14 parentes das vítimas e um agente do FBI em valores que beiram US$ 1 bilhão.

O caso é emblemático por se passar em um país onde o direito à liberdade de expressão é quase absoluto. Quase: a jurisprudência constitucional norte-americana é notoriamente permissiva em relação a abusos que desafiam legisladores e juristas ao redor do mundo, como desinformação, discursos de ódio ou ataques à democracia. Mas Jones não foi condenado por esses abusos, e sim por difamação. É um sinal de que a liberdade de expressão tem limites. A Primeira Emenda não é uma licença para disseminar fraudes e, se elas deixarem vítimas, o preço pode ser alto.

Uma das mães das crianças comparou o conspiracionismo a um vírus: sempre em mutação, tornando-se endêmico em uma sociedade que lida com “fatos alternativos”. Teorias da conspiração sempre existiram. Mas em nosso tempo há peculiaridades. “Vemos hoje algo diferente: ‘a conspiração sem a teoria’”, disseram em entrevista à revista The Economist N.L. Rosenblum e R. Muirhead, autores do livro The New Conspiracism and the Assault on Democracy. “Seus proponentes dispensam evidências e explicações. Suas acusações tomam a forma de afirmações cruas.” Outras peculiaridades alarmantes são os meios de difusão e a proximidade ao poder.

A desgraça das famílias e a fortuna de Jones – que ganhou milhões vendendo produtos em seu site – foram ampliadas pelos algoritmos das redes sociais, que facilitaram a disseminação de conteúdos ultrajantes, porque conteúdos ultrajantes geram engajamento. Em 2018, as redes tiraram de Jones sua plataforma, mas continuam a disseminar outras mentiras em troca de cliques.

Seria tentador dispensar Jones como um fenômeno marginal. Mas, pouco antes das eleições de 2016, ele entrevistou Donald Trump, desfez-se em elogios e recebeu elogios em troca. No Brasil, o presidente da República, Jair Bolsonaro, é o principal artífice de uma teoria da conspiração contra o sistema eleitoral. E o presidente da maior potência nuclear do planeta, o russo Vladimir Putin, é um implacável difusor de teorias conspiratórias.

“Há quem diga que devemos combater fogo com fogo e retaliar acusações conspiratórias raivosas e infundadas de deslealdade e ilegitimidade na mesma moeda”, dizem Rosenblum e Muirhead. “Já nós pensamos que a melhor maneira de resgatar a realidade é combater fogo com água: o recurso escrupuloso a argumentos, evidências e explicações disponíveis a qualquer um e, sobretudo, sujeitos à correção.”

Sem prejuízo das compensações às vítimas dos teóricos da conspiração, o combate às suas mentiras é uma responsabilidade coletiva, que deve envolver governos, empresas de tecnologia, a sociedade civil e cada cidadão. “Onde quer que o conspiracionismo esteja remodelando a vida pública, dois preventivos são vitais”, afirmam Rosenblum e Muirhead: “Defender a integridade das instituições que produzem conhecimento e impulsionar a confiança no lastro do senso comum”.

O estranho silêncio da Defesa

O Estado de S. Paulo

Testes do TSE provam a lisura das urnas. É estranho que, tantos dias depois da eleição, a Defesa não divulgue os seus

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revelou que a testagem das urnas utilizadas no primeiro turno comprovou sua lisura. A amostragem foi realizada com 2.044 eleitores de 58 seções que concordaram em ceder suas digitais. Houve 0% de divergência entre os votos digitados e os computados. “Ou seja, no primeiro turno das eleições de 2022 se repetiu o que ocorreu nas eleições de 2020, 2018, 2016, 2014, 2012, 2010, 2008, 2006, 2004 e 2002”, disse o presidente da Corte, Alexandre de Moraes. Outra apuração, a do Tribunal de Contas da União (TCU), concluiu a mesma coisa. Além disso, foi conduzido um terceiro teste, pelos militares, amplamente defendido pelo presidente Jair Bolsonaro como a única garantia de lisura das eleições. Qual a sua conclusão? Não se sabe, pois seus resultados não haviam sido divulgados até ontem, mais de uma semana depois das eleições.

O que todos sabem bem até demais é que Bolsonaro tudo fez e faz para desacreditar o processo eleitoral. Segundo o presidente, as urnas não só seriam fraudáveis, como foram fraudadas em 2018 e 2014. Ele já desperdiçou tempo precioso do Congresso no auge da pandemia com a pauta intempestiva do voto impresso, que foi rejeitado. Depois, passou a afirmar que o TSE fazia sua apuração em uma inexistente “sala secreta”. A dias do primeiro turno, sugeriu que, se não ganhasse com 60% dos votos, seria sinal de fraude. Dias depois da votação, afirmou que ela teve “alguns problemas”, sem dizer, como sempre, quais nem apresentar provas. Ainda na noite das eleições, declarou que aguardaria o tal parecer das Forças Armadas. A população aguarda até hoje.

Vale lembrar que o ministro da Defesa, o general Paulo Sérgio Nogueira, que atuou para dar ares de legitimidade às suspeitas golpistas de Bolsonaro, impediu o acesso da imprensa ao gabinete em que realizou sua contagem paralela. Além de obscura, essa apuração foi espúria: não faz parte das atribuições constitucionais das Forças Armadas fiscalizar eleições. Por fim, a tal fiscalização foi bancada com dinheiro público, razão pela qual é dever de quem a encomendou e realizou divulgar seus resultados. 

O Ministério da Defesa não é uma entidade privada que pode ser usada pelo presidente da República para fins particulares. A tentativa escandalosa de Bolsonaro de arrastar as Forças Armadas para a arena política é danosa para os militares e, obviamente, para o País. Mas, já que as Forças Armadas foram envolvidas no imbróglio da fiscalização das urnas, a Defesa tem a obrigação legal de se manifestar, sem delongas nem tergiversações.

Se o relatório tardar ainda mais em aparecer, torna-se lícito supor que a tal fiscalização mostrou que o sistema eleitoral é plenamente confiável, o que contraria a litania golpista de Bolsonaro, e por isso não pode ser divulgada. Mas há ainda uma outra hipótese: a de que os militares, tantos dias depois da votação, ainda não conseguiram concluir o trabalho. Essa possibilidade, no entanto, parece remota, porque não condiz com a imagem de competência que as Forças Armadas construíram para si mesmas.

Brindes fiscais e orçamento secreto amparam Bolsonaro

Valor Econômico

Verbas para o Centrão e projetos eleitoreiros reequilibram disputa que parecia perdida

O orçamento secreto e sua contrapartida, a liberdade que a base governista deu ao presidente Jair Bolsonaro para que ampliasse gastos eleitorais, produziram o resultado desejado. As legendas do Centrão avançaram em todo o país, não só na Câmara dos Deputados e no Senado, mas também nas Assembleias Legislativas até nos Estados em que a votação do candidato de oposição, Luiz Inácio Lula da Silva, foi muito maior que a de seu oponente. Bolsonaro, por seu lado, não garantiu a reeleição, mas mostrou força suficiente para ameaçar o favoritismo de Lula.

O orçamento secreto foi peça fundamental para que o Centrão não apenas dominasse a coordenação política do governo Bolsonaro e se tornasse eixo necessário de aprovação dos projetos econômicos de interesse comum, como também para barrar todas as tentativas de retirar o presidente do cargo por meio de impeachment. Como contrapartida, as legendas fisiológicas foram mais longe do que seu “centrismo” até hoje fez supor ao apoiar um candidato tão radical à direita para manter-se na Presidência.

Esse acordo, feito nos momentos mais difíceis para Bolsonaro, entre uma e outra onda mortífera de covid-19, revelou-se sólido, eficaz e proveitoso para todos os envolvidos.

Mesmo que o fundo eleitoral tenha mais que duplicado, para R$ 4.9 bilhões, o orçamento secreto manipulou mais que o triplo desse montante. Como não é democrático, nem transparente, as emendas do relator não beneficiam por igual todos os partidos, nem todos os parlamentares, nem sequer todos os que pertencem a uma mesma legenda. A elite da cúpula governista do Congresso escolhe quem vai receber o dinheiro das emendas e os beneficiários, que indicam aonde o dinheiro será gasto.

O início das investigações sobre mau uso do dinheiro público pela Codevasf, dirigida e loteada entre políticos do Centrão, mostra um dos efeitos lógicos dessas emendas feitas nas sombras: suspeitas de superfaturamento de bens, desperdício e desvio de recursos, enriquecimento ilícito.

Uma montanha de dinheiro fluiu, assim, para bases eleitorais de partidos do Centrão, cuja cúpula tinha, pelos fundos eleitoral e partidário, o poder de selecionar como e com quem gastar os recursos. Boa parte dos eleitores que votam em Lula reconheceram com votos os candidatos ao Legislativo que propiciam melhorias a suas cidades - e, nesse caso, ninguém teve tanto poder financeiro quanto os partidos do Centrão.

Um dos principais objetivos de PL. PP, Republicanos foi atingido: ter influência política determinante para delimitar a capacidade dos Executivos de governar e aprovar seus projetos. No Congresso, seu poder cresceu e se tornará decisivo se Arthur Lira permanecer no comando da Câmara. No Senado, bolsonaristas e fisiológicos cobiçam abertamente o cargo de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com vários pretendentes.

Bolsonaro, por seu lado, recebeu do Centrão um cheque em branco para melhorar sua “competitividade”. Sucederam-se uma série de medidas eleitoreiras, desde as que beneficiaram clientelas de voto específicas, como auxílio aos caminhoneiros, até as amplas, para turbinar a economia e melhorar a avaliação do governo às vésperas do pleito. As previsões de crescimento encostaram nos 3% como resultado de estímulos de todo o tipo, que somaram cerca de R$ 300 bilhões, sendo os principais o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600, furando o teto de gastos com a PEC Kamikaze, e a retirada de impostos federais, e diminuição dos estaduais, sobre combustíveis, comunicações e transportes.

Bolsonaro antecipou o pagamento do Auxilio Brasil de outubro para cair no intervalo da votação em segundo turno, criou crédito consignado para os cadastrados no Auxilio Brasil. O ministro das Minas e Energia, Adolfo Sachsida, prometeu que a conta de luz cairá em 10% em breve, sem dizer como. Bolsonaro usou festas cívicas para fazer campanha eleitoral sem rebuços e várias de seus atos estão na fronteira, ou já a cruzaram, do abuso de poder político e econômico, mas a Procuradoria Geral da República, a quem cabe verificar a adequação legal da blitzkrieg eleitoral do presidente, preferiu o mutismo.

O presidente se queixa de perseguição do Supremo Tribunal Federal e do TSE, mas não sofreu o menor constrangimento em obter do Congresso recursos de duvidosa conformidade com as boas práticas administrativas para tentar obter as boas graças dos eleitores. Com isso, reequilibrou uma disputa que parecia perdida.

Queda na vacinação é inaceitável

O Globo

Dos municípios brasileiros, 70% não atingiram as metas de imunização para o ano passado

É desolador o panorama da vacinação infantil no país traçado pela Confederação Nacional dos Municípios. Como mostrou o Jornal Nacional, 70% das cidades brasileiras não atingiram as metas de imunização para as crianças em 2021. Uma lástima. O problema não está apenas em não alcançar os índices de proteção recomendados. A cobertura vacinal vem caindo ano a ano sem que nenhuma esfera de governo apresente soluções eficazes, além das óbvias campanhas de vacinação, para elevar os percentuais.

Os números traduzem a gravidade da situação. No caso da vacina BCG (proteção contra a tuberculose), 68% dos municípios tinham atingido a meta em 2007. No ano passado, apenas 22%. Na pentavalente (contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e a bactéria Haemophilus influenzae tipo b), o percentual despencou de 62,8% em 2013 para 27,1% em 2021. Na hepatite B, de 26% em 2014 para 10,8%.

A vacina contra a poliomielite é um caso à parte. A campanha de vacinação contra a doença acabou em 30 de setembro sem que o país atingisse a meta de 95%. Pelos dados do Ministério da Saúde, a cobertura está em 63%. Vários estados decidiram prorrogar a campanha. A baixa cobertura tem causado preocupação. Embora o último caso no Brasil tenha sido registrado em 1989, a vulnerabilidade abre as portas ao retorno da pólio. Seria uma tragédia e um atestado de incompetência dos três níveis de governo. No início do mês, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reconheceu que o país está na zona de alto risco para reintrodução da pólio.

É lamentável que o Brasil, cujo Programa Nacional de Imunizações (PNI) foi referência mundial, esteja nessa situação. Até onde se sabe, salvo exceções pontuais, não faltam vacinas. Em alguns lugares até sobram, e parte vai para o lixo devido à perda dos prazos de validade. Um absurdo.

Muitas razões levam as vacinas a encalhar. Não se podem desprezar os efeitos nefastos das campanhas antivacina, onda mundial que no Brasil tem como protagonista o presidente da República, Jair Bolsonaro. Mas a afronta à ciência é apenas parte do problema. Como acontece noutros países, longos períodos sem registro de casos de doenças evitáveis transmitem à população a falsa sensação de que não há mais risco. Engano. O risco ressurge com a baixa proteção. Há que considerar também a falta de campanhas de esclarecimento sobre a importância da vacinação. E as falhas estruturais, como má localização dos postos e horários inadequados que dificultam um serviço que deveria ser fácil e acessível.

Impressiona também a leniência do Ministério da Saúde. Faz quase um mês que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a vacina da Pfizer contra a Covid-19 para crianças de 6 meses a 4 anos. Mas até agora o governo não comprou as doses.

O Ministério da Saúde, a quem cabe o papel de coordenação, deveria divulgar e incentivar iniciativas bem-sucedidas de estados e municípios. Há prefeituras que criaram “vacinômetros” móveis para levar as doses a comunidades mais distantes. Outras vão às escolas para imunizar as crianças. A caderneta de vacinação atualizada deveria ser obrigatória para beneficiários dos programas sociais dos governos. Soluções para ampliar os índices indigentes de vacinação não faltam. O que falta é responsabilidade dos governantes que expõem o país ao risco de ressuscitar até doenças erradicadas no passado.

Libertação de CAC revela limite da política armamentista de Bolsonaro

O Globo

Está solto colecionador que mantinha arsenal com 54 armas e foi flagrado negociando com crime organizado

No dia 25 de janeiro, uma operação da Polícia Civil e do Ministério Público do Rio apreendeu um arsenal com 26 fuzis, 21 pistolas, três carabinas, dois revólveres, uma espingarda e um rifle. Segundo as investigações, o armamento, avaliado em R$ 3 milhões, e a casa onde estava guardado pertenciam a Vítor Furtado Rebollal Lopez, preso em Goiás quando transportava 11 mil cartuchos para fuzis. Vítor, que tinha registro de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC), comprara as armas legalmente para, segundo a polícia, revendê-las a traficantes de uma facção criminosa fluminense.

Oito meses depois da apreensão, ele já está solto. Ainda responde pelo crime de associação ao tráfico, mas foi beneficiado pelos decretos do presidente Jair Bolsonaro que aumentaram o limite de armas e munições para os CACs. Antes do atual governo, eles poderiam ter no máximo 18 armas, e fuzis eram proibidos, já que o acesso era restrito às forças de segurança. Hoje podem ter até 60, incluindo fuzis. Por isso as 54 armas encontradas em sua casa não afrontam a legislação. A apreensão dos cartuchos para fuzis também não configura crime.

Ficou evidente nas investigações que Rebollal não agia como colecionador de armas. Nenhum colecionador manteria em casa 25 fuzis idênticos. E escutas com autorização da Justiça flagraram as negociações para venda do armamento a traficantes do Rio. Com base nessas provas, em 23 de julho ele foi condenado pela 1ª Vara Criminal de São Gonçalo a três anos de prisão. A Justiça determinou também a cassação de seu registro de CAC. Duas semanas depois, a 3ª Câmara Criminal o libertou, mediante uso de tornozeleira eletrônica.

O caso de Rebollal não é isolado. Em julho, a Polícia Federal deflagrou uma operação na Região dos Lagos para investigar o uso de laranjas na compra de armas legais para o crime organizado. É óbvio que os mais de 30 Atos Normativos de Bolsonaro que facilitam o acesso a armas e munições abriram brechas para criminosos. Está claro também que o controle desses registros é falho, como demonstra o caso Rebollal.

O risco dessa política insensata não está apenas em armar as organizações criminosas. A tragédia está também no descontrole. É alarmante que em Sobral, no Ceará, um adolescente tenha usado uma arma registrada em nome de um CAC para atirar contra colegas de escola (um deles morreu).

Em quase quatro anos de mandato, o governo Bolsonaro não foi capaz de oferecer à população uma política de segurança eficaz. Facilitar o acesso a armas e munição sob o pretexto de proteger o cidadão pode servir à propaganda bolsonarista, mas não é — nem nunca foi — política de segurança. Além de não reduzir os altos índices de violência em todo o país, ainda facilita a vida da bandidagem. É inadmissível que criminosos sejam abastecidos com armas compradas legalmente graças a uma legislação equivocada e frouxa.

Lira, o vassalo

Folha de S. Paulo

Presidente da Câmara se curva a interesses de Bolsonaro ao ameaçar pesquisas

Ignorância, servilismo e má-fé se misturam na investida autoritária patrocinada pelo deputado Arthur Lira (PP-AL) contra as pesquisas de intenção de voto no Brasil.

Não satisfeito em criticar o trabalho dos institutos, o presidente da Câmara, agindo como vassalo de Jair Bolsonaro (PL), manobrou para acelerar a votação de um projeto de lei que criminaliza a divulgação dos levantamentos eleitorais.

Se aprovado, constituirá crime publicar pesquisa com números que, considerada a margem de erro, divirjam do resultado oficial. A regra se aplica a levantamentos veiculados nos 15 dias que antecedem o pleito e estabelece pena de prisão de 4 a 10 anos.

A iniciativa obscurantista tem como pano de fundo a disparidade entre os percentuais apresentados por algumas pesquisas antes do primeiro turno e os resultados alcançados por Bolsonaro e outros candidatos nas urnas.

Que existiu a disparidade é fato; classificá-la como erro é ignorância. Pesquisas de intenção de voto, com o perdão da redundância, medem intenção de voto em determinado momento. Retratam um quadro que não pode ser cotejado com a votação, pois esta reflete um momento diferente.

Procurar criminalizar as divergências existentes até 15 dias antes do pleito já adentra o terreno da má-fé. Migração de voto, decisão de última hora e abstenção podem provocar surpresas na reta final de uma eleição, alterando o quadro indicado pelos institutos.

Político experiente e oportunista, Lira sabe disso. Assim como sabe que a pena indicada no projeto de lei supera a de corrupção e pode ser maior até que a de homicídio, a depender do caso.

Se ele apoia a proposta, não é apesar de seus problemas, mas por causa deles. O deputado não pretende debater eventuais limitações dos institutos e aperfeiçoar suas metodologias. Quer tão somente impor a censura. Repete, com isso, uma pressão que outros políticos têm exercido há pelo menos 30 anos, inclusive com uma CPI.

Nunca se descobriu nada, mas não é essa a questão. Iniciativas dessa natureza têm o mero condão de intimidar atores independentes que buscam aumentar a transparência do processo democrático.

Não por outra razão, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) foi acionado contra os institutos de pesquisa, em uso do aparato estatal para atender a interesses de Bolsonaro. Ao mesmo submeteu-se a Polícia Federal, com a abertura de inquérito pedido pelo Ministério da Justiça.

Lira, assim como o presidente da República, a quem serve, sonha em enfraquecer as instituições e em monopolizar informações, em detrimento de cidadãos e eleitores.

Ecos bolsonaristas

Folha de S. Paulo

Tarcísio abraça obscurantismo ao rejeitar vacina obrigatória e câmeras em PMs

O candidato bolsonarista ao governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), busca apresentar-se como um técnico, sem apego a pregações ideológicas. Tal imagem, contudo, é nublada por seus acenos aos seguidores obscurantistas do presidente da República.

Como Jair Bolsonaro (PL), Tarcísio assume uma defesa distorcida da liberdade individual ao se declarar contrário à obrigatoriedade da vacinação —como se ignorasse que, em se tratando da saúde pública, prevalece, por definição, o interesse coletivo.

Nesse sentido, restringir o acesso de não vacinados a locais e eventos integra o rol de medidas de que o Estado dispõe para estimular a imunização e proteger a sociedade.

Vê-se a mesma insensatez na promessa de acabar com a bem-sucedida adoção de câmeras nos uniformes de policiais militares. Se colocada em prática, a medida representará grave retrocesso na política de segurança pública paulista.

Na argumentação de Tarcísio, os aparelhos inibiriam a liberdade de ação dos agentes de segurança, colocando "o bandido em situação de vantagem em relação ao policial".

O argumento falacioso, que mal disfarça o apelo ao corporativismo policial, não resiste aos fatos. As câmeras reduziram os enfrentamentos armados e, consequentemente, as mortes de policiais.

Considerando o terceiro trimestre dos três últimos anos, o número de confrontos teve queda de portentosos 87% nos 18 batalhões que empregam a tecnologia. Em 2021, nenhum policial militar foi morto em serviço nessas unidades.

Além disso, os aparelhos tendem a coibir a truculência e os abusos praticados pelos maus agentes. Nos últimos sete meses de 2021, a letalidade policial nas unidades que utilizam câmeras caiu 85%.

No total, as mortes causadas por PMs em enfrentamentos reduziram-se em 36% na comparação com o ano anterior.

Tarcísio erra ainda quando afirma que os aparelhos teriam reduzido a produtividade policial. Novamente, os dados mostram o oposto. Na mesma comparação trimestral, os batalhões com câmeras registraram um crescimento de 41,4% na quantidade de flagrantes e de 12,9% na de apreensão de armas.

Nesse aspecto, o candidato ora líder nas pesquisas e avesso a debates no segundo turno está em desacordo com a vasta maioria da população. Segundo apurou o Datafolha em julho, 91% dos paulistas são favoráveis a essa política.

2 comentários:

  1. "Bolsonaro avança na manipulação eleitoral da fé e desrespeita até o Dia da Padroeira do Brasil"

    Manipular e desrespeitar. Nisso o palerma da República é craque.

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  2. "Caso do extremista condenado a indenizar em US$ 1 bi famílias de vítimas de massacre que ele difamou mostra que nem nos EUA liberdade de expressão é licença para disseminar fraudes"

    Se isso valesse no Brasil, bolsonaro pagaria caro pelo tanto de mentiras q falou sobre a pandemia.

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