Leniência incentiva o assédio eleitoral nas empresas
O Globo
Denúncias sobre empresários coagindo
funcionários a votar em seus candidatos quintuplicaram
É escandaloso o nível atingido pelo assédio
eleitoral nestas eleições. Em nenhuma outra houve tantas denúncias sobre
empresários obrigando seus funcionários a votar em seu candidato, como se o
Brasil ainda estivesse na República Velha e as empresas fossem currais
eleitorais. Até o último final de semana, o Ministério Público do Trabalho
(MPT) havia recebido 1.155 denúncias, o quíntuplo das recebidas em 2018. De
acordo com o procurador-geral do trabalho, José de Lima Ramos Pereira, a
tentativa de se assenhorear do voto do funcionário, quase sempre os de menor
qualificação, é uma violência comparável ao assédio moral ou mesmo ao sexual.
O Sudeste, maior colégio eleitoral, contribui para a estatística de degradação institucional com 461 denúncias, relativas a 378 empresas. O Sul fica em segundo lugar, com respectivamente 335 e 273. Quase todas envolvem assédio para funcionários votarem no candidato Jair Bolsonaro (PL). É o caso da acusação contra a Altenburg, maior fabricante de travesseiros do Brasil, com 1.700 funcionários em Blumenau, Santa Catarina.
O sindicato dos trabalhadores na empresa
informa ter recebido dez denúncias de que o próprio dono da fábrica afirmou que
os empregos estariam em risco caso Lula voltasse à Presidência. “O
proprietário, Ruy Altenburg, parou a fábrica, reuniu os trabalhadores e falou
sobre uma série de questões da eleição. Até em demissão, caso o presidente não
fosse reeleito”, afirmou o presidente do sindicato, Carlos Maske. A Altenburg
foi notificada pelo MPT para abster-se de obrigar ou induzir seus funcionários
a votar em qualquer candidato.
Em Minas Gerais, segundo maior eleitorado
do Brasil, onde Lula derrotou Bolsonaro no primeiro turno, o governador Romeu
Zema (Novo) lidera os esforços para que o presidente vire o jogo no segundo. Em
Passos, três empresários do comércio são acusados de um dos mais graves casos
de assédio eleitoral. Em vídeo, Gilson Madureira (comércio varejista), Renato
Mohallen (associação comercial) e Frank Lemos (clube dos dirigentes e lojistas)
orientaram os associados a coagir funcionários a votar em Bolsonaro. A Justiça
concedeu liminar, a pedido dos procuradores, proibindo o uso da estrutura das
entidades no assédio eleitoral. Fixou multas de R$ 30 mil a R$ 1 milhão caso
desobedecessem à determinação. Minas apresenta a maior quantidade de denúncias
(301).
Há casos mais prosaicos, mas não menos
inacreditáveis. Donas de casa de Quirinópolis, cidade de 51.300 habitantes no
interior de Goiás, criaram no WhatsApp um grupo com o número do candidato Jair
Bolsonaro para coagir empregadas domésticas e até comerciantes, em postagens
ilustradas por vídeos com desinformação sobre o petista Luiz Inácio Lula da
Silva.
É evidente que as multas e os Termos de
Ajustamento de Conduta (TAC) que os infratores assinam com o MPT não têm
funcionado como dissuasão, simplesmente porque as penas são leves. A diretora
da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Patrícia
Sant’Anna, defende uma legislação que defina de forma mais clara as infrações e
que as punições sejam mais duras. Alguns casos deveriam tramitar na esfera
criminal, em que há a previsão de penas de até três anos de reclusão. Parece
que só quando alguém for preso ou alguma candidatura for cassada, a legislação
será levada a sério. Tudo está na lei, só falta aplicá-la.
CFM deveria recomendar canabidiol para
todas as doenças em que é eficaz
O Globo
Entidade suspendeu resolução que, sem base
científica, restringia o uso da maconha medicinal a epilepsias
Foi acertada a decisão do Conselho Federal
de Medicina (CFM) de suspender temporariamente a resolução de 14 de outubro
restringindo o uso do canabidiol, substância obtida a partir da Cannabis sativa
(a maconha). O recuo mostra que houve açodamento ao tomar a medida sem ouvir a
sociedade. Uma nova consulta pública aberta a todos, não apenas à classe médica
como a anterior, discutirá as normas.
Pela resolução anterior, a prescrição do
canabidiol ficaria restrita a dois tipos de epilepsia. Ela despertou uma enxurrada
de críticas, pois o canabidiol tem sido prescrito também em casos de dores
crônicas, convulsões, ansiedade, depressão, Alzheimer, Parkinson, esclerose
múltipla e outras doenças do sistema nervoso. Na semana passada, cinco
associações de saúde divulgaram nota criticando a resolução do CFM, alertando
sobre riscos de interromper tratamentos. Entidades da indústria farmacêutica
também a repudiaram.
Produtos à base da Cannabis têm sido usados
pela rede do SUS, por força de decisões judiciais, em pelo menos 13 estados. De
2015 a 2021, a rede pública de saúde gastou R$ 50 milhões nesses medicamentos.
Não faria isso se fossem inócuos. Há uma infinidade de depoimentos positivos de
familiares e doentes que apresentaram melhora. Não faz sentido limitar o uso
dos derivados da Cannabis à epilepsia e vedar a prescrição a outras doenças
para as quais a eficácia está cientificamente comprovada. A resolução anterior
do CFM ia na contramão da própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), responsável por controlar a importação dos medicamentos.
De 2015, quando foram liberadas as
primeiras compras legais no exterior, a 2021, a agência recebeu mais de 70 mil
pedidos de importação e passou a aprovar um número crescente, até chegar a 35
mil em 2021. Metade ainda não foi liberada. Há, portanto, demanda não atendida,
que incentiva o contrabando ou, pior, o uso de produtos clandestinos,
fabricados sem os cuidados e a técnica dos laboratórios.
Curioso é que, em suas alegações para
restringir o uso do canabidiol, o CFM diz que o objetivo é não expor a
população a situações de risco. Ridículo. Durante a pandemia, o mesmo conselho
defendeu enfaticamente o uso da cloroquina, a despeito de todos os estudos
científicos que mostravam a ineficácia absoluta do medicamento contra o
coronavírus, além dos riscos de efeitos colaterais graves. Na época, o CFM argumentava
que os médicos deveriam ter liberdade para prescrever o tratamento. Agora não
têm mais?
Não há base científica no veto, inspirado na visão absurda que considera o uso medicinal da Cannabis um passo para o contrabando de drogas e seu consumo recreativo. Recomenda-se aos conselheiros do CFM buscar informações sobre o que acontece no exterior. Nos Estados Unidos, dos 50 estados, 38 já aprovaram o uso medicinal ou recreativo da maconha. O Brasil, que já tem incontáveis casos de sucesso com extratos da Cannabis, não pode optar pelo obscurantismo na medicina e condenar doentes a não receber o tratamento devido por puro preconceito.
Desordem unida
Folha de S.
Paulo
Ao
manter silêncio sobre as urnas, militares ajudam Bolsonaro a semear confusão
Passadas três
semanas desde o primeiro turno da eleição presidencial, as Forças Armadas ainda
mantêm em segredo as conclusões dos militares destacados para a fiscalização do
processo eleitoral.
Após meses de
desconfianças infundadas lançadas sobre o sistema de votação e intrigas com a
Justiça, nenhum oficial veio a público dizer se encontrou algo errado nas urnas
eletrônicas ou identificou qualquer outro problema.
Questionado pelo
Tribunal Superior Eleitoral, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de
Oliveira, bateu em retirada, dizendo não ter condições
de apresentar nem mesmo um relatório parcial, com conclusões preliminares.
Segundo ele, só
será possível fazê-lo após o segundo turno, marcado para domingo (30). Seria
precipitado adiantar qualquer coisa antes de cotejar as informações colhidas
com as que serão liberadas pelo TSE depois, argumentou.
A resposta
evasiva do ministro deixa evidente que o objetivo das Forças Armadas, desde que
aceitaram o convite do tribunal para participar da fiscalização das eleições
deste ano, nunca foi contribuir para aprimorar o processo.
Estivessem
preocupados em garantir a segurança das urnas e tranquilizar a população,
bastaria divulgar o resultado dos trabalhos feitos no primeiro turno, deixando
claro que não encontraram nenhum indício de irregularidade, como parece
evidente.
A opção pela
embromação, ao contrário, serve apenas para engrossar a campanha de descrédito
que o presidente Jair Bolsonaro (PL) move incansavelmente contra o processo
eleitoral, alimentando a ilusão de que algo importante possa ser revelado mais
tarde.
A tática dos
militares, talvez um subterfúgio para contornar as pressões do chefe de Estado,
deixa a pista livre para a fabricação de teorias conspiratórias depois do
segundo turno, quando Bolsonaro usará qualquer coisa para contestar um eventual
resultado desfavorável.
Existe até a
possibilidade de que os estudos não cheguem a conclusão alguma. Como este
jornal noticiou, a última etapa do plano de fiscalização dos militares
dependerá de especialistas em processamento de dados que ainda nem sequer foram
recrutados.
Em entrevista veiculada por um podcast americano nesta
terça (25), o próprio Bolsonaro expôs o sentido do embuste, dizendo que seria
impossível para as Forças Armadas certificar a lisura do sistema.
Haverá eleições
no domingo, as urnas recolherão os votos, e o vencedor será conhecido à noite.
Independentemente do resultado, a participação na farsa urdida por Bolsonaro
manchará a reputação dos militares por muito tempo, como uma nódoa difícil de
apagar.
Desafios do premiê
Folha de S. Paulo
Jovem e não branco, novo premiê britânico
terá de recuperar a economia
Empossado nesta terça-feira (25) pelo rei
Charles 3º, Rishi Sunak
assume o cargo de primeiro-ministro do Reino Unido com o duplo
desafio de liderar o país em sua mais grave crise econômica nas últimas décadas
e reunificar um Partido Conservador fraturado desde o controverso plebiscito do
brexit.
A ascensão do novo premiê sucede o malogro
do natimorto governo da antecessora Liz Truss e, assim como ocorreu com ela,
deu-se por meio de um processo eleitoral indireto, reunindo apenas os 357
parlamentares conservadores.
Numa disputa da qual até o ex-premiê Boris
Johnson cogitou participar, Sunak amealhou o apoio público de pouco mais da
metade de seus correligionários e, diante da desistência dos demais
concorrentes, foi consagrado vitorioso.
Seu triunfo encerra ainda um aspecto de
valor simbólico. Mais jovem primeiro-ministro britânico dos últimos 200 anos,
Sunak, 42, é o primeiro não branco a governar o país. Milionário,
filho de pais que emigraram da África Oriental, carrega ascendência
indiana e é praticante do hinduísmo.
Conquistou notoriedade como ministro das
Finanças de Johnson durante o auge da pandemia, quando, apostando numa política
de amplos auxílios governamentais, logrou conduzir a economia britânica com
relativa estabilidade.
Numa corrida eleitoral tão curta quanto
caótica, o novo premiê deu poucos detalhes sobre seus planos de governo além de
prometer unir o país e consertar a economia.
Esta, não resta dúvida, concentra os
desafios mais prementes. Acossada pela maior crise inflacionária dos últimos 40
anos, a atividade britânica sofre ainda os impactos da ruinosa
proposta de Truss de cortes de impostos não financiados, que
assustou o mercado e levou a libra a uma queda histórica.
A incompetência de Truss e a série de
escândalos pessoais de Johnson estraçalharam a popularidade dos conservadores.
Hoje, o Partido Trabalhista aparece até 30 pontos à frente em algumas
pesquisas, e os apelos da oposição por novas eleições tendem a crescer caso as
turbulências persistam.
As credenciais de Sunak de guardião da
ortodoxia fiscal causaram um impacto inicial positivo, mas o novo premiê sabe
que tem pouco tempo para estabilizar a situação e tranquilizar o restante do
mundo.
Novo fracasso conservador mergulhará o partido e, sobretudo, o país numa crise política e econômica de consequências imprevisíveis.
Que democracia?
O Estado de S. Paulo
A democracia é a melhor forma de governo
para 79% dos brasileiros, mas os mesmos eleitores apoiam um candidato que
admira ditaduras e outro que defende direitos só para ‘maioria’
O Datafolha acaba de publicar uma pesquisa que aponta que 79% dos brasileiros consideram que a democracia é sempre melhor do que qualquer outra forma de governo. Trata-se do maior índice de aprovação do regime das liberdades desde o início da série histórica, em 1989. O apoio a uma ditadura “em certas circunstâncias” une 5% dos respondentes, o menor porcentual já registrado pelo instituto. Já os que acham que “tanto faz” entre democracia e ditadura somam 11%.
É alvissareiro, não resta dúvida, que a
esmagadora maioria da sociedade apoie a democracia, sobretudo porque esse
resultado foi aferido a menos de dez dias do segundo turno da eleição
presidencial. E esta não é uma eleição trivial. De um lado, o presidente e
candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, pede votos para salvar a democracia,
supostamente ameaçada por seu adversário, o petista Lula da Silva; Lula da
Silva, por sua vez, igualmente se apresenta como campeão da democracia contra o
golpismo bolsonarista. Ou seja, de um jeito ou de outro, a democracia tornou-se
central na campanha, algo que jamais aconteceu, nessa dimensão, em qualquer
outra eleição desde a redemocratização do País.
Mas que democracia é essa que tantos
brasileiros dizem apoiar e que Lula e Bolsonaro se propõem a salvar?
De acordo com o Datafolha, 80% dos
eleitores de Bolsonaro declaram apoio à democracia. Ora, ao longo de toda sua
trajetória política, mas em particular durante seus quase quatro anos de
mandato presidencial, Bolsonaro avacalhou profundamente os ritos e as normas
fundamentais de qualquer democracia liberal. Desmoralizou o Judiciário, ignorou
o princípio da impessoalidade no exercício da Presidência, cometeu seguidos
abusos de poder, fez uso da máquina pública para fins privados, desrespeitou a
oposição e a imprensa e envenenou o debate público com desinformação e
obscurantismo messiânico.
Não é possível, portanto, dizer-se
favorável à democracia liberal e, ao mesmo tempo, apoiar Jair Bolsonaro – cuja
noção de democracia, como é público e notório, é a de um regime no qual
prevalece a lei do mais forte e que somente a “maioria” tem direitos, como ele
próprio disse várias vezes, inclusive na condição de presidente: em julho deste
ano, por exemplo, durante encontro com evangélicos em Juiz de Fora (MG),
Bolsonaro declarou que “as leis existem para proteger as maiorias” e, no seu
entender, “as minorias têm de se adequar”. Eis a descrição de um regime
autoritário, e não democrático.
Este jornal foi fundado há quase 148 anos
para servir como refúgio para os defensores do regime republicano, que tem a
igualdade de todos perante a lei como espinha dorsal. Ao contrário do que pensa
Bolsonaro, as leis não existem para respaldar a opressão da minoria pela
maioria; existem, entre outras razões, para limitar o poder de governantes
autoritários como ele, a fim de que viceje uma sociedade livre, plural e
vibrante. É sobre esse firme arrimo que foi erigido o Estado Democrático de
Direito consagrado desde o preâmbulo da Carta de 1988.
Entre os eleitores de Lula, o apoio à
democracia é também bastante alto (78%). Porém, o passado recente do petista
tampouco permite enxergá-lo como um ardoroso defensor da democracia liberal.
Apenas para citar um exemplo, o que é o pagamento de mesadas a parlamentares em
troca de apoio político se não uma completa subversão da democracia
representativa? E o que dizer do apoio entusiasmado de Lula e dos petistas a
ditaduras esquerdistas da América Latina? Se, como disse Lula, há “excesso de
democracia” na Venezuela chavista, há razões para acreditar que a democracia a
que Lula se refere não é a mesma que este jornal defende há mais de um século.
É nessa encruzilhada que o País se
encontra. Ainda que a ampla maioria da sociedade apoie a democracia – e isso
conforta, como dissemos –, há um longo e tortuoso caminho de aprendizado e
amadurecimento cívico dos cidadãos. Oxalá essa trajetória um dia propicie
melhores decisões políticas no futuro. Só assim o Brasil poderá experimentar,
de fato, uma democracia plena, em que todos os cidadãos se sintam contemplados
pelas inúmeras virtudes que ela tem sobre todas as outras formas de
governo.
Ajuste fiscal à custa dos pobres
O Estado de S. Paulo
Proposta do governo para mudar reajuste do
salário mínimo é extemporânea e parte de um princípio equivocado. Outros gastos
deveriam entrar na mira do Executivo
Às vésperas do segundo turno, o País soube que o governo tem um plano econômico pronto para ser apresentado após a eleição, na hipótese, é claro, de que o presidente Jair Bolsonaro se reeleja. O Ministério da Economia quer mudar a fórmula de reajuste do salário mínimo e dos benefícios previdenciários.
A ideia é substituir a reposição pelo
Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano anterior pela projeção ou
pela meta de inflação do ano corrente, segundo reportagem da Folha de
S.Paulo. Se a proposta já estivesse em vigor neste ano, o mínimo teria tido um
aumento entre 3,5% e 5% – inferior, portanto, aos 10,16% dados com base no
INPC.
A repercussão, naturalmente, foi péssima e,
na tentativa de conter danos à candidatura de Bolsonaro, o governo fez um
esforço para negá-la. Debalde. Em uma mesma frase, o presidente reconheceu que
o índice ficaria indefinido e garantiu que haveria aumento real. O ministro
Paulo Guedes, por sua vez, disse que desindexar “não quer dizer que você vai
dar menos, pode até ser que se dê mais”. Desindexar, porém, só serve para
autorizar um ganho inferior à inflação – algo que hoje a Constituição não
permite. Não há nenhuma limitação para a adoção de índices maiores que a
inflação para elevar o mínimo – e o próprio Ministério da Economia admitiu
oficialmente que isso depende somente de espaço no Orçamento, lei ou medida
provisória. Em outras palavras, basta haver vontade política, o que não houve
ao longo de todo o governo Bolsonaro. O mais recente reajuste real ao piso foi
dado em 2019, último ano em que vigorou a política de valorização praticada e
aprovada por lei durante as gestões petistas.
Por trás da chamada desindexação, o que o
governo pretende é realizar um ajuste fiscal a ser pago por uma das camadas
mais vulneráveis da população – aposentados, pensionistas, pessoas com
deficiência e trabalhadores na base da pirâmide salarial. O sacrifício imposto
a esses milhões de brasileiros acomodaria as promessas eleitoreiras do
presidente que ainda não foram incorporadas ao Orçamento de 2023, como a
manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 e o pagamento do 13.º para mulheres
beneficiárias, algo que expressa com exatidão o conceito de tirar dos pobres
para dar aos paupérrimos. Se a proposta de Guedes estivesse em vigor desde
2002, o mínimo, hoje em R$ 1.212, seria de apenas R$ 502, segundo cálculos do
Centro de Pesquisas em Macroeconomia das Desigualdades da FEA-USP. Seria um
valor inferior ao do atual piso do Auxílio Brasil.
Convenientemente, o líder do governo na
Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), não fez qualquer referência ao mínimo ao
defender a medida, destacando que o plano dispensaria a necessidade de uma
âncora fiscal e de uma licença para acomodar despesas extras em 2023. O que
Barros também não disse é que o pacote garantiria a execução integral das
emendas de relator, hoje sujeitas ao teto de gastos, proporcionando ao
Congresso um poder ainda maior sobre a destinação dos recursos do Orçamento.
Este jornal sempre se mostrou favorável a
medidas que reduzam o engessamento do Orçamento, hoje composto por 93% de
dispêndios obrigatórios. Mas a proposta do governo, além de extemporânea, parte
de um princípio absolutamente equivocado. A busca de maior eficiência no gasto
público é um objetivo necessário e defensável, tão urgente quanto permanente,
mas não pode se dar pela depredação do poder de compra dos mais carentes. Há
muitas outras despesas que deveriam entrar na mira do Executivo – a começar
pelas emendas de relator. Isso demanda uma reforma orientada por um horizonte
que vá além da eleição e um amplo debate com a sociedade.
O atual salário mínimo está longe de
satisfazer todas as necessidades para a sobrevivência de um trabalhador ou de
um beneficiário da Previdência Social. Sua valorização, no entanto, representou
uma verdadeira conquista civilizatória em um país que ocupava – e ainda ocupa –
as primeiras posições no ranking mundial de desigualdade social.
A inflação está de novo às claras
O Estado de S. Paulo
Após dois meses de desinflação, índice reaparece com sinal positivo, passado o efeito das medidas eleitoreiras
Cinco dias antes do segundo turno, a
inflação se tornou visível, de novo, nos números oficiais, depois de dois meses
oculta com sinal negativo. A prévia de outubro, ainda discreta, bateu em 0,16%,
segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15 (IPCA-15). Os
últimos levantamentos haviam apontado desinflação de 0,73% em agosto e de 0,37%
em setembro. Nesse bimestre, o indicador foi derrubado pela redução de impostos
sobre combustíveis, medida proposta pelo presidente Jair Bolsonaro, aprovada no
Congresso e imposta aos governadores com grandes custos financeiros para os
Estados. O corte de tributos derrubou alguns preços e isso se refletiu no
índice geral, mas com efeito temporário.
Baratear um produto ou alguns produtos por
meio de intervenção política pode conter a alta do índice geral por algum
tempo, mas sem eliminar de fato a inflação. O impulso inflacionário pode
resultar de vários fatores, como a demanda interna mais ou menos intensa, a
elevação e o repasse de custos.
Por trás desses fenômenos podem estar as
condições do mercado internacional, o desajuste das contas públicas e,
tipicamente, o volume de dinheiro disponível no mercado. A valorização do
dólar, associada à insegurança dos investidores, tem sido um fator
inflacionário frequente, principalmente por afetar os preços em reais de
produtos comercializados internacionalmente.
O presidente da República, Jair Bolsonaro,
nada fez, diante do surto inflacionário recente, além de propor a redução de
impostos e pressionar a diretoria da Petrobras para evitar aumentos de preços.
Enquanto isso, aumentou gastos públicos para fins eleitoreiros, causou maior
insegurança no mercado financeiro e criou condições favoráveis à valorização do
dólar. Ao cuidar de seus objetivos pessoais, alimentou incertezas sobre as
contas públicas e tornou mais opaco o cenário futuro.
As intervenções no mercado de combustíveis
favoreceram principalmente caminhoneiros e donos de automóveis. Os pobres
continuaram pagando caro pela comida. Em 12 meses os combustíveis para veículos
ficaram 18,97% mais baratos, enquanto o custo de alimentos e bebidas subiu
11,43%, segundo o IPCA-15. Nesse período, o gás de cozinha encareceu 13,69% e o
vestuário, 18,46%. Em outubro, o custo do item saúde e cuidados pessoais subiu
0,80% e foi um dos principais componentes da inflação. Em 12 meses esse custo
cresceu 9,87%.
Com alta de 4,80% ao longo do ano e de 6,85% em 12 meses, o IPCA-15 prenuncia uma inflação acumulada, em 2022, dificilmente inferior àquela estimada pelo mercado e incluída no boletim Focus, de 5,60%. Mais uma vez, portanto, os preços ao consumidor terão ficado bem acima do centro do alvo, de 3,50%, e do limite de tolerância, fixado em 5% para este ano. Novo estouro poderá ocorrer em 2023, se o desarranjo das contas federais for tão amplo quanto se prevê, como consequência das bondades eleitoreiras. Nesse quadro, o Banco Central só poderá reduzir lentamente os juros básicos. Com isso se manterá um forte entrave ao crescimento econômico.
Melhoria da produtividade está nas mãos do
Congresso
Valor Econômico
É lamentável que projetos importantes para
o desenvolvimento tenham curso burocrático e errátio no parlamento
Dez entre dez economistas concordam que
aumentar a produtividade é um dos principais desafios do Brasil. Há 40 anos a
produtividade capenga em consequência de deficiências na educação, regras
tributárias ineficientes, infraestrutura precária e economia pouco competitiva,
entre outros fatores. A boa notícia é que existem dezenas de projetos no
Congresso, identificados pela Fundação Dom Cabral, que poderiam acabar com as
barreiras e dar impulso à produtividade, desde que haja vontade política.
No fim da década de 1970, a produtividade
do trabalho no Brasil era equivalente a 45% da registrada nos EUA, segundo a
Fundação Dom Cabral. Hoje, ela é cerca de 25% da americana. Desde a década de
1980, tem registrado crescimento anual pífio no país, de 0,1%, bem abaixo dos
4,1% dos 30 anos anteriores.
Houve ligeira melhora no início dos anos
2000, mas a taxa diminuiu novamente na recessão de 2014 a 2016, mostrando um
crescimento tímido na saída desse período de desaceleração, para recuar mais
uma vez em 2019, apesar da ligeira expansão da economia.
A pandemia teve impacto surpreendente nos
números uma vez que afetou em cheio o mercado de trabalho, um dos principais indicadores
para o cálculo da produtividade total dos fatores, ao lado do uso do capital.
Em um primeiro momento, a produtividade até aumentou no segundo trimestre de
2020, mas desacelerou nos trimestres seguintes e recuou abaixo do nível
pré-pandemia no segundo trimestre de 2022.
Para o Observatório Regis Bonelli, a
produtividade aumentou no início da pandemia em consequência da retração do
setor de serviços, que concentra os trabalhadores informais, menos
escolarizados e menos produtivos. Trabalhadores com nível mais elevado de
educação tiveram menos problemas com o emprego. Com a recuperação dos serviços,
a produtividade voltou ao padrão observado anteriormente.
Enquanto o Brasil ainda tirava proveito do
bônus demográfico até era possível o crescimento do PIB per capita. Mas o bônus
acabou em 2018 e a renda per capita, praticamente estagnada, só poderá crescer
com o aumento da produtividade, diz Silvia Matos, da FGV-Ibre, uma das
coordenadoras do Observatório da Produtividade.
A situação pode ser revertida com mudanças
nas regras que tolhem a produtividade. A iniciativa Imagine Brasil, da Fundação
Dom Cabral, analisou 5.085 propostas do Congresso referentes a temas como
inovação, política industrial e capital humano, em tese favoráveis ao aumento
da produtividade. Mas concluiu que a grande maioria defende apenas interesses
particulares e privilegiariam determinados setores, atividades ou regiões em
detrimento de outros. A melhoria da produtividade requer ações efetivas e
amplas, também concordam os economistas, que avancem na solução de entraves da
infraestrutura e logística, tributação, ambiente de negócios, inovação,
educação e capacitação, sustentabilidade e integração comercial.
Do total de propostas no Congresso, porém,
37 já em tramitação podem constituir uma agenda mínima de produtividade, avalia
o Imagine Brasil, e poderiam ser aprovadas e implementadas rapidamente, mudando
a perspectiva, com efeitos duradouros no médio e longo prazo para um conjunto
amplo de atividades.
Entre elas estão a legislação que cria as
debêntures de infraestrutura, aprovadas na Câmara e em análise no Senado; a
ampliação do acesso ao mercado livre de energia para todos os consumidores,
aprovada no Senado e aguardando instalação de comissão na Câmara; as PECs 45 e
a 110 que unificam os tributos federais, estaduais e municipais, ambas em
comissões na Câmara e no Senado, respectivamente; o PL de tributação de
dividendos aprovado na Câmara e em revisão no Senado; o marco legal das
garantias para a obtenção de crédito, aprovado na Câmara e em análise no
Senado; a regulação do mercado de carbono em análise em comissão na Câmara; a
alteração do marco legal das startups, em tramitação inicial no Senado.
Não deixa de ser lamentável que projetos tão importantes para o desenvolvimento tenham um curso burocrático e errático. O recente protagonismo do Congresso em frentes de interesse de seus líderes e do Executivo mostra que, quando desejam, os parlamentares conseguem levar adiante os projetos.
"Quase todas [as denúncias] envolvem assédio para funcionários votarem no candidato Jair Bolsonaro (PL)." Nossa! Que surpresa... Não imaginava que houvesse corrupção empresarial... Sempre achei que a corrupção fosse só petista, e que o primeiro governo Lula tivesse inventado ela por aqui.
ResponderExcluir