Editoriais / Opiniões
Vilipêndio da fé e da democracia
O Estado de S. Paulo
Bolsonaro avança na manipulação eleitoral da fé e desrespeita até o Dia da Padroeira do Brasil. A tática agride a democracia e tira o foco das questões seculares que precisam ser debatidas
Depois de ter transformado o Bicentenário
da Independência em comício, o presidente Jair Bolsonaro valeu-se do Dia da
Padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, para explícita manipulação da fé
com fins eleitorais. Infelizmente, tornou-se habitual que candidatos usem
espaços religiosos para angariar votos, mas o bolsonarismo pôs a manipulação
religiosa noutro patamar.
O que ocorreu na cidade de Aparecida (SP)
no dia 12 – quando Bolsonaro transformou o evento religioso em oportunidade
para a produção de imagens para sua campanha e seus fanáticos seguidores
fizeram baderna em frente à Basílica, mostrando ter maior devoção por seu
“mito” do que pela Virgem – afronta não apenas o regime democrático, como a
própria natureza específica do fenômeno religioso.
No Brasil, o Estado é laico – isto é, não abraça, defende ou privilegia as religiões. Nenhum político concorre a uma função de natureza religiosa. A religião pessoal do candidato – ou a ausência dela – não tem nenhuma relevância pública. É tema de ordem privada.
Jair Bolsonaro, no entanto, não apenas não
entende o princípio da laicidade do poder estatal, como o desrespeita
explicitamente. Ao indicar André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal
(STF), por exemplo, repetiu diversas vezes que sua escolha se baseava na
orientação religiosa do indicado. Ou seja, Jair Bolsonaro defendeu que a
religião deve orientar a atuação de um juiz – o que é rigorosamente
inconstitucional – e ainda tentou obter proveito político-eleitoral dessa
confusão – como se os fiéis daquela igreja tivessem uma dívida com Jair
Bolsonaro por causa da indicação de um “ministro terrivelmente evangélico”.
Precisamente em razão da laicidade do
Estado, a Constituição de 1988 assegura a liberdade religiosa e de culto a
todos os cidadãos. Professar ou não uma fé não qualifica ou desqualifica
ninguém. Todos – sejam crentes, ateus, agnósticos ou indiferentes ao tema
religioso – são iguais perante a lei. É incompatível com a República qualquer
tipo de privilégio ou discriminação em função da religião.
No entanto, com o bolsonarismo, a laicidade
do Estado é relegada a um segundo plano. Sabendo que a grande maioria dos
brasileiros é religiosa, a campanha de Jair Bolsonaro tem dado à fé um caráter
de trunfo eleitoral, como se as eleições fossem uma batalha entre questões
religiosas, e não uma disputa política que, num Estado laico, nada tem a ver
com religião. Em Aparecida, foi preciso que um prelado, o padre Camilo Júnior,
recordasse o óbvio: que igreja não é lugar de política. “Hoje não é dia de
pedir votos, é dia de pedir bênçãos”, disse o padre na missa.
Na véspera do feriado religioso, a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) voltou a lembrar que a
manipulação religiosa “desvirtua valores do Evangelho e tira o foco
dos reais problemas que precisam ser debatidos e enfrentados no País”. A mesma
mensagem tinha sido transmitida pelos bispos católicos em uma nota em setembro,
diante da instrumentalização da religião “protagonizada por políticos e
religiosos”.
Nesta semana, a entidade católica foi firme
em reprovar o uso de “momentos especificamente religiosos” por candidatos “para
apresentarem suas propostas de campanha e demais assuntos relacionados às
eleições”. A mensagem não podia ser mais cristalina: “Ratificamos que a CNBB
condena, veementemente, o uso da religião por todo e qualquer candidato como
ferramenta de sua campanha eleitoral”.
O alerta da entidade serve a todos os
candidatos, sem exceção. Mas é preciso reconhecer que, com Jair Bolsonaro, o
tema ganhou outra gravidade. O bolsonarismo tem afirmado que a liberdade
religiosa corre risco nessas eleições. Logicamente, sendo a fé um aspecto vital
para muitos brasileiros, tal afirmação desperta imediata preocupação. Na
quarta-feira, Jair Bolsonaro voltou a fazer insinuações nesse sentido. “Em alguns
momentos, passamos um tempo atrás, o fechamento de igrejas e templos
evangélicos. Isso não é admissível”, disse.
Como se fosse candidato a sumo sacerdote
fundamentalista, e não a presidente, Bolsonaro quer transformar a eleição em
guerra santa – que desvia a atenção das questões seculares que o presidente é
incapaz de debater.
Abuso da liberdade de expressão
O Estado de S. Paulo
Caso do extremista condenado a indenizar em US$ 1 bi famílias de vítimas de massacre que ele difamou mostra que nem nos EUA liberdade de expressão é licença para disseminar fraudes
Em 2012, um jovem invadiu uma escola do
distrito de Sandy Hook, em Connecticut, nos EUA, e matou 20 crianças de seis e
sete anos, além de seis funcionários e a própria mãe, antes de se matar. Dez
anos depois, o massacre volta a ganhar destaque na mídia, não tanto em razão do
debate sobre como combater tiroteios em massa, mas sim sobre como combater
mentiras em massa.
Imediatamente após a tragédia, o radialista
de extrema direita Alex Jones, criador do site de desinformação InfoWars,
afirmou que o ataque foi uma “gigantesca encenação” do governo para justificar
o confisco de armas dos cidadãos. Os pais passaram a ser alvo de ameaças de
morte e assédio. Muitos se mudaram para longe e têm medo de visitar os túmulos
de seus filhos. Ter um filho assassinado por um psicopata é um inferno
inimaginável. Mas ser forçado a se esconder por fanáticos políticos acrescenta
um grau intolerável de tortura. “Cada uma dessas famílias estava se afogando no
luto, e Alex Jones colocou o pé em cima delas”, disse um dos advogados dos
pais.
Jones acaba de ser condenado por um júri de
Connecticut a indenizar 14 parentes das vítimas e um agente do FBI em valores
que beiram US$ 1 bilhão.
O caso é emblemático por se passar em um
país onde o direito à liberdade de expressão é quase absoluto. Quase: a
jurisprudência constitucional norte-americana é notoriamente permissiva em
relação a abusos que desafiam legisladores e juristas ao redor do mundo, como
desinformação, discursos de ódio ou ataques à democracia. Mas Jones não foi
condenado por esses abusos, e sim por difamação. É um sinal de que a liberdade
de expressão tem limites. A Primeira Emenda não é uma licença para disseminar
fraudes e, se elas deixarem vítimas, o preço pode ser alto.
Uma das mães das crianças comparou o
conspiracionismo a um vírus: sempre em mutação, tornando-se endêmico em uma
sociedade que lida com “fatos alternativos”. Teorias da conspiração sempre
existiram. Mas em nosso tempo há peculiaridades. “Vemos hoje algo diferente: ‘a
conspiração sem a teoria’”, disseram em entrevista à revista The Economist N.L.
Rosenblum e R. Muirhead, autores do livro The New Conspiracism and the
Assault on Democracy. “Seus proponentes dispensam evidências e explicações.
Suas acusações tomam a forma de afirmações cruas.” Outras peculiaridades
alarmantes são os meios de difusão e a proximidade ao poder.
A desgraça das famílias e a fortuna de
Jones – que ganhou milhões vendendo produtos em seu site – foram ampliadas
pelos algoritmos das redes sociais, que facilitaram a disseminação de conteúdos
ultrajantes, porque conteúdos ultrajantes geram engajamento. Em 2018, as redes
tiraram de Jones sua plataforma, mas continuam a disseminar outras mentiras em
troca de cliques.
Seria tentador dispensar Jones como um
fenômeno marginal. Mas, pouco antes das eleições de 2016, ele entrevistou
Donald Trump, desfez-se em elogios e recebeu elogios em troca. No Brasil, o
presidente da República, Jair Bolsonaro, é o principal artífice de uma teoria
da conspiração contra o sistema eleitoral. E o presidente da maior potência
nuclear do planeta, o russo Vladimir Putin, é um implacável difusor de teorias
conspiratórias.
“Há quem diga que devemos combater fogo com
fogo e retaliar acusações conspiratórias raivosas e infundadas de deslealdade e
ilegitimidade na mesma moeda”, dizem Rosenblum e Muirhead. “Já nós pensamos que
a melhor maneira de resgatar a realidade é combater fogo com água: o recurso
escrupuloso a argumentos, evidências e explicações disponíveis a qualquer um e,
sobretudo, sujeitos à correção.”
Sem prejuízo das compensações às vítimas
dos teóricos da conspiração, o combate às suas mentiras é uma responsabilidade
coletiva, que deve envolver governos, empresas de tecnologia, a sociedade civil
e cada cidadão. “Onde quer que o conspiracionismo esteja remodelando a vida
pública, dois preventivos são vitais”, afirmam Rosenblum e Muirhead: “Defender
a integridade das instituições que produzem conhecimento e impulsionar a
confiança no lastro do senso comum”.
O estranho silêncio da Defesa
O Estado de S. Paulo
Testes do TSE provam a lisura das urnas. É estranho que, tantos dias depois da eleição, a Defesa não divulgue os seus
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revelou
que a testagem das urnas utilizadas no primeiro turno comprovou sua lisura. A
amostragem foi realizada com 2.044 eleitores de 58 seções que concordaram em
ceder suas digitais. Houve 0% de divergência entre os votos digitados e os
computados. “Ou seja, no primeiro turno das eleições de 2022 se repetiu o que
ocorreu nas eleições de 2020, 2018, 2016, 2014, 2012, 2010, 2008, 2006, 2004 e
2002”, disse o presidente da Corte, Alexandre de Moraes. Outra apuração, a do
Tribunal de Contas da União (TCU), concluiu a mesma coisa. Além disso, foi
conduzido um terceiro teste, pelos militares, amplamente defendido pelo
presidente Jair Bolsonaro como a única garantia de lisura das eleições. Qual a
sua conclusão? Não se sabe, pois seus resultados não haviam sido divulgados até
ontem, mais de uma semana depois das eleições.
O que todos sabem bem até demais é que
Bolsonaro tudo fez e faz para desacreditar o processo eleitoral. Segundo o
presidente, as urnas não só seriam fraudáveis, como foram fraudadas em 2018 e
2014. Ele já desperdiçou tempo precioso do Congresso no auge da pandemia com a
pauta intempestiva do voto impresso, que foi rejeitado. Depois, passou a
afirmar que o TSE fazia sua apuração em uma inexistente “sala secreta”. A dias
do primeiro turno, sugeriu que, se não ganhasse com 60% dos votos, seria sinal
de fraude. Dias depois da votação, afirmou que ela teve “alguns problemas”, sem
dizer, como sempre, quais nem apresentar provas. Ainda na noite das eleições,
declarou que aguardaria o tal parecer das Forças Armadas. A população aguarda
até hoje.
Vale lembrar que o ministro da Defesa, o
general Paulo Sérgio Nogueira, que atuou para dar ares de legitimidade às
suspeitas golpistas de Bolsonaro, impediu o acesso da imprensa ao gabinete em
que realizou sua contagem paralela. Além de obscura, essa apuração foi espúria:
não faz parte das atribuições constitucionais das Forças Armadas fiscalizar
eleições. Por fim, a tal fiscalização foi bancada com dinheiro público, razão
pela qual é dever de quem a encomendou e realizou divulgar seus
resultados.
O Ministério da Defesa não é uma entidade
privada que pode ser usada pelo presidente da República para fins particulares.
A tentativa escandalosa de Bolsonaro de arrastar as Forças Armadas para a arena
política é danosa para os militares e, obviamente, para o País. Mas, já que as
Forças Armadas foram envolvidas no imbróglio da fiscalização das urnas, a
Defesa tem a obrigação legal de se manifestar, sem delongas nem tergiversações.
Se o relatório tardar ainda mais em aparecer, torna-se lícito supor que a tal fiscalização mostrou que o sistema eleitoral é plenamente confiável, o que contraria a litania golpista de Bolsonaro, e por isso não pode ser divulgada. Mas há ainda uma outra hipótese: a de que os militares, tantos dias depois da votação, ainda não conseguiram concluir o trabalho. Essa possibilidade, no entanto, parece remota, porque não condiz com a imagem de competência que as Forças Armadas construíram para si mesmas.
Brindes fiscais e orçamento secreto amparam
Bolsonaro
Valor Econômico
Verbas para o Centrão e projetos
eleitoreiros reequilibram disputa que parecia perdida
O orçamento secreto e sua contrapartida, a
liberdade que a base governista deu ao presidente Jair Bolsonaro para que
ampliasse gastos eleitorais, produziram o resultado desejado. As legendas do
Centrão avançaram em todo o país, não só na Câmara dos Deputados e no Senado,
mas também nas Assembleias Legislativas até nos Estados em que a votação do
candidato de oposição, Luiz Inácio Lula da Silva, foi muito maior que a de seu
oponente. Bolsonaro, por seu lado, não garantiu a reeleição, mas mostrou força
suficiente para ameaçar o favoritismo de Lula.
O orçamento secreto foi peça fundamental
para que o Centrão não apenas dominasse a coordenação política do governo
Bolsonaro e se tornasse eixo necessário de aprovação dos projetos econômicos de
interesse comum, como também para barrar todas as tentativas de retirar o
presidente do cargo por meio de impeachment. Como contrapartida, as legendas
fisiológicas foram mais longe do que seu “centrismo” até hoje fez supor ao
apoiar um candidato tão radical à direita para manter-se na Presidência.
Esse acordo, feito nos momentos mais
difíceis para Bolsonaro, entre uma e outra onda mortífera de covid-19,
revelou-se sólido, eficaz e proveitoso para todos os envolvidos.
Mesmo que o fundo eleitoral tenha mais que
duplicado, para R$ 4.9 bilhões, o orçamento secreto manipulou mais que o triplo
desse montante. Como não é democrático, nem transparente, as emendas do relator
não beneficiam por igual todos os partidos, nem todos os parlamentares, nem
sequer todos os que pertencem a uma mesma legenda. A elite da cúpula governista
do Congresso escolhe quem vai receber o dinheiro das emendas e os
beneficiários, que indicam aonde o dinheiro será gasto.
O início das investigações sobre mau uso do
dinheiro público pela Codevasf, dirigida e loteada entre políticos do Centrão,
mostra um dos efeitos lógicos dessas emendas feitas nas sombras: suspeitas de
superfaturamento de bens, desperdício e desvio de recursos, enriquecimento
ilícito.
Uma montanha de dinheiro fluiu, assim, para
bases eleitorais de partidos do Centrão, cuja cúpula tinha, pelos fundos
eleitoral e partidário, o poder de selecionar como e com quem gastar os
recursos. Boa parte dos eleitores que votam em Lula reconheceram com votos os
candidatos ao Legislativo que propiciam melhorias a suas cidades - e, nesse
caso, ninguém teve tanto poder financeiro quanto os partidos do Centrão.
Um dos principais objetivos de PL. PP,
Republicanos foi atingido: ter influência política determinante para delimitar
a capacidade dos Executivos de governar e aprovar seus projetos. No Congresso,
seu poder cresceu e se tornará decisivo se Arthur Lira permanecer no comando da
Câmara. No Senado, bolsonaristas e fisiológicos cobiçam abertamente o cargo de
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com vários pretendentes.
Bolsonaro, por seu lado, recebeu do Centrão
um cheque em branco para melhorar sua “competitividade”. Sucederam-se uma série
de medidas eleitoreiras, desde as que beneficiaram clientelas de voto específicas,
como auxílio aos caminhoneiros, até as amplas, para turbinar a economia e
melhorar a avaliação do governo às vésperas do pleito. As previsões de
crescimento encostaram nos 3% como resultado de estímulos de todo o tipo, que
somaram cerca de R$ 300 bilhões, sendo os principais o aumento do Auxílio
Brasil para R$ 600, furando o teto de gastos com a PEC Kamikaze, e a retirada
de impostos federais, e diminuição dos estaduais, sobre combustíveis,
comunicações e transportes.
Bolsonaro antecipou o pagamento do Auxilio
Brasil de outubro para cair no intervalo da votação em segundo turno, criou
crédito consignado para os cadastrados no Auxilio Brasil. O ministro das Minas
e Energia, Adolfo Sachsida, prometeu que a conta de luz cairá em 10% em breve,
sem dizer como. Bolsonaro usou festas cívicas para fazer campanha eleitoral sem
rebuços e várias de seus atos estão na fronteira, ou já a cruzaram, do abuso de
poder político e econômico, mas a Procuradoria Geral da República, a quem cabe
verificar a adequação legal da blitzkrieg eleitoral do presidente, preferiu o
mutismo.
O presidente se queixa de perseguição do Supremo Tribunal Federal e do TSE, mas não sofreu o menor constrangimento em obter do Congresso recursos de duvidosa conformidade com as boas práticas administrativas para tentar obter as boas graças dos eleitores. Com isso, reequilibrou uma disputa que parecia perdida.
Queda na vacinação é inaceitável
O Globo
Dos municípios brasileiros, 70% não
atingiram as metas de imunização para o ano passado
É desolador o panorama da vacinação
infantil no país traçado pela Confederação Nacional dos Municípios. Como
mostrou o Jornal Nacional, 70% das cidades brasileiras não atingiram as metas
de imunização para as crianças em 2021. Uma lástima. O problema não está apenas
em não alcançar os índices de proteção recomendados. A cobertura vacinal vem
caindo ano a ano sem que nenhuma esfera de governo apresente soluções eficazes,
além das óbvias campanhas de vacinação, para elevar os percentuais.
Os números traduzem a gravidade da situação. No caso da vacina BCG (proteção contra a tuberculose), 68% dos municípios tinham atingido a meta em 2007. No ano passado, apenas 22%. Na pentavalente (contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e a bactéria Haemophilus influenzae tipo b), o percentual despencou de 62,8% em 2013 para 27,1% em 2021. Na hepatite B, de 26% em 2014 para 10,8%.
A vacina contra a poliomielite é um caso à
parte. A campanha de vacinação contra a doença acabou em 30 de setembro sem que
o país atingisse a meta de 95%. Pelos dados do Ministério da Saúde, a cobertura
está em 63%. Vários estados decidiram prorrogar a campanha. A baixa cobertura
tem causado preocupação. Embora o último caso no Brasil tenha sido registrado
em 1989, a vulnerabilidade abre as portas ao retorno da pólio. Seria uma
tragédia e um atestado de incompetência dos três níveis de governo. No início
do mês, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reconheceu que o país está na
zona de alto risco para reintrodução da pólio.
É lamentável que o Brasil, cujo Programa
Nacional de Imunizações (PNI) foi referência mundial, esteja nessa situação.
Até onde se sabe, salvo exceções pontuais, não faltam vacinas. Em alguns
lugares até sobram, e parte vai para o lixo devido à perda dos prazos de
validade. Um absurdo.
Muitas razões levam as vacinas a encalhar.
Não se podem desprezar os efeitos nefastos das campanhas antivacina, onda
mundial que no Brasil tem como protagonista o presidente da República, Jair
Bolsonaro. Mas a afronta à ciência é apenas parte do problema. Como acontece
noutros países, longos períodos sem registro de casos de doenças evitáveis
transmitem à população a falsa sensação de que não há mais risco. Engano. O
risco ressurge com a baixa proteção. Há que considerar também a falta de
campanhas de esclarecimento sobre a importância da vacinação. E as falhas
estruturais, como má localização dos postos e horários inadequados que
dificultam um serviço que deveria ser fácil e acessível.
Impressiona também a leniência do
Ministério da Saúde. Faz quase um mês que a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) aprovou a vacina da Pfizer contra a Covid-19 para crianças
de 6 meses a 4 anos. Mas até agora o governo não comprou as doses.
O Ministério da Saúde, a quem cabe o papel
de coordenação, deveria divulgar e incentivar iniciativas bem-sucedidas de
estados e municípios. Há prefeituras que criaram “vacinômetros” móveis para
levar as doses a comunidades mais distantes. Outras vão às escolas para
imunizar as crianças. A caderneta de vacinação atualizada deveria ser
obrigatória para beneficiários dos programas sociais dos governos. Soluções
para ampliar os índices indigentes de vacinação não faltam. O que falta é
responsabilidade dos governantes que expõem o país ao risco de ressuscitar até
doenças erradicadas no passado.
Libertação de CAC revela limite da política
armamentista de Bolsonaro
O Globo
Está solto colecionador que mantinha
arsenal com 54 armas e foi flagrado negociando com crime organizado
No dia 25 de janeiro, uma operação da
Polícia Civil e do Ministério Público do Rio apreendeu um arsenal com 26 fuzis,
21 pistolas, três carabinas, dois revólveres, uma espingarda e um rifle.
Segundo as investigações, o armamento, avaliado em R$ 3 milhões, e a casa onde
estava guardado pertenciam a Vítor Furtado Rebollal Lopez, preso em Goiás
quando transportava 11 mil cartuchos para fuzis. Vítor, que tinha registro de
Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC), comprara as armas legalmente
para, segundo a polícia, revendê-las a traficantes de uma facção criminosa
fluminense.
Oito meses depois da apreensão, ele já está
solto. Ainda responde pelo crime de associação ao tráfico, mas foi beneficiado
pelos decretos do presidente Jair Bolsonaro que aumentaram o limite de armas e
munições para os CACs. Antes do atual governo, eles poderiam ter no máximo 18
armas, e fuzis eram proibidos, já que o acesso era restrito às forças de
segurança. Hoje podem ter até 60, incluindo fuzis. Por isso as 54 armas
encontradas em sua casa não afrontam a legislação. A apreensão dos cartuchos
para fuzis também não configura crime.
Ficou evidente nas investigações que
Rebollal não agia como colecionador de armas. Nenhum colecionador manteria em
casa 25 fuzis idênticos. E escutas com autorização da Justiça flagraram as
negociações para venda do armamento a traficantes do Rio. Com base nessas
provas, em 23 de julho ele foi condenado pela 1ª Vara Criminal de São Gonçalo a
três anos de prisão. A Justiça determinou também a cassação de seu registro de
CAC. Duas semanas depois, a 3ª Câmara Criminal o libertou, mediante uso de
tornozeleira eletrônica.
O caso de Rebollal não é isolado. Em julho,
a Polícia Federal deflagrou uma operação na Região dos Lagos para investigar o
uso de laranjas na compra de armas legais para o crime organizado. É óbvio que
os mais de 30 Atos Normativos de Bolsonaro que facilitam o acesso a armas e
munições abriram brechas para criminosos. Está claro também que o controle
desses registros é falho, como demonstra o caso Rebollal.
O risco dessa política insensata não está
apenas em armar as organizações criminosas. A tragédia está também no
descontrole. É alarmante que em Sobral, no Ceará, um adolescente tenha usado
uma arma registrada em nome de um CAC para atirar contra colegas de escola (um
deles morreu).
Em quase quatro anos de mandato, o governo Bolsonaro não foi capaz de oferecer à população uma política de segurança eficaz. Facilitar o acesso a armas e munição sob o pretexto de proteger o cidadão pode servir à propaganda bolsonarista, mas não é — nem nunca foi — política de segurança. Além de não reduzir os altos índices de violência em todo o país, ainda facilita a vida da bandidagem. É inadmissível que criminosos sejam abastecidos com armas compradas legalmente graças a uma legislação equivocada e frouxa.
Lira, o vassalo
Folha de S. Paulo
Presidente da Câmara se curva a interesses
de Bolsonaro ao ameaçar pesquisas
Ignorância, servilismo e má-fé se misturam
na investida autoritária patrocinada pelo deputado Arthur Lira (PP-AL) contra
as pesquisas de intenção de voto no Brasil.
Não satisfeito em criticar o trabalho dos
institutos, o presidente da Câmara, agindo como vassalo de Jair Bolsonaro
(PL), manobrou para
acelerar a votação de um projeto de lei que criminaliza a divulgação
dos levantamentos eleitorais.
Se aprovado, constituirá crime publicar
pesquisa com números que, considerada a margem de erro, divirjam do resultado
oficial. A regra se aplica a levantamentos veiculados nos 15 dias que antecedem
o pleito e estabelece pena de prisão de 4 a 10 anos.
A iniciativa obscurantista tem como pano de
fundo a disparidade entre os percentuais apresentados por algumas pesquisas
antes do primeiro turno e os resultados alcançados por Bolsonaro e outros
candidatos nas urnas.
Que existiu a disparidade é fato;
classificá-la como erro é ignorância. Pesquisas de intenção de voto, com o
perdão da redundância, medem intenção de voto em determinado momento. Retratam
um quadro que não pode ser cotejado com a votação, pois esta reflete um momento
diferente.
Procurar criminalizar as divergências
existentes até 15 dias antes do pleito já adentra o terreno da má-fé. Migração
de voto, decisão de última hora e abstenção podem provocar surpresas na reta
final de uma eleição, alterando o quadro indicado pelos institutos.
Político experiente e oportunista, Lira
sabe disso. Assim como sabe que a pena indicada no projeto de lei supera a de
corrupção e pode ser maior até que a de homicídio, a depender do caso.
Se ele apoia a proposta, não é apesar de
seus problemas, mas por causa deles. O deputado não pretende debater eventuais
limitações dos institutos e aperfeiçoar suas metodologias. Quer tão
somente impor a censura. Repete, com isso, uma pressão que outros
políticos têm exercido há pelo
menos 30 anos, inclusive com uma CPI.
Nunca se descobriu nada, mas não é essa a
questão. Iniciativas dessa natureza têm o mero condão de intimidar atores
independentes que buscam aumentar a transparência do processo democrático.
Não por outra razão, o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade) foi acionado contra os institutos de
pesquisa, em uso do aparato estatal para atender a interesses de Bolsonaro. Ao
mesmo submeteu-se a Polícia Federal, com a abertura de inquérito pedido pelo
Ministério da Justiça.
Lira, assim como o presidente da República, a quem serve, sonha em enfraquecer as instituições e em monopolizar informações, em detrimento de cidadãos e eleitores.
Ecos bolsonaristas
Folha de S. Paulo
Tarcísio abraça obscurantismo ao rejeitar
vacina obrigatória e câmeras em PMs
O candidato bolsonarista ao governo de São
Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), busca apresentar-se como um técnico,
sem apego a pregações ideológicas. Tal imagem, contudo, é nublada por seus
acenos aos seguidores obscurantistas do presidente da República.
Como Jair Bolsonaro (PL), Tarcísio assume
uma defesa distorcida da liberdade individual ao se declarar contrário à
obrigatoriedade da vacinação —como se ignorasse que, em se tratando da saúde
pública, prevalece, por definição, o interesse coletivo.
Nesse sentido, restringir o acesso de não
vacinados a locais e eventos integra o rol de medidas de que o Estado dispõe
para estimular a imunização e proteger a sociedade.
Vê-se a mesma insensatez na promessa
de acabar com a
bem-sucedida adoção de câmeras nos uniformes de policiais militares.
Se colocada em prática, a medida representará grave retrocesso na política de
segurança pública paulista.
Na argumentação de Tarcísio, os aparelhos
inibiriam a liberdade de ação dos agentes de segurança, colocando "o
bandido em situação de vantagem em relação ao policial".
O argumento falacioso, que mal disfarça o
apelo ao corporativismo policial, não resiste aos fatos. As câmeras reduziram
os enfrentamentos armados e, consequentemente, as mortes de policiais.
Considerando o terceiro trimestre dos três
últimos anos, o número de confrontos teve queda de portentosos 87% nos 18
batalhões que empregam a tecnologia. Em 2021, nenhum policial militar foi morto
em serviço nessas unidades.
Além disso, os aparelhos tendem a coibir a
truculência e os abusos praticados pelos maus agentes. Nos últimos sete meses
de 2021, a letalidade
policial nas unidades que utilizam câmeras caiu 85%.
No total, as mortes causadas por PMs em
enfrentamentos reduziram-se em 36% na comparação com o ano anterior.
Tarcísio erra ainda quando afirma que os
aparelhos teriam reduzido a produtividade policial. Novamente, os dados mostram
o oposto. Na mesma comparação trimestral, os batalhões com câmeras registraram um
crescimento de 41,4% na quantidade de flagrantes e de 12,9% na de apreensão de
armas.
Nesse aspecto, o candidato ora líder nas pesquisas e avesso a debates no segundo turno está em desacordo com a vasta maioria da população. Segundo apurou o Datafolha em julho, 91% dos paulistas são favoráveis a essa política.
"Bolsonaro avança na manipulação eleitoral da fé e desrespeita até o Dia da Padroeira do Brasil"
ResponderExcluirManipular e desrespeitar. Nisso o palerma da República é craque.
"Caso do extremista condenado a indenizar em US$ 1 bi famílias de vítimas de massacre que ele difamou mostra que nem nos EUA liberdade de expressão é licença para disseminar fraudes"
ResponderExcluirSe isso valesse no Brasil, bolsonaro pagaria caro pelo tanto de mentiras q falou sobre a pandemia.